O romance que Ian McEwan está lançando em primeira mão na Flip, “Serena”, é uma história de espionagem que, como todas do gênero, tem reviravoltas surpreendentes – inclusive uma, a mais decisiva, relativa à identidade do narrador, que o leitor descobre na última linha. Depois de, surpreendentemente, entregar essa surpresa de bandeja no palco da Flip logo no início da conversa, o escritor disse esperar ver surgir no Brasil, “agora que o país está virando uma superpotência”, uma literatura do gênero, com seus componentes de paranoia e adivinhação dos desígnios do inimigo:
“Talvez todos os romances sejam romances de espionagem, num certo sentido”, disse. “O que contamos, o que deixamos de fora, quem é a pessoa que conta… Todo romance sonega informação, faz parte da cola que o mantém coeso. Talvez um dia a gente descubra que romances de espionagem não são um gênero, mas mainstream.”
Por coincidência, também é uma narrativa de espionagem, ainda que pouco convencional, o texto de Jennifer Egan cuja leitura McEwan recomendou efusivamente à plateia como “uma das melhores coisas que leio em anos”: a novela Black box, toda escrita sob a forma de tweets, publicada pela revista “New Yorker”.
Se a analogia com o mundo da espionagem não serve para qualquer literatura, certamente serve para a de McEwan e Egan, escritores que obviamente investem incontáveis horas de voo imaginativo na construção de tramas surpreendentes, que aqui e ali puxam o tapete do leitor. Nesse ponto, a arte de ambos é muito diferente daquela de Teju Cole e Paloma Vidal, que na mesa de ontem manifestaram desprezo pela dimensão da trama. Acusado pelo crítico americano James Wood, num ensaio do ano passado, de manipular o leitor, McEwan foi mordaz:
“Manipular o leitor é o prazer principal. Não se trata de sadismo. Ao me acusar de manipulador, o que James Wood estava fazendo era me acusar de ser romancista.” Jennifer Egan concordou: “A manipulação pela manipulação é um saco, a questão é que propósito ela tem. Vale a pena? Quando um romancista diz que estamos em Londres no século 18, é óbvio que não estamos, isso é uma forma de manipulação. Que pode ser maravilhosa, se a história valer a pena”.
Os dois concordaram também sobre o futuro do romance. “Se nós, romancistas, trabalharmos direito, ele não vai acabar”, opinou Egan. “Dizem que os videogames ameaçam os romances. Eu gosto de games, mas o que mais me interessa é como eles podem ser incorporados a um romance.” McEwan optou pela abordagem histórica: “O romance é uma ferramenta, uma tecnologia que construímos ao longo de séculos. Claro que nós nos apoiamos nos ombros de gigantes: usamos sem pensar, com naturalidade, o discurso indireto livre de Jane Austen e Flaubert. Seria impossível criar tudo isso agora. É por isso que o romance não morre.”
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Se McEwan e Egan não são os melhores escritores da atualidade pelo menos, dentre os convidados da FLIP, são os mais interessantes. Ao contrário de Jonathan Franzen que fez “jogo de cena” o tempo todo, McEwan e Egan foram muito assertivos em sua observações sobre o processo de criação literária para ambos. Ajudados pela mediação os escritores revelaram como se dá a construção de personagens e, acima de tudo, demonstraram por “A+B” que o foco principal da literatura deve ser a narratividade. Ou seja, é o conteúdo e não a forma, que precisa ser mais valorizada no fazer literário, pois caso contrário a literatura se torna uma forma de arte de acesso restrito de modo a criar um buraco que a separa dos leitores, que aceitando-se ou não ainda é seu principal foco de atenção. McEwan de forma de bem humorada respondeu a acusação feita de que ele é “manipular”, afirmando novamente de modo assertivo que a tarefa de um autor de ficção consiste justamente nisso, afinal “forjar” uma realidade é justamente a principal tarefa de um escritor? De qualquer forma tanto McEwan e Egan apontaram os novos rumos da boa literatura e não o que a literatura artística que somente atinge a poucos leitores e que exige que muitas vezes que se conheça as técnicas literárias, tais como a metalinguagem que tornou-se um clichê vastamente explorado por autores como o pretencioso Henrique Vila Mattas.
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