Desta vez o prêmio Jabuti exagerou: a zebra que representou a vitória do estreante Oscar Nakasato na categoria romance, com “Nihonjin” (Benvirá), nem chegou a se impor como o que poderia ser – uma aposta corajosa e estimulante num autor novo, não apenas distante da glória oficial, mas praticamente desconhecido.
Essa leitura otimista do resultado anunciado ontem em São Paulo foi imediatamente comprometida pelo fato de que Nakasato venceu graças à traquinagem de um único jurado – identificado por enquanto como “jurado C” – que o cumulou de notas 10 ao mesmo tempo que dedicava aos demais concorrentes uma chuva de notas entre zero (!) e 1,5. Algo semelhante ao que fez nos anos 1980 uma jurada do desfile das escolas de samba do Rio, decretando a vitória da Mocidade Independente.
O nome disso é manipulação de resultado. A má fé explícita do “jurado C” – cuja identidade, de acordo com o regulamento, só pode ser revelada após a entrega das estatuetas, dia 28 de novembro – avacalha de vez um prêmio que vem se avacalhando nos últimos anos, emaranhado em escolhas discutíveis, regulamento trapalhão e uma incontrolável metástase de categorias (hoje são 29, com três prêmios para cada uma) em que só faltam os galardões de melhor cafezinho de editora nas modalidades coado e expresso, com e sem açúcar, preto e pingado.
“Não me senti confortável em questionar o voto do jurado C após a apuração”, declarou José Luiz Goldfarb, curador do prêmio. “Se crio uma regra e dou a ele as cédulas para votar, não posso questionar a soberania de um voto feito dentro do regulamento. (…) Não considero o jurado C adequado ao prêmio, ele usou uma falha minha e abusou do poder que tinha. Vou reavaliar sua participação. Mas não posso mudar o resultado. Ele é inquestionável e não pode ser anulado.”
É uma pena. O resultado não poder ser anulado tem como principal decorrência o risco de anulação do próprio Jabuti, uma grife tradicional do mercado editorial brasileiro cuja agonia tem sido penosa de acompanhar.
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httpv://www.youtube.com/watch?v=oNUd_9yT8Uk
Comédia por comédia, melhor ficar com esta: o inesquecível Melvin interpretado por Jack Nicholson em As good as it gets (“Melhor é impossível”), que para quem não se lembra é escritor, aparece no Pop Literário de Sexta numa colagem de cenas em que age como o cretino que é. Esse é um dos onze filmes que o Huffington Post selecionou (aqui, em inglês) para provar que os escritores, pelo menos quando vistos na tela grande, são criaturas no mínimo perturbadas, quando não abjetas ou perigosas.
“Romancistas e poetas”, conclui o site, “são sempre retratados como esnobes, malucos, patéticos ou indignos de confiança. Mentem, choram, contam vantagens e roubam para chegar à fama.” Bom, não é verdade que seja sempre assim, mas tudo bem. Tudo isso é preparação para uma boa pergunta: “Será que se trata de uma alfinetada cinematográfica no mundo da palavra escrita ou os escritores são mesmo tão ridículos quanto aparecem na tela?”
Acho que sei a resposta. Acreditar que os escritores dos filmes são um retrato realista da categoria seria tão ingênuo quanto supor que Jane Austen fosse tão bonita quanto Anne Hathaway, que a interpretou em Becoming Jane (“Amor e inocência”). Por outro lado, apresentar literatos sob uma luz satírica não é exclusividade do cinema. O romancista espanhol Garay Fontina, grotescamente deformado pela vaidade e pela presunção, personagem do recém-lançado “Os enamoramentos” (Companhia das Letras), de Javier Marías, é mais risível do que qualquer um da galeria acima. Aqui no blog, a seção Sobrescritos tem se valido desse expediente há anos.
Quer dizer que existe um fundo de verdade nisso tudo? Como se viu mais uma vez ali no alto, é claro que existe. E bota fundo nisso.
32 Comentários
Caro Sérgio,
o Jabuti é um prêmio completamente absurdo. É só ver o custo da inscrição, feito para as grandes editoras. E, ano pós ano, tem problemas de regulamento, ou seja, não dá para acreditar se está havendo um julgamento adequado. Nada contra o estreante que ganhou, mas atribuir poder a um só jurado mostra a desorganização. As explicações do organizador sempre são um atrativo à parte. A literatura brasileira passaria bem sem este prêmio.
Abraços
E o Chico Buarque, não levou uma dúzias de Jabutis?
Jabuti vive nova polêmica. E fica cada mais mais comprometido « VEJA Meus Livros – VEJA.com
Nunca levei prêmios literários brasileiros a sério. E a julgar pelos escritores fracos que já foram agraciados, podemos inferir que as manipulações de resultados sempre existiram. Esse caso apenas chamou a atenção porque a manipulação foi feita de forma grosseira.
E a comparação do texto é oportuna: o julgamento desses prêmios não difere do julgamento de escolas de samba no carnaval, em que, além dos resultados forjados, um sujeito sem qualificação, que nunca tenha estudado música na vida, pode julgar quesitos como “harmonia” e “ritmo”. Alguém conhece as qualificações desses julgadores de prêmios e concursos, se são pessoas com conhecimentos profundos de literatura? Ou se ao menos sabem juntar duas orações de tal modo que façam sentido?
Claro que alguns desses jurados, alguns desses escritores, podem ser muito capazes. Mas isso seria, nesses concursos, apenas uma coincidência, mero acaso, pois são outros os “motivos” realmente importantes para que alguém vença um prêmio literário.
Nicole, é verdade, faltou premiar o Chico, alias, ele já ganhou o prêmio principal apesar de ter perdido na sua categoria, agora só falta ele ganhar um prêmio antecipado, ou seja, ganhar um prêmio por um livro que ele ainda não escreveu.
Esse prêmio está mais para primeiro marmelada.
O chico buarque devolveu o Jabuti?
Chico, devolve o jabuti!!!!
O problema seria resolvido facilmente desconsiderando-se os desvios, como é feito, aliás, no carnaval: desprezam-se as notas mais baixas e mais altas. Isso tiraria o poder de mal intencionados de deturpar o resultado com as notas de um único jurado.
Chico Buarque deveria tomar vergonha e devolver o Jabuti.
O nome do prêmio é perfeito. rs
Alegadamente foi Ulysses Guimarães quem popularizou a teoria do jabuti que aparece no alto de uma árvore. Como os jabutis não têm essa capacidade, se um deles está lá em cima é porque uma força exterior agiu para colocá-lo lá. No popular diz-se que foi a mão de gente ou enchente.
É esse país realmente não deve ser levado a sério, Ademais o Jabuti deixou de ter algum valor para mim quando esse Chico Buarque ganhou, esse é o país do futuro, pois no presente…
Discordo de alguns leitores que dizem que chico buarque tem de devolver o prêmio jabuti que recebeu no ano passado. Ele e o jabuti têm a mesma estatura e foram feitos um para o outro. Os bons escritores é que devem se negar a recebê-lo de hoje em diante. Depois dessa, está comprovado que o prêmio é uma fraude tanto quanto o petista. Fica com o chico, jabuti!
E o Oscar Nakasato não tem nada a dizer?
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Então um jurado que “abusou do poder que tinha” deu nota zero para todo mundo e 10 para o Nakasato por quê? A dúvida é se é sexo ou dinheiro, as razões clássicas para se enlamear.
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Assim como o Chico Jabuti devia devolver o bicho, o Nakasato devia renegar seu prêmio. Ou melhor, expurgar a nota do jurado C (alguma alusão a Canalha?) e considerar o resultado decorrente.
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Mas como disse o curador, Goldfarb, “o resultado é inquestionável e não pode ser anulado”. Inquestionável? É por essas e outras que o Jabuti é uma porcaria.
Amigos, sou um dos concorrentes ao Prêmio Jabuti 2012 – Vejam o que escrevi ao ser desclassificado:
http://www.recantodasletras.com.br/cartas/3893666
Gradecido – JB Xavier
Sérgio,
O que ainda precisa acontecer para dar início às exéquias do falecido prêmio? Muito me admira ver que as editoras ainda subsidiam essa palhaçada. Deixo mais algumas leituras para ajudá-lo a atravessar o luto:
http://www.caotico.com.br/eu-jurado-do-jabuti/
http://www.amalgama.blog.br/10/2011/absurdos-premio-jabuti/
Essas leituras são importantes também para esclarecer que não é a primeira vez que esse tipo de atitude (que você chama de manipulação de resultados) acontece. Ou seja, o prêmio é uma vigarice desde sempre.
De qualquer forma, faltou eximir o autor vencedor de qualquer responsabilidade. Até o Chico Buarque tem que receber um pedido de desculpas, posto que não é culpado de ser sempre avaliado por imbecis ajoelhados.
Só mais uma coisa: o site do falecido não informa nem quem foram os jurados dos prêmios anteriores, falha que diz muito a respeito da organização do prêmio.
Tadinho do jabuti (o bicho)!
Oi Sergio,
Colaborando (ou piorando) o debate sobre o Jabuti e a falsa polêmica com o Chico, escrevi meu próprio atestado de óbito do prêmio já no ano passado:
http://paulmarcel.blog.uol.com.br/arch2011-08-07_2011-08-13.html
Aos coleguinhas escritores: coragem, gente, coragem!
Um abraço,
Paul
Ops, colaborando COM o debate, faço questão de corrigir!
Editora Objetiva pede esclarecimentos ao Jabuti « VEJA Meus Livros – VEJA.com
“E indago ao Oscar Nakasato, então, sobre a tal polêmica envolvendo o romance “Nihonjin” e o jurado C. Oscar me olha curioso, sem se mexer da cadeira, o braço direito estendido no carinho à esposa. “Não estou sabendo de nada. Nem acessei a internet. Vocês estão curtindo esse prêmio mais do que eu (risos). Tem mesmo alguma polêmica?”
Tem, Oscar.” Continue lendo aqui: http://bit.ly/SglDZl. Te citei aí no bolo da polêmica, Sergio. E dê um pulo em Maringá. Pra outra tilapada literária. Abraço!
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