A palavra “motoboy” parece ter vindo do inglês, mas é uma criação brasileira – mistura de motoqueiro e office boy (contínuo), esta sim uma locução importada. Tudo indica tratar-se de um vocábulo que teve gestação lenta e gradual na agitação urbana de São Paulo, mas que, uma vez pronto, atingiu o estrelato da noite para o dia: em agosto de 1998, “motoboy” ganhou fama nacional na esteira dos crimes de Francisco de Assis Pereira, apelidado pela imprensa de “Maníaco do Parque”, que tinha essa profissão. O dicionário Houaiss aposta justamente em 1998 como ano de surgimento ou consolidação da palavra em nosso vocabulário, no que parece acertar, embora prefira a desusada grafia “motobói”.
O caso de motoboy bagunça uma certa visão de mundo apocalíptica, infelizmente de larga difusão no país, em que o português brasileiro é retratado como dodói e indefeso diante do bombardeio de palavras importadas do inglês. Ao revelar um idioma em plena posse de suas faculdades criativas, trabalhando com peças de qualquer origem que estejam à disposição e dando-lhes uma feição própria, “motoboy” atropela a idéia de uma língua apática, mera receptadora de mercadoria contrabandeada.
Lançado há quatro anos, o curioso livrinho “Inglês Made in Brasil” (editora Campus), de Ron Martinez, um americano residente no Recife, tem como objeto principal de estudo justamente esses vocábulos que, parecendo simples itens da pauta de importações lingüísticas, são na verdade coisas nossas. “Motoboy” está lá, claro. Mas nem sempre se trata da criação de uma nova palavra. Mais comuns são os casos de adaptação de sentido ou mesmo de classe gramatical, como o de outdoor, um adjetivo (de outdoor advertising, “publicidade ao ar livre”) que aqui se consagrou como substantivo, com um significado que na língua original é reservado à palavra billboard.
Publicado na “Revista da Semana”.
7 Comentários
Sérgio: isto aconteceu antes, com o francês. Por exemplo: garçonete.
Além do maldito shopping center…
A confusão é muita, os equívocos também. Mas o pior de todos é achar que o português pode morrer dessa doença. A língua está bem viva, e a prova disso é esse metabolismo que transforma e assimila as palavras vindas de fora.
Gostei de sua prosa, Sérgio. Um abraço.
Morro de rir com a pasta de dentes que se chama “Star White”.
rsrsrs.
Meu “falso anglicismo” favorito é o “disk” em serviços telefônicos (disk-pizza, etc). Mas incompreensível mesmo é o caso de “handicap”, cujo sentido se inverteu (de “deficiência” para “vantagem”).
Além dessas adaptações português-inglês, tem também umas inglês-inglês, como, por exemplo, bus-door, cartazes publicitários em ônibus urbanos.
Sergio,
a expressao “dois pesos, duas medidas” é logicamente correta?
não seria correto dizer: “dois pesos, uma medida”?
Estou em dúvida. Li algo sobre isto afirmando como um equívoco a primeira forma popularmente consagrada.