O escritor escocês Ewan Morrison provocou um barulho considerável no Festival de Livros de Edimburgo, há poucos dias, com uma palestra (transcrição resumida do “Guardian”, em inglês) tão fundamentada quanto apocalíptica em que, além de dar razão a quem prevê para o futuro próximo o fim do livro de papel (para o qual estima uma sobrevida de apenas uma geração), pinta um cenário em que o próprio ofício de escritor como o conhecemos deixará de existir:
Os e-books, no futuro, serão escritos por principiantes, por equipes, por entusiastas de suas respectivas especialidades e por autores já estabelecidos na era do livro de papel. A revolução digital não emancipará os escritoires nem abrirá uma nova era de criatividade: vai levá-los a ofertar seu trabalho em troca de muito pouco ou de nada. A literatura, como profissão, terá deixado de existir.
A futurologia é uma disciplina traiçoeira, mas Morrison não é propriamente um maluco que sobe no caixote para pregar o fim do mundo. Apresenta-se munido de todas aquelas tendências estatísticas já bastante conhecidas que apontam para a progressiva perda de valor do conteúdo na era digital (rumo à gratuidade absoluta?) e para o crescimento aparentemente irresistível da pirataria. Registra a decadência acelerada do sistema de adiantamentos com o qual a indústria editorial nutriu talentos autorais por décadas. Recorre também a teorias como a da “cauda longa”, lançada por Chris Anderson, editor da revista “Wired”. E por fim, de forma um tanto surpreendente, aponta o próprio sonho de independência que a revolução digital provoca no escritor, ao lhe dar a impressão de que pode prescindir do editor “atravessador”, como aquilo que vai acelerar a morte de ambos.
Cenários extremos como o de Morrison podem ser instigantes. Se não soa muito plausível sua previsão do trabalho de criação literária como uma fábrica chinesa ou coreana, superlotada de operários que se matam em troca de cama e comida, os dados que mobiliza certamente apontam para transformações dramáticas no modo de produção e veiculação da escrita. Transformações para as quais, paradoxalmente, um país como o Brasil, em que a profissionalização do escritor ainda não chegou a amadurecer, pode estar mais preparado do que muitos. “Ofertar seu trabalho por muito pouco ou nada” não é uma ideia que a maioria dos escribas canarinhos já tenha tido o privilégio de descartar como aviltante.
8 Comentários
Esse processo de “terceirização” da escrita dentro de um processo em que o “escritor” – os mais blockbusters – se tornam marcas e seus “estilos” são copiados dentro de um esquema “fábrica chinesa ou coreana, superlotada de operários” da escrita, já acontece com gente como Sidney Sheldon – não?
Por outro lado, as artes [ditas] plásticas também já estão nesse processo de “terceirização do fabrico” há um tempo – não acha? [Vide Damien Hirst e congêneres.] Essa situação adaptada à literatura não seria apenas um “caminho natural” [como sinônimo de “consequência inevitável”] das demais produções artísticas?
Espero que não, Ronaldo. E pelo que sei, os “operários” das linhas de montagem de best-sellers ganham bastante bem, porque rola muito dinheiro ali. Acho que o apocalipse de Morrison é diferente.
Olá, Sergio. Gostaria de convidar você para um evento promovido pelo British Council que reunirá uma delegação de editores literários britânicos, incluindo a diretora da Publisher’s Association e os diretores da London Book Fair. Será que posso te enviar um e-mail com mais informações? Obrigada, Ana.
Cara Ana, muito obrigado pelo convite. Por favor, envie o email para sergio@todoprosa.com.br. Um abraço.
Enfim o BRASIL – está PUTENCIA intelectual – terminou estando certo, de tanto estar errado.
Links e Notícias da Semana #52
Discordo completamente. Se quiser um exemplo de como os ebooks estão “matando” a profissão de escritor, veja o blog do autor de mistério americano J. A. Konrath (jakonrath.blogspot.com). A profissão que está morrendo é a de editor, no sentido de alguém que senta em cima de uma pilha de manuscritos e considera que qualquer um que tenha seu original lido por ele deveria adorá-lo como um deus.
os autores nunca foram tão bem remunerados pelo seu trabalho quanto na era dos ebooks.
Reportagem do site da revista Veja Sobre o fim da profissão de Escritor « O Fim dos Livros