Eu tinha decidido não fazer uma retrospectiva este ano – não uma convencional, pelo menos, daquele tipo que elege os três ou cinco ou dez melhores livros que me passaram pelos olhos entre janeiro e dezembro. E não só porque o formato me parece meio cansado, mas porque 2008 para mim foi um ano de leituras atípicas. Li muito, mas de forma dirigida e sobretudo obras de não-ficção, como pesquisa para o romance histórico que estava escrevendo. O resultado foi que boa parte dos romances e contos que teriam me interessado em condições normais engarrafou numa fila monumental.
Foi o convite do Daniel Lopes, editor do Amálgama, que me obrigou a revirar a memória para buscar o livro mais marcante que li em 2008 – e só então descobri que o ânimo retrospectivo que assola a imprensa todo fim de ano tem lá sua razão de ser. Sem essa pauta, acho que eu não teria me tocado de algo que parece, mais que óbvio, necessário: meu romance (agora pronto) não passou o ano cercado apenas de velhos volumes de História e montanhas de recortes de jornal.
Reproduzo abaixo o textinho que saiu hoje no Amálgama. Para ler as indicações dos outros quinze escritores e jornalistas entrevistados pelo site, clique aqui.
O estranho “Austerlitz” (Companhia das Letras, 2008), do não menos estranho W.G. Sebald, foi minha leitura marcante do ano que está terminando. Talvez estivesse destinado a garantir essa primazia em qualquer situação: é absurdamente original seu modo de insinuar uma história dramática por meio – ou mais propriamente por trás – de uma linguagem fria e minuciosa de acadêmico; é de cortar os pulsos a desolação da paisagem interior que o personagem-título, um judeu que teve a família e a própria memória massacradas pela Segunda Guerra, projeta nas fortificações e estações ferroviárias européias que são seus objetos de estudo. Às vezes parece que, mais do que tema, a História sopra cada palavra da narrativa.
Só que, como se tudo isso não bastasse, entrou em cena o acaso, um dos deuses brincalhões da História segundo Sebald: li “Austerlitz” num momento em que escrevia meu novo livro, também ele um romance histórico, chamado “Elza, a garota”, a ser lançado em março pela Nova Fronteira. Contra a influência direta acho que me protegi bastante bem (seria preciso ter uma autoconfiança sobrenatural para arriscar um estilo tão monótono e não-romanesco), mas talvez fosse inevitável que ecos de “Austerlitz” ficassem escondidos aqui e ali, atrás de certas esquinas do texto. Aquele sopro da História não é fácil de esquecer.
14 Comentários
Acho que o livro que mais “mexeu” comigo este ano foi o Maligna, do Gregory Maguire, em que ele reconta a história do mágico de Oz pela ótica da bruxa. O que me surpreendeu totalmente é que o livro tem uma perspectiva e uma linguagem “realistas” num romance de Fantasia. Gostei muito disso.
O melhor livro que li em 2008 foi “Revolutionary Road”. Guardem esse nome.
Austerlitz me fez cair em sono profundo várias vezes. Considerando que eu tenho insônia, o autor está de parabéns.
E qual o pano de fundo do seu romance, Sérgio?
O Zimmermann chegou antes e fez a pergunta que eu faria. Espero que março chegue logo!
(e meu fuso horário está errado de novo!)
Zimmermann: Rio de Janeiro, 1935. Uma certa Intentona.
Valeu, cara Isabel. A você eu já tinha imaginado desejar um ano novo de ótimas leituras, e é claro que vou ficar feliz se meu livro for uma delas.
Oi Sérgio,
Aproveitando o marasmo pré-natalino (como vc disse no post anterior…) queria deixar aqui uma dica pros colegas todoprosistas. E desculpe o off-topic mais uma vez.
A Siciliano, por algum motivo insondável, está liquidando vários livros da Cosac-Naif (lindos, grandes, cheirosos e com capa dura) pela metade do preço. Torrei minhas últimas patacas natalinas num Contos Completos da Virgínia Woolf (26 reais!), um Vermelho e o Negro (39 reais) e naquele tijolaço do Ana Kareinina (49…).
Desculpe a propaganda gratuita (também não ganhei nada por isso…) mas minha felicidade é tamanha que precisava dividi-la por aqui. Sei que a notícia não é nem tão nova assim, mas fica a dica como presente de Natal aos ainda incautos.
Abraços, feliz Natal a todos, e bons livros em 2009,
Da ficção futurista ao passado realista é um salto considerável, Sérgio. Tem rede de proteção?
Vou aguardar. Boas festas, e que em 2009 a crise se abata apenas sobre seus desafetos.
Abraço!
Boa dica, Drex. Obrigado pelos votos e um ótimo ano novo.
Alemães nazistas, judeus em campo de concentração, ingleses isolados na sua ilha, franceses boiando em praias do mediterraneo, falta alguma coisa ainda, é uma pena que um tema deste ainda domina mentes de potencial, quem sabe escritores e leitores não estejam dispostos a discutir o absurdo do ponto final…………………………………
Daniel, com rede não tem graça. Obrigado pelos votos e um grande 2009 para você também.
Se haverá ecos de “Austerlitz” em “Elza, a garota”, então Elza será coisa fina. Aguardemos pois…,
Sebald é bestial de bom. E o primeiro livro dele (“Vertigem”) foi lançado pela Cia em outubro.
Sérgio, talvez um bom tópico de discussão seja gênero literário do alemão. Que é aquilo? Romance? Ensaio? ….