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Mensalão

30/08/2007

A entrevista do deputado Roberto Jefferson publicada pela “Folha de S. Paulo” naquela segunda-feira, 6 de junho de 2005, marcou um fato raro no mundo das palavras: o momento exato em que nascia uma nova acepção, um novo sentido. No caso, um sentido destinado a fazer tanto sucesso que hoje deixa num pálido segundo plano a acepção até então exclusiva de mensalão – “recolhimento facultativo que pode ser efetuado pelo contribuinte para antecipar o pagamento do imposto devido na Declaração de Ajuste Anual”, segundo o site da Receita Federal.

Pouco antes de Jefferson detonar sua bomba, o mensalão já circulava fora do jargão tributário, mas apenas como gíria brasiliense para um novo esquema de corrupção centrado na compra – prática antiga, mas talvez nunca tão literal – de apoio parlamentar pelo governo. Tinha feito uma breve aparição no “Jornal do Brasil” em 2004, mas faltava ganhar as ruas, a corrente principal da língua. Tudo indica que ganhou. Pouco mais de dois anos depois de nascer, a palavra acaba de ser reconduzida ao posto de grande estrela do vocabulário político pelo Supremo Tribunal Federal.

É razoável supor que a aparência bonachona contribuiu para o sucesso do termo mensalão. Fascinado pela intimidade de diminutivos e aumentativos, o português brasileiro se dá bem com ambivalências desse tipo, entre a familiaridade complacente e a rejeição irônica. O sociólogo Sérgio Buarque de Holanda sabia o que estava falando quando chamou o brasileiro de “cordial” no clássico “Raízes do Brasil”. Não quis dizer, como muitos acreditam até hoje, que somos bonzinhos, e sim que tendemos a nos pautar pelo coração, pela afetividade, em nossas relações com aliados e inimigos.

Se a ambigüidade do tom é inevitável, o duplo sentido mais explícito de mensalão recomenda cuidado no uso da palavra. Vale notar que suas duas acepções se relacionam com o dinheiro do contribuinte, mas em sentidos dramaticamente opostos: uma no momento (legítimo) da arrecadação, a outra na ponta (criminosa) da malversação.

Texto publicado em minha nova coluna, Palavra da Semana, na “Revista da Semana”, da editora Abril, cujo primeiro número chega às bancas hoje.

28 Comentários

  • Valeria Lamego 30/08/2007em10:15

    Serei a primeira a comentar!
    Parabéns, Sérgio. Ainda não conheço a revista. Aliás, ela sai hoje, não é?! bjs

  • Valeria Lamego 30/08/2007em10:17

    Alias, li um texto muito interessante no boletim da Fapesp sobre a revisão ortográfica. Um assunto que, acredito, ainda vá render. Você consegue imaginar um mundo sem trema e crases?!

  • Sérgio Rodrigues 30/08/2007em10:30

    Valeria, sei que ainda vou acabar falando muito dessa reforma ortográfica infeliz, mas ando em fase de negação. Não é que eu não consiga imaginar um mundo sem trema. Consigo (o mundo da Folha de S. Paulo passou anos sem, dizem que por motivos mais industriais do que lingüísticos). O problema é que, fora uns burocratas e editoras de didáticos que vendem para o governo, não vejo ninguém ganhando nada com todo o trabalho e despesa de uma mudança assim. Nada, zero. Ou alguém acha que a pujante “comunidade lusófona” só está esperando limparem meia dúzia de arestas ortográficas para começar a ler nossos autores como louca? Talvez seja a prioridade cultural número 2.345 na agenda brasileira.

  • Valeria Lamego 30/08/2007em10:35

    Além disso Sérgio, tem uma questão meramente cultural, pois expressões que surgem nas ruas, no convívio e depois são anexadas ao lexico, jamais farão parte de qualquer reforma. Penso rápido não é band-aid!.
    Eu “acompanhei” a reforma de 43 – acho que foi esse o ano- aquela em que os “eles” duplos foram suprimidos. O fato interessante é que alguns escritores se apressaram e, na época, consultaram numerólogos (já existiam aos borbotões)para saber se a nova grafia iria, ou não, prejudicar suas carreiras. hehehehe! bjs

  • Sérgio Rodrigues 30/08/2007em10:41

    Justamente, Valeria. Ortografia é só um verniz, tem muito pouco a ver com o que a língua brasileira consegue ou não consegue comunicar em Portugal, em Moçambique ou vice-versa. Mas vai ter gente ganhando um bom dinheiro, isso vai.

    Agora, jura que acompanhou aquela reforma? Você parece bem mais nova do que isso…

  • Valeria Lamego 30/08/2007em10:47

    Juro… Acompanhei com muita vitalidade nas páginas do finado Diário de Notícias… e no Correio da Manhã….Leitura diária na BN. Tem louco prá tudo no mundo! Eu e o Eder…aquele que tudo sabe sobre futebol…bjs

  • dalton 30/08/2007em12:23

    Que imaginaria essa grafia mensalão vai dar em pitiça de muçarela!!

  • Simone 30/08/2007em13:11

    Seria legal salpicar um pouco de razão sobre essa cordialidade (ou ‘miguxismo’) toda.

  • Sérgio Rodrigues 30/08/2007em13:26

    E como seria, Simone. Acho que até mais (ou menos?) do que razão, impessoalidade. Mas isso soa como a maior das heresias.

  • Ana Z. 30/08/2007em14:07

    Ótimo texto, Ségio, como de costume.
    Boa sorte com a nova coluna!
    Um abraço.
    Ana

  • Tibor Moricz 30/08/2007em14:40

    Parabéns pela nova coluna, Sérgio!!

  • Sérgio Karam 30/08/2007em15:42

    Sérgio, parabéns pela nova coluna e também pelo texto, como sempre muito bom. Quanto à Valéria Lamego, vou te contar um segredo: ela é uma velhinha muito simpática!
    Abraço.

  • Valeria Lamego 30/08/2007em16:10

    Conservada em formol! hehehehe

  • Prudente 30/08/2007em17:46

    Ninguém aqui passou pela reforma ortográfica de 1971?
    Eu estava no primeiro grau. Foi um monte de acento diferencial para o lixo, acento de advérbios e nem me lembro as outras.
    Basta checar em livro publicado antes de 1971.
    O trema ia cair naquela época. Não sei a razão de ter ficado.

  • Prudente 30/08/2007em17:50

    Os acentos diferenciais que vão cair agora tinham sido cogitados de cair em 1971. Mas acharam que era demais para a população.
    Parabéns, Sérgio… ça va sans dire.

  • Noga Lubicz Sklar 30/08/2007em18:22

    Parabéns pela nova coluna, Sérgio.

  • Sérgio Rodrigues 30/08/2007em18:37

    Caros, obrigado a todos. Depois dêem uma olhada na revista, é muito bacana. Principalmente pra quem acha que o tempo anda curto pra ler tanta notícia. Abraços.

  • Rafael 30/08/2007em19:01

    Se a reforma ortográfica entrar em vigor realmente, como infelizmente parece que entrará, a mim não restará senão desobedecer civilmente mais essa tolice imposta por burrocratas. Farei questão de rechear meus textos com idéias, todas elas revolucionariamente acentuadas.

    Tremei, legisladores da língua, pois não abandonarei o trema!

  • Daniel Brazil 30/08/2007em22:12

    Boa sorte no novo endereço, Sérgio. E que esta revista seja melhor que a outra semanal da mesma editora, que tem dado sucessivos vexames.

  • anrafel 30/08/2007em22:32

    Prudente, acho que foi extinto o trema dos ditongos onde o “u” fosse a segunda vogal, tipo saudade. Acho.

  • Brancaleone 31/08/2007em00:13

    Que saco!!!
    Demorei anos para aprender a escrever e quando finalmente consigo, os caras vem e dizem que vai mudar!!
    Na de 71 eu tirei de letra (sem trocadilhos) – filho de professora tem vantagem.
    Com cheques é a mesma coisa. Quando finalmente aprendo a colocar 2007, já é dezembro e vem 2008 e lá se vai mais um ano…

  • Maria Lilia 02/09/2007em01:07

    Olá, Sérgio!
    Que bela notícia! O texto está ótimo! Vou comprar e indicar a revista. A propósito, por que não divulgou a novidade no dia 22 ,quando esteve a falar para nós, lá na PUC, de argumentação e voz ativa do leitor?
    Sucesso, sempre!
    Abraços
    Maria Lilia

  • Sérgio Rodrigues 02/09/2007em11:51

    Cara Maria Lilia: esqueci de mencionar a coluna lá na PUC, pois é. Era assunto demais pra pouco tempo. Obrigado e abraços.

  • Rafael 03/09/2007em08:57

    Há razões sólidas para se apagar o spam ali em cima: é spam, nada tem a ver com o assunto do tópico e sobretudo está em caixa alta, esse expediente medonho empregado por quem gosta de chamar a atenção a si.

  • Sérgio Rodrigues 03/09/2007em09:38

    Você está certo, Rafael.

  • Éd Lascar 14/09/2007em03:24

    Eu tenho uma palavra para você, a guisa de comentário sobre o que aconteceu anteontem no Senado Federal:

    Valhacouto!

    Abração, adoro você!

  • Éd Lascar 14/09/2007em03:26

    Ou melhor: Valhacoito.

    Afinal tudo começou com um coito, não?!

    Abs.

  • Jonas 28/08/2012em17:25

    A mídia tem apreço por termos exagerados: apagão, mensalão, caos aéreo … (menos quando se refere a sua atuação). Que tal o ‘midialão’ da VEJA/GLOBO/FOLHA/ISTOÉ/….?