O que você tem lido ultimamente?
Pouco. Tenho lido pouco.
Entende o que eu quero dizer?
Pra ser honesto, acho que não estou captando bem.
Pois você acaba de me dizer que tem lido pouco. Você, o maior leitor que eu conheço. O cara que leu Proust inteiro, que leu Euclides, a única pessoa do Brasil que leu a Geração Noventa de cabo a rabo…
E daí, meu caro? São fases.
Que fases, que nada. É o Zeitgeist. No fundo, você sabe muito bem que ninguém lê mais quase nada e vai ler cada vez menos. É só cruzar essa queda na disposição para a leitura com a explosão do outro lado, a progressão geométrica das coisas que existem por aí implorando para ser lidas, e pronto.
Pronto?
Pronto. Babau. Colapso.
Lamento dizer que você está apocalíptico demais pro meu gosto.
E eu lamento dizer que você está tapado demais pro meu gosto. Presta atenção, rapaz. Tem cada vez mais gente escrevendo, certo? E cada vez menos gente lendo, certo? O que essas duas curvas te dizem sobre o futuro? Evidente que estamos vendo o fim de uma era, mas não é isso que me interessa. Me interessa o que vem depois.
E o que vem depois seria o tal Consórcio…
O Grande Consórcio Nacional de Escritores, exatamente.
Então explica devagar, que eu sou tapado.
Não podia ser mais simples. Sabe o velho consórcio de carro? É a mesma coisa. O cidadão entra de sócio, paga uma mensalidade, vai pagando, pagando. Até o dia que é sorteado.
E aí ele ganha…
Ganha leitores, claro. Centenas, milhares de leitores. Isso no início. Com o passar do tempo, milhões, por que não? Acho que dá para projetar uma chegada aos sete dígitos pra daqui a cinco anos. Sete no máximo.
Sei, sei. E a essa altura você vai ser mais rico que o Eike Batista.
Não sei se mais rico, mas alguma coisa em torno disso.
E pode me dizer como você pretende dar um prêmio tão arisco, um caminhão de leitores? Como controlar uma coisa dessas?
Não me decepcione, rapaz. Não é óbvio? Os leitores são justamente os outros consorciados. Os outros escritores, os que aguardam a vez. Quer leitores melhores? Eles são obrigados a ler, não têm escolha. Primeiro, porque o contrato que assinaram ao entrar para o Consórcio os obriga a isso. Segundo, porque estão pagando por essa brincadeira. Terceiro, pelo próprio sentimento de irmandade, de corporativismo que permeia a coisa toda.
Acho que estou entendendo. Admito que a idéia é curiosa, mas você não pode garantir que, mesmo tendo assinado um contrato, todo mundo vai ler o escritor sorteado. E se trapacearem, lerem só a orelha, a primeira e a última página?
E que importância tem isso? Não é assim também na vida real? Importa menos a um escritor ser lido de fato, o fundamental é que todo mundo diga que leu, e isso o GCNE garante de forma absolutamente cristalina.
Compreendo.
Numa segunda fase, aí sim, o GCNE vira GCME, mas isso é projeto para dez anos.
GCME?
Grande Consórcio Mundial de Escritores.
Ah, claro. E a essa altura eu imagino que o Eike Batista…
Ai, que Batista? Mas quem é esse cara?
27 Comentários
“Terceiro, pelo próprio sentimento de irmandade, de corporativismo que permeia a coisa toda.”
Pois é…
CARO SÉRGIO RODRIGUES
Não gosto de consórcio! Mas, o tal “Consórcio de Escritores” é diferente… Já pensou se eu me torno um “Paulo Coelho”. O que vai ter de gente “malhando o Judas”! Sai pra lá capeta!
Aproveite que o dia tá bonito (frio e úmido) e leia um pouco de minhas brincadeiras… Vou ficar famoso e rico! Nem que seja de humor (rsrs).
PESQUISANDO ETANOL DESCOBRI ÁGUA EM PÓ
( Lailton Araújo )
PARTE 01
Hoje é um dia especial… Estou feliz! Descobri que 01 molécula (+) 01 molécula (=) 02 moléculas. Sou um gênio! Estudo Ciências Biológicas. Com essa hipótese formulei a equação da molécula de “água em pó” e fui indicado para o Prêmio de Química Pernambucana – “PQP”. A votação, divulgação e premiação do “PQP” ocorrerão em Brasília no dia 30 de Fevereiro. Na entrega do prêmio máximo estarão como convidados: os mensaleiros, sanguessugas, lobistas, senadores (fixos, móveis e cassados), jornalistas arrependidas, deputados, senadores, prefeitos, ministros, donos de rádios, jornais, revistas e tv’s brasileiras que cobram o famoso jabá para divulgar a obra intelectual de um aprendiz da ciência. Não ache que sou apenas um chato, dependente e sem dinheiro no bolso ou no banco. Um dia ainda vou ser dono de um grande laboratório. Com meus tentáculos de polvo controlarei os famosos “puxa-sacos” – que dentro da cadeia alimentar do “tubarão político” – ficam abaixo dos parasitas. Por coincidência eles estão no Planalto Central Tupiniquim.
Haverá “comes e bebes”. A bebida oferecida será “Coca-Cola Pernambucana” – água tônica com café. Os pernambucanos não são bairristas… Apenas divulgam sua cultura. Para o petisco: carne de bode bem assada. Justa homenagem ao antigo político “Mr. Severino”. Oxente! Até “mainha” vai gostar e lamber os dedos… É bom demais! Só falta a farinha de mandioca e um cheiro no cangote! O secretário particular do Presidente “Lula Lá” ainda não confirmou a presença do Presidente “Lula Cá”. O apoio político é algo necessário a esse e outros humildes inventores. Sou pernambucano, socialista, naturalista, pacifista, mulherista… Desculpe! Errei! Quis dizer: feminista. Não devia ter bebido derivados de etanol!
PARTE 02
“PQP” não é Puta Que Pariu! Não colocaria algo obsceno em um texto da mais alta qualidade científica! As preocupações são muitas… Não quero problemas com a volta da censura ao que for escrito e comentado. Uma dor de cabeça: o voto do jurado Virgulino Ferreira (o “Lampião”) e seu bando ao “PQP”, está me deixando careca. A Bancada Evangélica – que apóia parte da minha invenção – não quer o envolvimento material e espiritual de bandoleiros. Sou democrata e vou aceitar essa observação. Negociar é o segredo para ganhar os votos tão importantes ao meu reconhecimento como gênio e pesquisador brasileiro. É a sabedoria do abraço e aperto de mão nas esquinas e vielas do acaso. Quem tem a pureza da “água em pó”? Quem?
Alguns colegas da área científica dizem que socialmente minha fórmula é inútil… “É coisa de amador…” Precisarei de 02 litros de “água líquida” para dissolver cada 01 litro de “água em pó”. Acho que eles estão com “dor de corno”. Já não conseguem ter déias brilhantes iguais às minhas. O “complexo do alce” está machucando alguns neurônios supérfluos!
PARTE 03
Não sou nordestino besta… Tenho consciência que o uso da “água em pó” secará todos os reservatórios de “água líquida” do Nordeste do Brasil. Não será fácil convencer os químicos e os grandes laboratórios no embarque da parceria comercial (x) projeto universal. Alguns têm pavor de canoa furada. O povo pernambucano não morrerá em naufrágios… A maioria dos rios, açudes e outros tipos de reservatórios estão secos. Lá é impossível morrer por afogamento. Até os peixes nascem e não aprendem a nadar! O carcará – águia do Sertão imortalizada na canção de João do Valle – voa com uma asa só! Com a outra ele se abana… O calor é insuportável!
Se você não entendeu o segredo ecológico e político de minha fórmula social… Perdoe-me! Procure estudar Ecologia. A “moringa” não foi feita apenas para segurar as orelhas e nem para servir de “garagem de chapéu”. Desculpe pela educação pessoal! Não quis ser grosseiro e nem inconveniente… Por possuir um “QI de Ameba” movido à meleca pura, consegui ser aprendiz de leitor nas “Ciências Ocultas e Letras Apagadas”. Tenho moral e sabedoria para dar e vender bons conselhos. Estude! Eu sou um espelho das ciências e coisas inúteis no desenvolvimento brasileiro. Não duvide da “água em pó”.
PARTE 04
Aproveitando o grande momento, quero pedir que a escolha do “PQP” (em Brasília) seja igual àquela da premiação do “OSCAR”… Nos EUA é assim: cartel (+) cartel (=) “Senhor Que Usa Anel”. Rimou? “Uai sô…” Não gostou? Chame o Itamar! É só assim que “nós vai de black-tie tomar um milk-shake com pão de queijo…” Lá mesmo: nas terras do Tio San e Pato Donald.
Quero e vou ganhar o Prêmio “PQP”. Mesmo com ou sem lobby! Sou nacionalista… O prêmio servirá pra eu colocar a “bunda” na cadeira cativa da ONU. Não perguntem pra quê! Não sei usar os “quês” da gramática… Tenho amigos poderosos… Até o “Bush” já entrou no “Etanol”… “Pra ele entrar na água em pó” é uma questão de uns “goles a mais…” Tenho dois assistentes: “XI” para assuntos hídricos; “XII” para assuntos do paladar e erros do português falado e escrito… Sou cientista! Não sou escritor! Bolas! A imprensa é “foda”!
PARTE 05
Um prêmio é sempre um prêmio! É mais um troféu para ser vendido ou fundido como ferro velho, e alguns reais ou dólares depositados nas contas dos paraísos fiscais. O grande problema é com relação à aliança com os mineiros. “Uai sô…!” Não gostou? Chame o Itamar! Será que eles toparão uma dobradinha: “água em pó” pernambucana (x) “leite em pó” mineiro? E se alguém achar que é monopólio? Posso convidar um paulista! Esse entrará com o café em pó… Solúvel! Será a política do “café com leite”. Desculpe ser sarcástico!
E a “água líquida” para dissolver tudo isso? Quem vai fornecer? Vai dar confusão e muita poeira “pra manga!” Não “tô nem aí!” Vou deixar que comam a farinha no mesmo saco!
Abraços.
Lailton Araújo
Site: http://lailtonaraujo.blog.terra.com.br
Brilhante. Quanto que eu tenho que dar de entrada pra participar? 🙂
bacana, sérgio! Grande idéia com uma realização literária de primeira. Como é díficil escrever um mini conto certeiro!
Caro Sérgio,
um consórcio de escritores seria uma maneira de “legalizar” o que na verdade já existe. Pois os leitores – como disse o Marçal Aquino em entrevista há alguns anos – formamos uma seita, cujo tácito regulamento estabelece que devemos nos ler uns aos outros, a fim de que a “espécie” se perpetue.
E é dessa maneira que a literatura nacional continua a ter um espaço (ainda que pequeno) no mercado editorial brasileiro. Ela sobrevive à custa de uma dúzia de leitores-escritores fiéis e apaixonados.
Abraço grande!
Boa!
Muito bom…
Texto muito bacana.
Irmandade e corporativismo… pura ficção!
Sim… acho legal… mas para falar a verdade.. não sei se participaria… eu leio coisas mais de base.. tipo: filosofia, ou sociologia, psicologia e tals… mas mesmo assim a idéia é muito boa!
e Parabéns Sr. Sérgio, por sempre ter a sacada de passar uma idéia racional para algo engraçado!
A idéia da pirâmide é veeeeeelha… mas o continho é bom.
Tenho tanta saudade daquela Época em que os escritores usavam travessão… Essas pirotecnicas pós-modernistas me angustiam
Perguntaram certa vez ao grande Philip Roth se ele ainda achava (como havia dito antes) que a Literatura acabaria em 15 anos, por falta de leitores. Ele ficou surpreso: “Eu disse 15 anos? Esqueça. A Literatura vai acabar em menos de 10 anos. Ninguém mais lê. E a concorrência com o celular, com o i-pod, com a internet vai matar a Literatura. Ninguém mais tem tempo pra ficar lendo…”
Cada vez mais a Literatura será uma coisa meio “clubinho”: feita por um grupo pequeno para um grupo pequeno. Não estou dizendo que as pessoas vão deixar de ler: nunca se leu tanto no mundo. Mas se lêem fragmentos, informação, manuais, posts – tudo, menos literatura. Literatura será que nem a caça à raposa: para poucos.
E por que seria diferente?
Enquanto grande parte da população ainda fizer aquelas duas perguntinhas antes de decidir-se a ler um livro: “Tem muitas páginas?” “As letras são muito pequenas?”
Devia haver tratamento médico para quem ainda não aprendeu que não dá pra viver sem um bom livro!!!!
E com ou sem consórcio, com muito ou pouco dinheiro, mesmo que só haja um único leitor, quem nasce para escritor sabe que sua sina é essa. (Até virar Paulo Coelho, é lógico…)
A literatura sendo de um “grupinho pequeno” é simplesmente um retorno às origens, lembrando que até bem pouco tempo atrás quase ninguém nem sabia ler! Ler foi durante milênios o privilégio de uns poucos iniciados. Essa literatura que vive de imprimir livros para vender pra milhões de leitores, ela já é a decadência da literatura. Voltaremos a ser bardos que recitam temas para a Deusa, e que guardam a sete chaves uma sabedoria altamente exotérica. Não digo que isso é bom ou ruim, mas a literatura nasceu e viveu por milanos assim… retornaremos à magia da palavra, e ficaremos livres do romance, tal como preconizava Borges… (se alguém quiser saber onde Borges preconizou isto, remeter-se a “Este ofício do verso”). Voltaremos a cantar a literatura, ao invés de ficarmos tão apegados a esse sistema industrial, que permitiu uma enorme difusão da literatura mas já contém em si os germes do seu fim… mó viagem
Pois, é Lobato, gostaria que me dissessem (ou melhor, citassem exemplos de) quando a Literatura foi pra todo mundo e antigiu vastas quantidades de seres humanos…
Digo eu, Saint-Clair. Enquanto os escritores como Philip Roth debruçam-se no muro das lamentações, uma multidão nunca antes vista em toda história da Humanidade lê e escreve em proporções jamais imaginadas. Vivemos a era em que a leitura se disseminou e se massificou e, cegos pela ignorância da História, lamentamos que ninguém mais lê.
Quantos livros eram produzidos e vendidos no Brasil na época em que Machado de Assis redigia o Brás Cubas? Aposto que muito menos que a tiragem de “As Sementes de Flowerville”.
Desculpe a minha ignorância, Rafael. Devo mesmo ser muito distraído, porque não tenho visto multidões portando livros (ou sequer comprando-os). Aliás, devo ter algum problema de memória: não consigo me lembrar de ter visto algo assim nas últimas 3 décadas… Mas, talvez, você esteja falando de um tempo anterior a esse, né?
Talvez a mágica seja mesmo só para os iniciados, why not?
O que me espanta é essa coisa de “se eu leio, eu posso escrever”. Ou ainda pior “eu posso escrever sem ler nada”. Não sei, mas quando entro em um belo apartamento não penso “se eu moro, posso ser arquiteto”. De qualquer maneira, acho um efeito interessante da globalização, aproximar e ao mesmo tempo, devido à maior oferta, permitir a segmentação em novos microcosmos. Se um deles for de autores-leitores, lá estarei eu.
Abss!
ps. chega de falar de Paulo Coelho. Simplesmente já deu o que tinha que dar. Vamos arrumar outros exemplos, nem que seja por criatividade? Daqui a pouco o cara está morto e ainda discutiremos se é ou se não é… se foi mas não deveria ter sido.
Saint-Clair,
Se você está falando desse iguaria carríssima, chamada livro, é claro que você não a verá deixado do braço de multidões. Mas que as pessoas lêem muito mais que no passado, lêem sim. Revistas, gibis, sites, anúncios, grafites, a palavra escrita é onipresente. Há hoje mais pessoas alfabetizadas do que em qualquer época do passado. E a venda de livros é maior hoje do que era no passado.
É claro que a literatura jamais irá mobilizar multidões como a Britney Spears ou, mesmo, um ex-BBB qualquer. É ocupação solitária, que exige atenção, paciência e tenacidade.
Os autores lamentam sem razão.
Querido Rafael…
Acho que você não percebeu que eu fiz uma separação entre “ler literatura” e “ler outras coisas”…
magina, cada século leva nas costas algum receio com relação à escrever.
mais escritores que leitores é o medo atual. século que vem vira outra coisa.
mas o texto ficou muito instigante.
Pode ser, Saint-Clair, mas o fato é que mesmo a aviltada literatura é mais consumida hoje do que qualquer outra época do passado. Há mais leitores de Shakespeare, mais leitores de Machado de Assis, que havia cinqüenta ou cem anos atrás.
Caros escritores,
Deixem de lamentações. Elas são inúteis. Para o mercado livro é uma mercadoria. Como outra qualquer. Logo, quem quiser vender bastante vai ter que seguir os passos dos PCs e Dans Browns da vida.
RSRSRSRS gostei da idéia. Que tal se o prêmio do sorteio fosse o caminhão de leitores + a publicação (paga, é claro) pela maior editora do mundo, que deterá os direitos integrais da obra por 5 anos?
O grande problema hoje é que há muita gente que não sabe ler querendo escrever… Aí complica pra caramba o meio de campo.
Que o digam essas “novos escritores” que pipocam por aí querendo ser mais famosos que o Dan Brown…
Cheguei ao post através do google…imagina por que…
Bom o seu conto.