Não é simples dar conta da notícia de que Vladimir Putin, ex-presidente, atual primeiro-ministro e novamente candidato à presidência da Rússia, propôs num longo artigo de jornal – intitulado “Rússia: a questão étnica” – a formulação de uma lista oficial de cem livros que traduzam um certo espírito russo, a serem adotados nas escolas de todo o país como forma de fortalecer sua unidade cultural.
O jornalista russo Alexander Nazaryan, residente nos Estados Unidos, optou neste artigo (em inglês) por encarar a notícia pelo lado escuro – o que no caso do primeiro-ministro, ex-agente da KGB, faz sentido – e comparar Putin a Adolf Hitler no nacionalismo exacerbado e manipulador. “Engenharia social por meio de uma literatura sancionada pelo Estado: nenhum outro ato de Putin até agora foi tão escancaradamente soviético em seu desejo de manipular e subjugar o intelecto humano”, alarmou-se Nazaryan, prevendo como contraponto ao cânone oficial uma lista de livros banidos, embora Putin não toque neste assunto.
Eis o lado ruim, certo, mas qual seria o bom? Simples: o fato mesmo de acharem – Putin e Nazaryan – que a literatura tem essa importância toda em pleno século 21. Tanto as ideias do primeiro-ministro quanto as de seu crítico soam curiosamente obsoletas a uma sensibilidade ocidental contemporânea, não soam? Será que esses caras estão falando mesmo de literatura? Como “fortalecer a unidade nacional” ou “subjugar o intelecto humano” com um instrumento tão ultrapassado – diria o cidadão médio, com sua dieta cultural dividida entre a internet e a TV –, que só interessa a uma meia dúzia minguante de pessoas? Ah, esses russos…
A polêmica deflagrada por Putin atualiza o imemorial paradoxo do censor, que leva a sério – e quase sempre ajuda a consagrar – o livro que proíbe como “perigoso” ou “imoral”. Vale trazer para a conversa outro russo, este naturalizado americano, o poeta Joseph Brodsky: “Existem crimes piores do que queimar livros. Um deles é não lê-los”.
Registre-se que Brodsky, que ganhou o Nobel em 1987, foi expulso da União Soviética em 1972, depois de ser preso e condenado como “parasita social”. Teve a sorte de ter vivido na era pós-Stálin, que, pelo número de poetas que mandou matar, credencia-se ao título de maior entusiasta do poder da lira que já viveu.
6 Comentários
Imaginem se todos os estudantes no Brasil lessem não cem, mas apenas dez livros de nosso legado literário (Machado, Guimarães, Osman, Mário de Andrade, Stanislaw Ponte Preta, etc.)
Não seria bom para a inteligência coletiva?
Putin e Lula: Qualquer semelhança não é mera coincidência.
O seu subtítulo, Sergio, deveria ser trocado para “literatura e escola, tudo a ver?”. Acho que teria mais a ver com seu libelo contra o ensino da literatura. É claro que a “educação estética da humanidade” é uma bobagem (perigosa) do Schiller, mas substitui-la pela “educação política via literatura” é tão besta (e perigoso) quanto. Pelo liberalismo literário: o mercado decide.
“Libelo contra o ensino de literatura”, Saraiva? Então devo ter me expressado muito mal. Nada do que está dito neste post põe em questão o ensino, só o que se ensina, quem o escolhe, com quais critérios. Um abraço.
Olá.
Gostaria de fazer um comentário marginal.
Acompanho o blog via o leitor do Google
e estou recebendo várias atualizações que
não são do TodoProsa, mas de Augusto Nunes.
Como as postagens de Augusto Nunes não me interessam
(e provavelmente não interessam aos outros leitores
do blog), gostaria que nós (assinantes do serviço
de RSS do TodoProsa) recebessemos somente as notícias desse
blog, e não as notícias de outros blogs de Veja.com.
Caro Sérgio, obrigado. Encaminhei sua queixa à área competente, me avise por favor se o problema não for resolvido. Um abraço.
Olá, Sérgio. Não me referi a esta postagem. É que te acompanho aqui, sabe, e percebo (veja bem: percebo…) que você não é muito chegado no modo como se ensina literatura em escolas e universidades (teorias, estilos de época, métodos, muita falação e pouca leitura efetiva de literatura), já que acadêmicos em geral são criticados (por aqui, repito). Às vezes descordo, às vezes concordo com seus motivos, mas fico me perguntando, e foi aí que tentei chegar, se o problema não será ensinar literatura na escola, de forma institucional, metódica, relativamente uniformizada, para regiões tão diferentes como as nossas, etcetal. Será que isso não demanda sempre teoria e ideologia, mesmo quando parece que elas não existem ou se naturalizaram? Mas isso não tem nada a ver com o que você postou. Só queria me explicar. Não sei se consegui. Sei que escrevi mais do que queria. Abraço.