Foi anunciado ontem que o escritor dominicano-americano Junot Díaz, que tinha confirmado presença na Flip, desistiu da viagem. “Não se perde grande coisa”, já vejo alguns leitores dizendo, mas não se trata disso. O fato provocou um post interessante no blog de Flavio Moura, diretor de programação do evento, que eleva a um novo patamar a transparência (estamos em tempos de Obama, afinal) com que as negociações pré-festival vêm sendo tratadas na edição deste ano. Um trecho:
A recusa chama a atenção para um lado curioso da atividade de organizar festivais: o acesso a dimensões comezinhas do dia-a-dia dos escritores. Verdadeiros ou não, os motivos que os levam a recusar muitas vezes são divertidos e dizem algo a respeito da personalidade de cada um.
Em 2008, o mesmo Junot disse que não podia vir porque tinha “um casamento na Itália”. No mesmo ano, Lobo Antunes – que segue confirmadíssimo para 2009 – não pôde vir em razão da formatura da filha, na mesma data da Flip.
A família é também o ponto de apoio de Kazuo Ishiguro, autor de Vestígios do dia, e do crítico James Wood, de How fiction works. O primeiro se diz pouco à vontade para viajar para longe enquanto o filho não for crescido o bastante para ficar sozinho. O segundo, com filhos pequenos, não quer nem ouvir falar em eventos a mais de duas horas de vôo de sua terra natal.
Dave Eggers, o fundador da McSweeneys, vai na mesma direção: o primeiro filho acaba de nascer, de modo que não, obrigado, fica para a próxima vez.
Mas, de todos, meu preferido é George Steiner, o austero crítico de Cambridge. Diante do convite da Flip, que lhe foi enviado por fax, reagiu com uma sinceridade desconcertante. A resposta veio pelo correio, datilografada em duas linhas, num envelope timbrado da universidade: “Caro senhor: estou prestes a completar 80 anos e ir para o Brasil está, infelizmente, fora de questão”.
26 Comentários
Por que não me convidam, então? Iria de bom grado e sem desculpas esfarrapadas.
Coloco-me na pele desses escritores. Cansados de participar de seminários, simpósios, mesas redondas e quadradas, nos quais são agraciados com pergundas idiotas e constrangedoras, que exigem jogo de cintura e uma paciência quase que infinita, entediados de ouvir as mesmas perguntas com palavras variadas, de saco-cheio da mistura de pedantismo e levianidade que é a marca principal desses eventos, é com horror que recebem o convite para irem a um remoto país tropical, do qual só ouvem notícias de assassinatos brutais e fábulas pitorescas sobre malversação de dinheiro público.
Nesta hora, felizes são aqueles que têm filhos, o melhor pretexto do mundo!
Como diz o Saint, o Brasil mata.
Mas gostei do George Steiner ir direto ao ponto.
Abss!
Sou tentado a acompanhar a opinião de Rafael, mas uma Feira é sempre uma feira. E como tal, deve ter praticamente de tudo! Cada escritor é livre para aceitar ou não um convite de acordo com seus próprios intere$$es; afinal, a epígrafe de SAMUEL JOHNSON é uma máxima muito significativa e nestes tempos de globalização tem tudo a ver.
Até mesmo estes comentários aqui podem ser utilizados pelo editor do Blog, ou até mesmo por algum pesquisador da cultura neste ciberespaço. (ih! acho que dei idéia para alguém, lembre-se dos Hoyalties!).
Oi, Sérgio
Bem que o Flávio Moura poderia publicar o livro “A arte de recusar um convite”.
Uma dúvida que apresento aos luminares: o advérbio empregado pelo Sr. George Steiner, será que foi a expressão de um sentimento sincero de pesar ou manifestação de uma ironia oculta?
Alguém se arriscaria a dar um palpite?
Pena, pena mesmo, o Sr. Steiner nao poder comparecer. A sua presenca elevaria muitissimo o nivel do debate. Ele eh um daqueles intelectuais fora de moda, “chatos”, tipo Carpeaux. Que falta fazem!
Eu nunca tive chance de ir a Flip, e estou fora do pais ha quase dois anos… nao sei quando poderei conferir as rodas, seria uma experiencia interessante. Nao acho que o nivel da Flip seja mais baixo do que o de qualquer outro evento literario, dai ou de qualquer outro lugar. Sempre a mesma coisa: escritores bons, escritores mediocres, escritores indignos, com intencoes e paixoes diferentes, e publico interessado em coisas diferentes. Mas quem souber procurar sempre vai encontrar algo de aproveitavel, nao?
Para fechar esse comentario (desculpe-me, Sergio, eu acho que deveria participar mais…), recomendo aos interessados a recem-lancada coletanea “George Steiner at the New Yorker”. Saiu via New Directions (que tem um baita dum catalogo!).
O Rafael tem razão.
Deve ser duro para um escritor viajar 8~10 horas de avião para encarar perguntar cuidadosamente mal elboaradas como “Por quê você escreve?”, “Que autores você gosta de ler?”, “O que você gosta de ouvir?”, “Qual seu diretor favorito?”.
Haja criatividade.
O Rafael tem razão.
Deve ser duro para um escritor viajar 8~10 horas de avião para encarar perguntas cuidadosamente mal elaboradas como “Por quê você escreve?”, “Que autores você gosta de ler?”, “O que você gosta de ouvir?”, “Qual seu diretor favorito?”.
Haja criatividade.
O Edmund Wilson tinha uma boa. Ele distribuía um cartão com os seguintes escritos, para se livrar de qualquer chateação:
“O sr. Edmund Wilson lamenta não ter como: ler manuscritos, escrever artigos ou livros por encomenda, redigir prefácios ou posfácios, dar declarações de natureza publicitária, fazer qualquer tipo de trabalho editorial, arbitrar concursos literários, dar entrevistas, participar de conferências, responder questionários, contribuir para ou participar de simpósios ou “painéis” de toda espécie, leiloar originais, doar exemplares de seus livros para bibliotecas, dar autógrafos para desconhecidos, permitir que seu nome conste em manchetes, fornecer informações pessoais sobre si mesmo ou dar opiniões, literárias ou não”.
Alguma possibilidade do motivo da recusa ser… o destino?
Pô, Felipe! Você esqueceu a principal:
“de onde vem a inspiração para os seus textos?”
ao que eu responderia, na lata: “daquela…..“, não, deixa pra lá. O blog é de respeito.
Gosta de Junot, Sérgio?
Gramático, nem pesar nem ironia. Politeness, simplemente.
Não li, Tiago. Se você leu, conte para nós.
Pô, li os dois livros dele e acho que posso sim dizer que é o bicho–clicando no meu nome dá pra ler a proto-resenha que escrevi pra The Brief Wondrous…O que eu mais gosto nele é a linguagem. Não o spanglish, que é o mais evidente, mas sim o jeito de narrar, sabe? Aque tom de conversa não-artificial, as gírias…É bom mesmo. Nunca pensei que fosse me interessar pela República Dominicana. Um grande autor faz isso com a gente, não? Pulitzer mais que merecido, IMHO. Tem algumas coisas dele na NYer, clica. Abraço!
Conheci o George Steiner recentemente através dessa entrevista
http://www.editoraperspectiva.com.br/noticia.php?cod=74&inic=0
e gostei dele. Tomara que traduzam esse livro, em que ele dedicou um capítulo para falar da vaidade dos professores universitários.
Quanto à sua resposta, não vi ironia alguma, vi sinceridade: talvez se ele fosse 40 anos mais jovem encararia horas de avião pra ir a um encontro literário ouvir e responder banalidades e aproveitaria pra ver se o Brasil é isso mesmo que todos contam. Mas ele deve sentir a idade pesando, não deve mesmo ter disposição para desbravar lugares desconhecidos, nem voando de primeira classe e hospedado num 5 estrelas.
Quanto a bobagens ditas por leitores, tem uma do livro Aos meus amigos da Maria Adelaide Amaral, ouvida pelo personagem escritor: aquela frase chorumelosa do Saint Exupéry “Tu és eternamente responsável por aquilo que cativas”. Mais essa, o escritor já tem seus problemas e ainda tem que se responsabilizar pelos leitores que gostam do que ele escreve.
Isso me soa como aquele ditado da mulher linda e gostosa: “Para cada mulher linda e gostosa do mundo existe, pelo menos, um homem enjoado de comê-la”
Acho que é assim com esse eventos. Pra cada um deles que há milhões qurendo ir, há uns poucos desprezando, enojados, e sempre prontos a dizer não e não indo mesmo.
Isso ocorreu devido ao nosso pais não ter destaque no campo da leitura. Então autores americanos e europeus sempre desprezarão a “favela do mundo” como eles pensão que somos nos do sul. Além disso vir em “terra de índio” pra ouvir perguntar idiotas não vale a viagem.
Os motivos das recusas, do ponto de vista profissional, se tratam de grandes absurdos. Simplesmente lamentável.
A recusa perfeita, irrespondível, seria a de Bartleby: “I would prefer not to.”
Severo, o que te faz pensar que as perguntas feitas na Flip sejam mais idiotas do que as feitas em qualquer outra feira literaria? Idiotas abundam, e existem em qualquer lugar. Alem disso, glamourizar o “oficio do escritor” eh um habito da cultura ocidental, nao da “favela do mundo”. Balzac ha duzentos anos ja reclamava dos saloes literarios parisienses.
O Sr. Steiner provavelmente disse nao pois esta velho e pensa na morte, e talvez queira morrer em Cambridge. Quem sou eu para dizer que ele esta errado? Alem disso, nao querer participar das palhacadas da vida publica do literato “por causa de” eh uma escolha como outra qualquer. Fico com o que o Jonas escreveu acima: “sai pra la e deixe-me ser quem sou”…
Nao concordo com o Claudio de jeito nenhum. Do ponto de vista profissional a ultima coisa que importa a literatura eh a literatura.
Não precisa concordar não, Benjamim. No fundo, sabe, o problema, lembrando o último post do Sérgio, está na relação insidiosa entre o mercado literário brasileiro e a própria Literatura, não? Quem sabe se, em vez de George Steiner, trouxessemos Sir Robert “Bobby” Charlton, por exemplo; e se para abrandar a quase insuportável falta que Junot Diaz nos fará, resolvessemos convidar por exemplo… bem, alguém aí pode me ajudar lembrando o nome de algum grande jogador de futebol da República Domenicana?
[Dominicana, tanto faz, ou] Domenicana, pois escrevo em italiano, idioma falado no país campeão do mundo de futebol. 🙂
Não dá pra reunir o mundo inteiro na FLIP também, né gente?
O Flávio Moura é um cara competente. Ele sempre faz uma FLIP melhor a cada ano. O Junot que perdeu uma boa oportunidade de se apresentar aos leitores brasileiros.
Eu não o conheço, e agradeço muito ao Tiago pelo link. Gostei do que li.
De nada, Felipe. Happy to oblige.