A palavra “maiô” parecia destinada a ter sabor nostálgico para sempre. Nome de um traje feminino de banho inteiriço tornado conservador pela explosão mundial do duas-peças, ou biquíni, o maiô nunca desistiu de tentar rentrées periódicas. Foi necessária, porém, uma mudança de praia – ou piscina – semântica para que invadisse triunfalmente o século 21. Não mais como peça feminina, mas unissex. Não mais estrela em passarelas, mas artigo de alta tecnologia no esporte de competição.
“Maiô” foi resultado da aclimatação em português, em algum momento da primeira metade do século 20, do francês maillot. A palavra dava conta entre nós dos cada vez mais ousados trajes de banho femininos. Em sua língua original, maillot era um vocábulo vetusto, mas com diferentes acepções. Começara sua carreira no século 16 como sinônimo de cueiro ou fralda, pano de enrolar recém-nascido. Só no início do 19 surgiria a acepção de malha de balé, que, na primeira década do século passado, se expandiu para abarcar trajes colantes de banho. Maillot veio, em última análise, do latim macula, ancestral de “malha” e “mancha”.
A adaptação da grafia e o lugar confortável ocupado pela palavra em português nada têm de raros. Inúmeros vocábulos franceses no campo da moda e dos cuidados pessoais tiveram o mesmo destino em diferentes épocas, e hoje mal se pensa neles como galicismos: maquiagem, sutiã, jaqueta, broche, botina, soquete, laquê, lamê, manicure…
Alguém disse biquíni? Não, nesse caso a história é outra. O duas-peças herdou seu nome do Atol de Bikini, no Pacífico, onde em 1946 os EUA deram início a testes nucleares noticiados com estardalhaço, detonando uma bomba debaixo d’água. Naquela época, uma certa novidade indecente – portanto também explosiva – estava fazendo barulho na Riviera Francesa. O biquíni começou como metáfora.
Publicado na “Revista da Semana”.
10 Comentários
Sérgio,
vale o registro que, em São Paulo (não sei se a acepção regionalista ocorre em algum outro sítio), maiô é comumente empregado como sinônimo de traje de banho, ou seja, pode nomear não apenas o maiô que vc descreve na nota, como também biquínis, tangas, fios-dentais e, até, sungas (referir-me a minha sunguinha como maiô me rendia várias gozações quando, petiz, vistava o Rio). Há quem chegue a chamar a calção de banho de maiô.
Posso estar enganado, mas creio que, em francês, maillot de bain também se refere a qualquer traje de banho, independemente do sexo do usuário.
Murilo: sim, em francês a palavra se refere a traje de banho em geral. No Brasil, não, o traje é exclusivamente feminino mesmo (e pode incluir o biquíni, inicialmente chamado de “maiô duas-peças”, mas não na acepção dominante, que é a de peça inteiriça). Parece seguro dizer, após uma consulta a nossos principais dicionários, que o maiô como traje de banho de qualquer sexo, a que você se refere, é um paulistanismo mesmo, uma idiossincrasia local que eles nem se dão ao trabalho de registrar.
Obrigado pelo registro.
Sérgio: biquíni? biquine?
Pedro, sei que dicionários registram a variante biquine. Não sei a opinião do Sérgio, mas eu acho meio esquisito.
Curiango, concordo com o Murilo, biquíni me parece além da consagração. A variante biquine, que seria a mais “correta”, só parece existir em laboratório, como a forma preferida dos legisladores da ortografia.
É comum eu chamar de maiô o calção de banho. Procuro não fazer isso publicamente, mas as vezes esqueço e tenho que aguentar a gozação. Não tem mais jeito, é um costume arraigado e adquirido ainda em tenra idade.
Não se envergonhe não, Tibor. À medida que vão passando os anos desde que deixei São Paulo (recuso-me a usar Sampa), cresce minha disposição de usar maiô como sinônimo de calção, farol como sinônimo de semáforo, guia, breque, mexerica, carta de motorista, holerite e por aí vai. Além de minha fome pelos “s” do final das palavra.
Sérgio, segue exemplo pescado da Folha de hoje:
“Maiô papa-recorde crava mais 2
Australiano Eamon Sullivan torna-se o mais rápido da história ao completar os 50 m livre em 21s41
Também com o LZR Racer, “responsável” por 15 marcas mundiais em 2008, Lisbeth Trickett faz o melhor tempo já registrado nos 100 m livre”
Como se vê, a Folha (de São Paulo), também veste homem de maiô. Ou seja, também nesta os dicionários comem mosca.
Não é pra ser bairrista, mas talvez já sendo: regionalismo paulistano não é pouca coisa, já que a cidade tem quase o dobro de (mal) falantes de português que Portugal.
Murilo, me desculpe, mas tem um mal-entendido aí: o maiô “papa-recorde” de que fala a Folha, da Speedo, é justamente o que motivou o meu texto, em que eu digo: “Não mais como peça feminina, mas unissex. Não mais estrela em passarelas, mas artigo de alta tecnologia no esporte de competição.” É o próprio. A Folha neste caso não está adotando um regionalismo. A imprensa brasileira em peso está chamando aquilo de maiô.
Nunca foi hábito, aqui no sul, referir-se à sunga como maiô. As poucas vezes que ouvi me pareceu brega, um tanto caipira.
Mas as coisas mudam e maillot não deixa de ser uma peça de banho colada ao corpo.