O aroma em questão, bem entendido, é espargido na livraria e não nos volumes em si (será esse o próximo passo das editoras em sua luta para injetar ânimo nos combalidos livros físicos?). Como se sabe, o estudo das relações entre o olfato e certas inclinações de comportamento, sobretudo quando se trata de abrir a carteira, não é exatamente novo. Lojas com variados perfumes estratégicos – de abaunilhados a frutados e florais, aromas supostamente acolhedores para estimular a permanência do cliente ou excitantes para fazê-lo gastar mais – são comuns mundo afora, o que é apenas natural. Se todo mundo sabe que a programação visual de um ambiente induz certas sensações, por que a programação olfativa ficaria de fora?
Segundo informação citada por um leitor do “Guardian” nos comentários do texto em questão – atribuída a um romance do escritor Clive James, que não sei se chega a se qualificar como “fonte segura” –, existe em cassinos de Las Vegas a prática de jogar talco nos sistemas de ar condicionado central, adotada com base na crença de que os jogadores tendem a apostar mais alto quando se transportam emocionalmente à primeira infância. Outro comentarista trata como fato amplamente sabido (eu não sabia) que assar pão quando compradores em potencial estão visitando a sua casa ajuda a vendê-la.
Se não surpreende que esses e outros recursos pavlovianos sejam usados para manipular os bichos-consumidores, há na notícia da pesquisa belga alguns aspectos intrigantes. Um deles é a precisão absurda dos números: o cheiro de chocolate tornaria os clientes 3,48 vezes mais inclinados a examinar as prateleiras de livros românticos – e, a propósito, de culinária – e 5,93 mais propensos a comprá-los. O efeito sobre a venda de outros gêneros seria bem mais modesto, com a decisão de compra sendo multiplicada por 1,2.
Outro aspecto interessante, que acessa profundezas incalculáveis de psicologia e picaretagem, é: por que chocolate? Levando-se em conta que são as mulheres o público-alvo dos romances românticos, estaremos diante de uma associação rasteira entre o amor e a caixa de bombons que o amante manda de presente? Uma sinestesia de sabor açucarado com literatura idem? Algo mais sutil? Quem sabe o estímulo de um desejo – o de comer doces engordativos – que o superego trata de desviar para o consumo de uma prosa que, mesmo altamente calórica, não vai se refletir na balança?
É claro que, a serem verdadeiras as descobertas da pesquisa belga, estamos diante de um vasto campo inexplorado: o dos perfumes que, como se diz de vinhos e comida, harmonizam com os gêneros que o aroma de chocolate não consegue tocar. Uma lista preliminar, sujeita a confirmação, poderia casar o cheiro acre da pólvora com romances policiais, o futum de fumaça de caminhão com road novels variadas, a maresia com volumes de pesca e iatismo. Subindo alguns degraus na escala da ousadia – e correndo o risco de enfurecer a bancada evangélica do Congresso, mas negócios são negócios –, talvez pudéssemos encontrar uma versão sintética dos eflúvios almiscarados do sexo e assim reforçar o apelo daqueles romances pornográficos aburguesados que são a mais recente mina de ouro do mercado editorial.
Vejo um futuro brilhante para os estudos nasoliterários. Um dia descobriremos que a velha expressão “nariz enfiado no livro” era profética.
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