Esta reportagem (em inglês, acesso gratuito) do “Washington Post” de ontem sobre o médico e o monstro que habitam o premiado escritor irlandês John Banville, 62 anos, pode ser lida como pura diversão. Como nunca foi segredo, mas permanece pitoresco, o autor de “O mar” (Nova Fronteira, 2007, tradução de Maria Helena Rouanet), vencedor do Booker 2005, tem duas personalidades literárias. Uma é o próprio Banville, um escritor perfeccionista, angustiado, ambicioso, torturado, um tanto esnobe e, com exceção de “O mar”, pouco lido. A outra é mais recente e atende pelo nome de Benjamin Black, um autor assumidamente comercial, que já está em seu terceiro romance policial – nenhum deles traduzido no Brasil por enquanto.
Não chega a ser tão surpreendente que, para Banville, o monstro seja o primeiro, que leva cinco anos para terminar um livro, e o médico o segundo, que o faz em cinco meses. “Tenho orgulho dos livros de Benjamin Black da mesma forma que um marceneiro tem orgulho de uma mesa bem feita”, diz. “Já os livros de John Banville eu abomino, desprezo e odeio. São uma afronta para mim.” Um leitor mais cínico poderia definir assim as duas personalidades de Banville: um autor de gênero e um autor que faz gênero. Mas tudo isso ainda é diversão.
A segunda forma de ler o artigo toca de leve em algumas questões mais sérias sobre o eterno conflito entre “alta cultura” e “cultura de massa”. E aponta para uma superação dessa divisão esquizofrênica, que já há algum tempo, a meu ver, se sustenta mais em acordos tácitos de reserva de mercado do que em pressupostos propriamente artísticos. Não diria que é o caso aqui – nunca li Black, e acho Banville um escritor interessante – mas não faltam exemplos de autores ditos comerciais que dão olé artístico em seus colegas de nariz em pé. Que, no entanto, continuam de nariz em pé. É engraçado.
Banville sugere ao “Washington Post” que os dois escritores estão se aproximando, um aprendendo truques com o outro. Talvez se encontrem no meio do caminho um dia. Um final que eu chamaria de feliz.
29 Comentários
Nunca li Banville, mas já gostei dele. Admiro a capacidade que alguns artistas têm de criar para si outras personas. Como o Bustos Domecq de Borges e Bioy Casares que, talvez não por acaso, também enveredou pela seara policial (médio policial, vá lá). Será que é pra isso que servem os alter egos? Pra dar vazão a um gênero que muitos consideram menor? 🙂 (Eu adoro.)
“não faltam exemplos de autores ditos comerciais que dão olé artístico em seus colegas de nariz em pé”
Não faltam? Cite dez, então, por favor. Gostaria muito de lê-los.
O nosso Aluísio de Azevedo, que a escola, nas aborrecidas aulas de literatura, faz questão que seja odiado, fez coisa muito semelhante, no Século XIX. Havia o Aluísio de Azevedo de elevadas pretensões artísticas, o autor que, filiando-se à escola de Zola e Eça, inaugurou o Naturalismo no Brasil, com romances como “O Mulato” e “O Cortiço”, e o autor folhestinesco, descaradamente comercial, que ganhava dinheiro publicando, sob pseudônimos, obras romanescas e sentimentais como “Uma Lágrima de Mulher”.
Sergio,
não achei bilhante nenhuma dsa duas personas. Black é um tanto mais interessante, mais vivaz e menos, como vc mesmo definiu, pedante.
Mas Banville é pedante mesmo!? Ou é apenas um modo de realçar oque separa os ‘alter egos’? O autor comercial seria o mais simpatico, camarada. O outro o intelectual de nariz em pé.
Florduardo,
Não vou citar 10 porque estou com preguiça. Vou citar só um caso: Neil Gaiman é muito superior ao pretensioso José Sarney.
Serve esse exemplo?
Entre todos, gostei do “O mar” embora o das provas seja bonzinho também… gostei da ironia, mas a excentricidade (do significado de se desviar do central objetivo) de demorar cinco anos para escrever um livro chega até me dar nó no estômago.. tá parecendo o Hotel da Miséria Humana (demorei 7 anos para escrever) que fica intalado e nunca desce… ou sai para fora de vez.
Vou ser legal com o “Florduardo” (puta nome, hein, meu?) e vou sugerir o Raymond Chandler, que, aliás, também se debatia um pouco (bastante, eu acho) com essas questões de “alta literatura” versus “literatura comercial”, e no entanto escreveu um livro como O LONGO ADEUS que é absolutamente do caralho!!! Abraços.
Meio fora de propósito, mas vá lá: o Hiago falou no seu Hotel da Miséria Humana e eu me lembrei do VIDA: MODO DE USAR, do Georges Perec, editado no Brasil pela “Ophicina Typographica” e esgotado há anos. Alguém aí tem uma cópia pra me vender?
‘Flodoardo’ é uma música do “Expresso Rural”, uma banda dos anos 80 aqui de Santa Catarina.
“Hey Flodoardo êta sapinho fissurado
Hey Flodoardo êta sapinho sem vergonha.”
Sergio obrigado pelo toque, abraço.
Sérgio: gracias pela dica. Realmente, 180 paus é demais. Será que a Cia. não tá pensando em reeditar o livro?
“Florduardo” também é o nome do pai do Guimarães Rosa, cambada de analfabetos!
Ei, Sérgio “bigodinho” Rodrigues… Shakespeare é o exemplo que você dá? Quero ver de contemporâneos. Declarações como esta sua de que “não faltam exemplos blá blá blá” são pura desonestidade intelectual. Faltam exemplos, sim. Ou você os daria.
E o outro pateta fala em Raimundo Chandler (ou Fagner?)! Vivinho da silva, claro, triunfando sobre os “colegas de nariz em pé”. Aliás, outra fórmula cheia de desonestidade intelectual. Quem o crítico tem em mente? “Não faltam exemplos” também? E mais outro pateta (ou o mesmo?) acha que escritor de nariz em pé é José Sarney! Eta vida!
Queria honestamente entender contra quais fantasmas vocês estão se batendo – e quais fantasmas estão defendendo. Aliás, quanto a estes, tenho um palpite. O crítico está defendendo seus próprios livros, que ele imagina “comerciais”. Mas se fossem mesmo venderiam alguma coisa.
E todos sonhando em ser publicados pela Oficina Typographica! Vocês me dariam tédio, se o espetáculo de patetice coletiva não fosse tão engraçado.
Fernando Vallejo fazendo escola… (bocejos)
Grahan Greene dizia escrever livros sérios e de entretenimento. Eu, que o reli muito, nunca consegui descobrir quais eram os sérios e quais os de entretenimento, mesmo quando vinha o aviso na contra-capa. Mas confesso: sou meio pateta em matéria de seriedade.
Nada me obriga a ser tão civilizado quanto o dono do blog, que deu uma resposta perfeita ao tal do “Hermann K.” (ou que outro nome tenha). Então, no que me diz respeito, seu Hermann, “pateta” é você, que fica aí se escondendo atrás de mil apelidos e dando uma de bacana pra cima da gente. Vai te tratar, meu chapa!
Olá prezado Sérgio Karan…
eu tinha VIDA: MODO DE USAR, mas troquei ele por um livro de coleções das poesias do Edgar allan poe.. mas tenho o contacto do cara que eu troquei… se quiser, posso falar com ele…
Isso é bem normal. Aqui no blog, por exemplo, temos o Sérgio monstro e o médico Rodrigues, não é não?
Bem lembrado! O escocês Robert Louis Stevenson foi um ato de descarado apelo comercial, e mesmo assim um grande escritor.
Autor, digo e corrijo.
Gente! O Florduardo é da turma da Mercaria? Acho que eu tenho um palpite…
Sérgio K., por favor, me mande seu endereço de email (contato no meu blog) e cruze os dedos. Eu ACHO que deixei uma prova do Perec na casa da minha mãe. Ganhei de um antigo colega e confesso que, na época, a leitura não foi pra frente. Se estiver lá, vou ficar feliz em cedê-lo. Abraço
Alta literatura e literatura de massa : a distinção faz algum sentido? « Universo Tangente
vcs sao todos burros se eu fosse depender de todos vcs eu iria ser aprimeira burra de todo o universo vamos respeitar né
kkkkkk