A palavra madrasta está envolta em conotações negativas há tanto tempo que, pode-se argumentar, alguma elas devem ter aprontado. Além dos contos de fada, com Cinderela puxando a fila, ditos populares são testemunhas da antiguidade do problema. Rafael Bluteau, em seu dicionário do início do século 18, registrava os seguintes adágios portugueses: “Madrasta e enteada sempre andam em baralha” (isto é, em conflito, em joguinhos de intrigas); e o genialmente sucinto “Madrasta, o nome lhe basta”.
Bastará mesmo? Será que o sentido negativo já estava lá no momento da criação da palavra? Madrasta saiu do latim popular matrasta, de significado idêntico: a nova mulher do pai. Trata-se de uma das derivadas de mater, vinda por sua vez da imemorial raiz indo-européia matr-, ancestral tanto do sânscrito mata quanto do inglês mother. A idéia de mater, mãe, matriz, é tão vital na língua que aparece embutida em lugares inesperados – na matéria, por exemplo, ou na madeira. Mas a madrasta, afinal, tem ou não tem um lado escuro desde sua formação?
A maioria dos filólogos lava as mãos, mas Antenor Nascentes, nome clássico da etimologia brasileira, aposta que sim: segundo ele, a palavra latina nasceu como um “despectivo” – forma depreciativa, pejorativa – de mater. Para Nascentes, portanto, nada tem de fortuito o posterior surgimento, em português, da acepção de madrasta como “aquilo que, em vez de proteger, maltrata”, geralmente usada para qualificar a sorte, o destino.
Apesar de tudo isso, a madrasta má também é um estereótipo grosseiro e injusto, é claro. Em nossa época politicamente correta, está em curso um louvável trabalho para aliviar o termo de sua carga negativa. Qualquer que seja o resultado do julgamento a que deve ser submetida, Anna Carolina Jatobá já atrasou esse trabalho em pelo menos cinqüenta anos.
Publicado na “Revista da Semana”.
6 Comentários
Sérgio: entre animais é comum que o macho mate os filhos que a fêmea conquistada tenha tido com outros pais. Isto se dá entre os leões, por exemplo, e com muitos pássaros (que chegam ao ponto de, antes da cópula, retirar com o bico o sêmen que outro macho tenha colocado na fêmea). [Estes fatos aparecem comumente nos documentários sobre animais, filmados por zoólogos.] A razão seria genética: o macho quer que seus genes sejam reproduzidos, não os dos outros. A decisão humana pela monogamia – talvez decorrente da necessidade do longo cuidado a ter com os filhos – poderia ter criado na fêmea a mesma atitude dos animais citados. E seria ela então a que não gostaria de que os genes da outra fizessem parte de “sua família.” Talvez haja alguma realidade primitiva na “maldade das madrastas.” E que dizer dos padrastos? Não sei se alguém já notou mas parece que um bom número de abusos sexuais contra crianças são feitos por padrastos…
[EM TEMPO – Muito obrigado ao Sérgio e ao Saint-Clair pela indicações. Já foram passadas ao meu amigo, que também agradece.]
Sérgio, sabe como aliviar a palavra ‘madrasta’? Apenas ensine os filhos a chamá-las, ao invés de ‘mãe’, de ‘mamy’. Minha mulher faz isso com a ‘nova mulher’ de meu sogro. (risos)
É incrível como ocupou/ocupa espaço na imprensa esse assunto da menina assassinada, quase sempre de forma deplorável.
Parabéns por apenas citá-lo num contexto fora do costumeiro “show”.
Nós poderíamos nos excluir de falar de um assunto tão medonho. Mas infelizmente ele nos atinge. Não a chamaria de madrasta, pois nem isso ela é, a melhor alcunha, é tão somente de assassina. Sem obviamente isentar o progenitor que figura como cúmplice de ato tão abominável.
Sérgio,
O Editorial do NYT aponta que
Desde 1980 o preço dos livros didáticos quase triplicaram nos USA.
algumas idéias alí demonstradas penso ser iniciativas que podem ajudar a modificar e facilitar o caminho do estudante.
“Editorial – O preço absurdo dos livros e as novas tecnologias
25/04 – 06:07 – The New York Times
http://ultimosegundo.ig.com.br/new_york_times/2008/04/25/editorial___o_preco_absurdo_dos_livros_e_as_novas_tecnologias_1286012.html/
Lamentavel…