Autores consagrados como John Updike, Don DeLillo, Ian McEwan, Art Spiegelman, Paul Auster e Martin Amis se atracaram com o tema, como se deixar o fato sem uma resposta imediata representasse uma nova derrota, desta vez artística. Curiosamente, os primeiros momentos após a tragédia passavam longe de anunciar tanto apetite. O inglês Amis chegou a dizer que “depois de algumas horas diante de suas escrivaninhas, no dia 12 de setembro de 2001, todos os escritores do mundo estavam considerando relutantemente mudar de profissão”. Havia uma sensação pós-traumática de que as palavras tinham perdido o sentido.
Com seu conto “Os últimos dias de Muhammad Atta”, publicado em abril de 2006 na revista “New Yorker”, Amis mostrou-se recuperado da crise profissional e disposto à ousadia de entrar na cabeça de um dos terroristas que morreram no ataque a Nova York, retratado por ele como um sujeito levado ao extremismo por problemas pessoais como constipação e frustração sexual. Desse modo, mesmo não tendo escrito um romance sobre o tema, acabou por corporificar uma das principais críticas feitas a esses livros, bem formulada pelo escritor indiano Pankaj Mishra num artigo de 2007 no “Guardian”: “Escrita de dentro do coração narcisista do Ocidente, a maior parte das ficções sobre o 11 de setembro parece incapaz de reconhecer as crenças políticas e ideológicas como uma realidade social e emocional no mundo – o tipo de fato que não pode ser reduzido à experiência individual do ódio, da inveja, da frustração sexual e da constipação”.
De dois anos para cá, a onda parece estar em refluxo. É provável que, passada a correria da literatura de emergência – sempre dividida entre o nobre intuito de dar sentido ao incompreensível e os riscos do oportunismo – o tema volte um dia à pauta dos escritores, desta vez mais decantado. O perigo de escrever sobre grandes traumas no calor da hora foi formulado assim por W.G. Sebald em “Guerra aérea e literatura”: “A produção de efeitos estéticos e pseudoestéticos com base nas ruínas de um mundo arrasado é (…) um procedimento que rouba da literatura a sua legitimação”.
Abaixo, uma lista dos dez principais livros de ficção sobre o 11 de setembro. Só o último não foi lançado no Brasil.
“Homem em queda”, de Don DeLillo (Companhia das Letras, 2007) – Um homem que estava no World Trade Center sobrevive ao ataque, mas, em vez de voltar para casa, vai bater na porta da ex-mulher. A tentativa de reconstruir o relacionamento se dá contra um pano de fundo de caos e desesperança. DeLillo está no território que domina com maestria, entrelaçando angústias pessoais com ansiedades políticas e sociais.
“Terrorista”, de John Updike (Companhia das Letras, 2007) – O romance acompanha o percurso do jovem Ahmad, filho de mãe irlandesa e pai árabe, que se converte ao islamismo e é atraído pelo terrorismo. Um dos últimos romances de Updike, virou best-seller nos EUA, mas não chega a convencer em momento algum. James Wood lhe dedica alguns trechos impiedosos em “Como funciona a ficção”.
“Terras baixas”, de Joseph O’Neill (Alfaguara, 2009) – Para muitos críticos, o irlandês O’Neill escreveu o romance mais bem-sucedido dessa leva. O 11 de setembro é apenas um dos eventos que marcam a trajetória de um imigrante de Trinidad nos EUA. O livro ganhou o prêmio PEN/Faulkner em 2009 e também costuma aparecer nas listas de melhores romances dedicados a um esporte – no caso, o críquete.
“Extremamente alto & incrivelmente perto”, de Jonathan Safran Foer (Rocco, 2006) – O principal narrador do livro é um menino de 9 anos que se expressa como um adulto hiperarticulado e sofre com a morte do pai no World Trade Center. Inclui uma polêmica sequência de fotos em que a queda livre de uma vítima real do atentado é passada, quando se folheia o livro, de trás para frente. Para muita gente, o momento mais apelativo de toda essa safra.
“A sombra das torres ausentes”, de Art Spiegelman (Companhia das Letras,2004) – O autor de “Mauss” dá, em quadrinhos, um curioso depoimento de caráter memorialístico sobre o impacto imediato da tragédia.
“Sábado”, de Ian McEwan (Companhia das Letras, 2005) – Os ecos do 11 de setembro na vida de um cirurgião londrino, um ano e meio depois do atentado, compõem um livro em que o fim da sensação de segurança no Ocidente ganha uma resposta ficcional estranhamente autocongratulatória. Prova de que o terreno é minado até para autores com o talento e a experiência de McEwan.
“Windows on the world”, de Frédéric Beigbeder (Record, 2005) – Conhecido pela irreverência e pelo sarcasmo, o escritor e publicitário francês acompanha os últimos momentos na vida de um homem que se encontra no restaurante panorâmico do World Trade Center. Na última hora, ele se arrepende de não ter feito mais sexo sem camisinha e de não ter abandonado mais cedo a ex-mulher.
“Homem no escuro”, Paul Auster (Companhia das Letras, 2008) – O trauma brilha pela ausência na imaginação de um velho crítico literário insone que concebe um mundo em que o 11 de setembro não ocorreu, as Torres Gêmeas estão de pé e os EUA vivem uma guerra civil.
“O jardim dos últimos dias”, de Andre Dubus III (Record, 2011) – O tema ganha uma abordagem enviesada e original: o romance conta, entre outras histórias, a do árabe que vai a uma boate de striptease na Flórida para mergulhar na dissolução ocidental antes de cometer o atentado.
“A disorder peculiar to the country”, de Ken Kalfus (2005) – O drama é encenado no microcosmo da vida de um casal em crise, mas o efeito do trauma é o oposto do que ocorre no livro de Don DeLillo: a distância entre os dois só aumenta. Ao acompanhar separadamente na TV as imagens do atentado, cada um deseja que o outro esteja entre as vítimas.
3 Comentários
“depois de algumas horas diante de suas escrivaninhas, no dia 12 de setembro de 2011, todos os escritores do mundo estavam considerando relutantemente mudar de profissão”
Não conhecia a frase. Quanta presunção…
Emblemática foi a reação da personagem do conto Moça do Interior, do Verissimo, que, numa súbita falta de assunto em meio ao reveillon de 2002, ao ser interpelada por um pretendente da cidade a dar sua opinião sobre os ataques às torres, afirmou “não ter ficado sabendo de nada”. Ao que o pretendente perde imediatamente o interesse, alegando que nunca tivera nada contra o fato dela ser do interior, mas “não tão do interior assim”.
O primeiro livro que li em que o fato tinha sido incorporado à trama, foi “Reconhecimento de padrões”, de William Gibson. Não é SOBRE, mas ele aparece. Gostei bastante.
Desses que você citou, só li o do Spiegelman. É bom e você resumiu muito bem sobre o que se trata em uma linha