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O jovem geninho morreu

10/05/2008

O modismo da juventude foi muito conveniente para jovens como eu, que fizeram dele seu ganha-pão, mas acho que está na hora da crítica adotar algum parâmetro mais significativo.

O escritor inglês Evelyn Waugh escreveu essa frase em 1932, quando, beirando os 30 e já em seu terceiro livro, via-se como um ex-enfant terrible das letras britânicas. Poderia estar falando do Brasil dos últimos anos.

Muita gente na literatura nacional – e nos arredores, sobretudo nos arredores – andou ocupada recentemente com o velho mito do jovem gênio, também conhecido, em sua encarnação 2.0, como escritor-blogueiro. Na falta de um mercado leitor significativo para a ficção escrita no país, criou-se uma espécie de bolha de marketing em que, uns por ingenuidade, outros por esperteza, parte da imprensa e da crítica empenhou-se em vender aos leitores uma mistura maluca de continente e conteúdo. De repente, dois únicos critérios pareciam nortear a busca de relevância literária: a idade (pouca) e a virtualidade (enorme).

Bastava ler com olhos livres para perceber que, como é natural, raros daqueles nomes justificavam o burburinho. Não se revoga por decreto a severidade da relação ancestral entre quantidade e qualidade na arte. Acontece que olhos livres são mercadoria escassa em momentos assim.

Há sinais vindos de lugares diferentes com mensagens parecidas: a de que a bolha do jovem geninho, mais uma de muitas ilusões internéticas, estourou. Alguns sinais, digamos, socioeconômicos foram reunidos pela escritora paulista Márcia Denser num artigo publicado semana passada, com o título “Mercado editorial & suas crises”. Mas, entre todos, o sinal que me parece mais eloqüente é artístico: a novela “De cabeça baixa” (editora Guarda-Chuva), livro de estréia do escritor carioca Flávio Izhaki, que mergulha sem pudor na metalinguagem para retratar a vida dentro da bolha e investigar o que pode acontecer com quem cai numa armadilha provavelmente tão velha – pois a juventude não foi inventada ontem – quanto o papiro: tentar fazer da literatura uma substituta da vida, essa coisa trabalhosa, chata e… adulta?

izhaki.jpgCom currículo de organizador e participante de antologias de jovens, outra marca do últimos anos, Izhaki, também ele beirando os 30, fez de um ex-candidato a “geninho da vez” seu protanista. Não sobrou quase nada de Felipe Laranjeiras depois que seu primeiro livro foi recebido com um misto de indiferença e hostilidade, atirando-o à tenebrosa condição de promessa revogada. Alguns anos mais tarde, deprimido e auto-exilado numa Curitiba que, de tão fria, chuvosa e estrangeira, lembra Bruxelas, ele ganha do acaso a chance de voltar ao Rio e retomar o fio de sua vida. Tudo (re)começa quando Laranjeiras esbarra, num sebo, com um exemplar de seu livro cheio de anotações nas margens.

É admirável a coragem quase sádica com que Izhaki segura um espelho diante de pequenos literatos enfatuados, exangues, pura tinta no papel, emocionalmente perdidos entre a adulação e a autocobrança gerada por talentos que, embora autênticos, não encontraram solo propício para medrar. Se a novela não consegue, apesar de sua prosa bem cuidada, ir consideravelmente além desse reflexo frio, como se também ela estivesse presa dentro daquele espelho, tem o mérito de ser o primeiro réquiem para uma época que cultivou miragens. E sim, acho que Flávio Izhaki tem tudo para quebrar o espelho na próxima.

O Todoprosa (re)começa hoje, com muito orgulho, no iG, onde volta a ter renovação diária. A todos os leitores, veteranos e recém-chegados, minhas boas-vindas. A casa é nova e, sabem como são as mudanças, ainda precisa de ajustes. Mas já é de vocês.

34 Comentários

  • C. S. Soares 10/05/2008em12:39

    Sérgio, muito sucesso na nova casa!

  • ricardo 10/05/2008em13:31

    Já há algum tempo, algumas vozes lúcidas dizem claramente: abaixo o umbiguismo na literatura brasileira contemporânea! Que tal contar estórias?, essas vozes perguntam. Deixar um pouco de preguiça e pesquisar para escrever. Vejam como os novos autores mexicanos, argentinos, chilenos e colombianos mostram que é possível. Eles contam estórias, com personagens fortes e tramas envolventes e não são ingênuos, ultrapassados, meros repetidores de fórmulas consagradas. Tudo bem que o mercado é geralmente ingrato. O esforço de escrever, por exemplo, um romance que exija mais pesquisa, mais tempo no apuramento do texto, mais paciência e criatividade na construção de tramas e personagens, pode não ser recompensado. Mas é por isso, então, que se deve aceitar o jogo e publicar livrinhos sobre a mediocridade do cotidiano, num eterno lamento de incompreendido e enfastiado? Por que não utilizar esse mesmo cotidiano, mas numa dimensão épica, para refletir sobre as questões urgentes do nosso tempo. Portanto, para mim e outros, esse é o desafio do autor brasileiro do séc. 21: publicar ficção gostosa de ler e que não vire as costas para as questões do mundo contemporâneo. Alguns já o fazem, e infelizmente são os menos divulgados, os menos lidos. Já para os umbiguistas com boas relações, os cadernos de cultura, os espaços nos blogues, sites e portais de maior prestígio. Talvez só com a inversão dessa lógica seja possível conquistar mais leitores, que valorizam tanto os autores estrangeiros. Por que será?

  • Matheus Vinhal 10/05/2008em14:38

    Belíssimo banner, Sérgio!

    Boa sorte e obrigado, desde já, pelas diárias!

  • Marco Polli 10/05/2008em15:22

    Sérgio, boa sorte no novo espaço.

    Se para cada “boom” existe um contramovimento, podemos esperar agora pela onda dos romances geriátricos.

    Abraços.

  • léo e só 10/05/2008em15:42

    Olá Sérgio.

    Boa vida para você nesse novo espaço!

  • Sérgio Rodrigues 10/05/2008em16:13

    Obrigado a todos. E relevem por favor o que falta arrumar. Por algum motivo misterioso, os comentários de um ano para cá ainda não puderam ser importados. Serão em breve, espero.

    Romances geriátricos, Polli? Tomara que você esteja enganado.

    Abraços a todos.

  • Marco Polli 10/05/2008em16:29

    Pois é, Sérgio. Se para os modernistas de 22 houve uma geração de 45, para o realismo mágico, a geração crack, em resposta aos jovens gênios virão os velhos teimosos. Vamos aguardar, até.

  • Tibor Moricz 10/05/2008em17:37

    Bela casa, Sérgio. Gostei da arrumação dos móveis. Parabéns!

  • Sérgio Rodrigues 10/05/2008em17:44

    Obrigado, Tibor. Cadê os brigadeiros?

    Marco: se isso tiver que acontecer, que seja daqui a uns 25 anos. Aí eu pego a onda também.

  • Tibor Moricz 10/05/2008em17:50

    Cara, você deu azar. Comi tudo…rsrs

  • Cássia Zanon 10/05/2008em18:31

    Parabéns e sorte na casa nova, Sérgio. Com o teu conteúdo, o endereço é sempre o de menos. Bom mesmo será o aumento da freqüência dos posts. 🙂

    Beijos.

  • Guilherme Massari 10/05/2008em19:05

    É verdade que os impulsos novidadeiros da imprensa deixaram meio no limbo, nos últimos anos, os escritores brasileiros acima dos 40 – pelo menos em comparação ao espaço que foi dedicado aos novos. Por outro lado, acho que a atenção dada à geração 2000 (e que ela foi hábil em conquistar) contribuiu para que o Brasil voltasse a ter uma vida literária razoavelmente dinâmica, e eu diria que seu blog demonstra isso, tanto no viés polêmico ocasional quando na participação dos leitores. Isso em si já é um ganho, independentemente da qualidade do que se escreveu. E aliás, quanto a isso também, não vejo as coisa tão ruins. Gênios não temos mesmo, mas alguns bons autores novos surgiram, sim.

  • Andréa 10/05/2008em19:58

    Cheguei junto com a mudança e adorei a luz da casa. Acho que vou ficar num cômodo vazio. Rola?
    Parabéns e tudo de bom por aqui!

  • Luiz Antonio Ryff 10/05/2008em20:21

    Grande Sérgio!!!
    Ótimo saber que seu blog volta a ser diário. Leitura obrigatória.
    Abraços
    p.s. Nosso jantar sai ou não sai?

  • ZéPaulo Kupfer 10/05/2008em20:40

    Sergio,

    Boa sorte e pé na tábua!

  • Sérgio Rodrigues 10/05/2008em20:59

    Massari: não me lembro de ter dito que as coisas estão “tão ruins”. Certamente melhorarão com o declínio das marquetagens. Algo que o burburinho dos últimos anos ficou devendo – embora tenha, sim, sua cota de talentos genuínos – é uma resposta de público correspondente ao hype. Depois de tudo isso, é meio deprimente constatar que a literatura brasileira parece só interessar a quem faz literatura brasileira. Nesse ponto o Todoprosa me parece, pelo menos em parte, ter suas diferenças. E acho que o ambiente geral tende a melhorar.

    Grandes Zé Paulo e Ryff: obrigado, amigos. Quanto ao jantar, que tal semana que vem? Abraços.

  • marco 10/05/2008em21:13

    Sergio, amigo,

    Soube da bela novidade graças a gentileza de seu e-mail, avisando.

    Felicidades mil,

    abs,
    ma

  • Sérgio Rodrigues 10/05/2008em21:25

    Valeu, sumido Marco. Vê lá se a mudança o anima a aparecer.

    Andréa, obrigado. Não faltam cômodos vazios, é só estender o saco de dormir.

  • Fabiano 10/05/2008em21:59

    Olá, Sérgio,

    Muito bom o site novo. Muito bem feita a disposição dos elementos.
    Parabéns, nada como uma casa nova pra deixar a gente à vontade.
    Abraço

  • Cezar Santos 10/05/2008em22:20

    Sergio,
    parabéns pela nova casa.Se vc está feliz, eu também estou por vc.
    Quanto aos romances geriátricos, porque não?
    E não estou defendendo causa própria, ainda faltam uns bons anos para ser o caso.
    Mas geriátricos ou juvenis, o importante é que sejam feitos com esmero, com cuidado, com pertinência, com respeito ao possível futuro leitor…
    O problema da gurizada é que fazem besteirinhas e se acham a última coca-cola gelada no atacama. E aqueles que têm espaço na mídia compadriada, então, é triste. Exemplo, acho que poucas vezes vi coisa tão ruim como os livros do Santiago Nazarian…e quando se vê a repercussão, parece que estamos diante de um graciliano redivivo, no mínimo…

  • Luis Eduardo Matta 10/05/2008em23:37

    Parabéns, Sérgio, pela nova morada do Todoprosa. O desenho do site ficou muito agradável e elegante. Conte com a minha audiência.
    Abraços!

  • Mr. WRITER 11/05/2008em00:00

    Opa, já estou pegando uma quartinho lá nos fundos da casa nova e me alojando…

    Parabéns pelo novo espaço Sérgio. Todos nós apreciamos seu trabalho e nos sentimos parte disso também.

    Abraços.

  • Clara 11/05/2008em01:13

    Sérgio, adorei saber do seu novo site. Adorei seu texto e sua citação de Evelyn Waugh.

    Enfim, pretendo te visitar aqui para ler os teus textos, as dicastuas e as dos teus leitores também.

    Grande abraço e sucesso.

  • Artur Péricles 11/05/2008em02:24

    O design está muito bem adaptado: limpo e arrojado. O texto não falta em nada; pelo contrário, vejo que sobra: talvez um tema de maior voga seja mais adequado ao novo site, amparado no mercado (quem sabe não tenha sido isso o que derrubou o NoMínimo).

    Abraços de boa sorte.

  • confetti 11/05/2008em03:38

    leitora-assidua-silenciosa que lhe deseja boas vindas e agradece pelo prazer e alto nivel dos posts ! senti saudades…

  • Guilherme Massari 11/05/2008em13:38

    Também acho, Sérgio. Nos últimos anos começou, na minha opinião, a se reconstituir no Brasil um sistema literário de fato. Quem lembra dos 1980 e 1990 percebe a diferença. Ainda que muitas avaliações tenham sido mal feitas, apressadas, enganosas, ou que em alguns casos nem tenha havido avaliação propriamente dita, acho importante notar que com o burburinho voltou a circular a idéia de que era possível, talvez até relevante, discutir nossa literatura contemporânea. Para botar nos termos mais amplos, acho que voltamos a ter um tempo presente na nossa literatura, e por isso mesmo o que se gastou nas apostas (pq realmente muitas vezes foi isso que a imprensa fez, mais do que julgamentos) erradas não foi exatamente um desperdício.

  • joao gomes 12/05/2008em09:35

    Oi Sérgio!

    Parabens pela sua inauguração!
    Longa Vida!

    Sucesso & Paz!

  • Noga Lubicz Sklar 12/05/2008em11:58

    Sérgio, ficou ótimo o Todoprosa no IG. Parabéns e boa sorte! Abraço

  • Marcelo Moutinho 12/05/2008em12:48

    Parabéns pela nova casa, Sérgio. E parabéns também por abrir espaço para o livro do Flávio. Concordo com muito do que você afirmou no post. As generalizações pró e contra os “novos” na literatura brasileira são pueris como toda generalização. E há autores traçando seu caminho a margem disso (e dos incensos que o jornalismo costuma acender sem muito critério em benefício de um ou de outro), e o Flávio é um claro exemplo. Felizmente, parece que o tempo em que a performance e a pose ‘alternativa’, ‘cool’ etc. solapavam o mais importante – a obra – começa a ir embora…

  • El Torero 12/05/2008em14:06

    Parabéns Sergio, o espaço mais amplo, mais confortavel…no antigo parecia mais apertado, mas era gostoso lá; e os posts, bons como sempre!!!
    abraço.

  • urubulino 13/05/2008em04:22

    Então aqui é a festa do escritor-frustrado-e-invejoso-com-raiva-dos-que-tiveram-mais-atenção-da-imprensa?

    Desde quando quantidade de leitores significa alguma coisa em literatura? Há ótimos escritores com muitos leitores, ótimos escritores com poucos leitores, péssimos escritores com muitos leitores, péssimos escritores com poucos leitores etc.

    E que bobagem é esta de “raros nomes justificam o burburinho”? Quando foi diferente? De todos os escritores da década de 1910, quantos ficaram? Dois, três?

    E Márcia Denser, quem (pensa que) é? Pelo jeito esta senhora esqueceu do tempo em que publicava em editoras de fundo de quintal.

  • Sérgio Rodrigues 13/05/2008em09:38

    Calma, urubulino. Você só deve se sentir pessoalmente atingido(a) se for um(a) picareta. Se tiver um mínimo de consistência ou pelo menos de sinceridade, leia o livro do Izhaki e comemore com a gente. Menos marketing é sempre uma boa notícia. Não deixe de aparecer.

  • Laila 13/05/2008em14:24

    Sou uma leitora diária, fã e invisível do teu blog.Obrigada pelos teus post adoooooooooro!

  • Sérgio Rodrigues 13/05/2008em20:26

    Obrigado, Laila. Pode se fazer visível de vez em quando, viu? O pessoal, fora uma ou outra exceção notória, é manso. Um abraço.