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Nareba quer ir a Frankfurt

05/08/2011

A lenda da blogosfera literária nacional Lúcio Nareba está em liberdade desde o último indulto de Cosme e Damião, tendo cumprido, conforme a lei, um vigésimo da pena a que foi condenado pelo assassinato da editora Bia Escarpin (ao lado, no flagrante de Gilmar Fraga).

A imprensa tradicional não deu destaque à libertação, mas os fãs têm sido fiéis ao velho mito e se cotizam para pagar os dois engradados diários de cerveja em que o fundador do radical narebismo se embebe, além dos cigarros que fuma sem parar pelos ouvidos e do Blackberry lilás em que cutuca nanocontos de três palavras o dia inteiro, produzindo um a cada quinze ou dezoito horas.

E de repente isso já não basta. O homem Lúcio sente que alguma coisa nele, profunda e visceral, foi transformada pela cadeia. Começa a lhe parecer pouco desfrutar da glória de sempre, ainda que imensa, em seu próprio círculo literário. Nareba quer crescer como artista, ganhar o mundo. No começo fica meio confuso, mas, num esforço final notável, seus neurônios desenham a ideia mágica: Frankfurt 2013! É urgente que o traduzam para o alemão!

Ora, ter uma ideia dessas deveria bastar por si só. Lúcio Nareba em Frankfurt 2013 é um golpe de gênio. Em países decentes, bastaria gritar o slogan no meio da praça para que órgãos do governo ou departamentos de marketing de grandes empresas saíssem correndo para transformar o sonho em realidade. Ocorre que as coisas não funcionam direito no nosso país, e Nareba já percebeu que, se não traçar ele mesmo um plano de ação para representar as letras nacionais na terra da salsicha, mais uma oportunidade de glória para nossas cores será perdida.

O plano não está fechado. Nareba manda dizer que aceita sugestões, mas pretende basear a campanha no fato de ser íntimo da obra de Knut Hamsun, Cees Nooteboom, J.M. Coetzee, Philip Roth, Fritz Utzeri e todos aqueles chucrutes. Além disso, uma das suas primeiras namoradas, Rosemeiry, tinha uma avó alemoa ou meio alemoa, e antes mesmo disso, na Copa de 74, quando tinha dois anos, lembra de ter comemorado com alegria de criança o título tectônico enquanto sua família chorava pelos laranjinhas da Escandinávia.

As coisas estão nesse pé quando Ferdinando, um de seus fãs menos inteligentes, diz uma tarde no botequim:

– Mas como vão traduzir um livro seu para o alemão se você nunca publicou um livro?

Um hálito gelado passa pela mesa. Sete ou oito pessoas olham para baixo, para cima, de lado, prendendo a respiração. Ferdinando está certo. Sou phodão e outras modéstias, o livro que Bia Escarpin tinha pagado com a vida para não publicar, não existe mais: tentando destruir provas, Nareba queimou os originais no forno de casa antes de ser preso. Na cadeia, onde sempre teve bom comportamento, chegando a presentear os carcereiros com suas maçãs, nunca parou de escrever um minuto, mas essa obra inestimável da masmorra o policial encarregado da limpeza de sua cela um dia varreu, eram poucas folhas. Embora seja brilhante, sua produção contemporânea de nanocontos de três palavras ainda não enche uma página.

Todo mundo sabe disso e vinha evitando o assunto. Nareba é sensível demais, um artista raro, além de grandalhão e maluco, e o botequim inteiro teme a violência de sua reação à insolência de Ferdinando. Mas o homem Lúcio, depois de um tempo em silêncio, dá uma coçada íntima inigualável, solta um arroto de oito compassos e começa a rir, humilhando o discípulo com a singeleza do seu gênio:

– Livro é velho, a gente vai pra Frankfurt de e-book. Que em alemão é ibuchen, aliás. A gente vai pra Frankfurt de ibuchen.

4 Comentários

  • Francisco 05/08/2011em13:59

    Caro Sérgio.
    Que interessantes esses posts da categoria sobrescritos.
    Tenho uma grande identificação com o Nareba: escrevo historinhas usando de quatro a sete palavras, e uma antiga namorada me chamava de ‘Nariz de bolotinha’. Talvez para não ceder à tentação de estrangular um editor nacional, resolvi eu mesmo publicar e apresentar na feira de Frankfurt (em 2008 e 2009) o meu livrinho de… dezesseis palavras.
    Mesmo que o Nareba não vá, o Nariz de Bolotinha vai estar em Frankfurt em 2013.
    Não precisa publicar o comentário. Apesar da minha história ser verdadeira, não pretendo (ainda) fazer propaganda, pois só vou lançar o meu livrinho (e a editora) em agosto de 2012.
    Abraços,
    Francisco

  • sergiorodrigues 05/08/2011em16:14

    Obrigado, Francisco. Os Sobrescritos existem desde o início do blog, há mais de cinco anos, e a primeira safra já virou livro, com o mesmo nome, pela Arquipélago Editorial. Boa sorte com seu projeto, quem sabe você e o Nareba se esbarram em Frankfurt. Um abraço.

  • Rodrigo Uchôa 06/08/2011em13:18

    Nareba é um Hemingway contemporâneo.

  • joao gomes 07/08/2011em12:50

    Fico feliz com a libertacao de L.Nareba. Faco votos de sucesso para esse novo empreendimento cultural. Cesare Battisti é que deve estar roendo as unhas e raiva e inveja….

    arriba Até Frankfurt!