Se a notícia do Nobel de Literatura é recebida com certa frieza no Brasil, onde pouca gente leu o francês J-M. G. Le Clézio, 68 anos, a culpa desta vez não pode ser atribuída às editoras. A Brasiliense foi a pioneira, lançando “À procura do ouro” e o clássico “Deserto” – seu livro mais premiado. Depois vieram a Companhia das Letras, com “O peixe dourado” e “A quarentena”, e a Cosac Naify, com “O africano”. Revelado em 1963 com narrativas de caráter experimental, identificadas com a rebeldia intelectual da década, Le Clézio caminhou progressivamente nos anos seguintes para um terreno mais clássico, mas sempre teve seu nome associado a uma literatura refinada. O que, com alguma boa vontade, talvez ajude a entender o elogio desajeitado que lhe fez a Academia Sueca – “um explorador da humanidade além e abaixo da civilização atual”.
Uma pesquisa feita em 1994 pela revista “Lire” revelou que 13% dos leitores franceses o consideravam o melhor escritor vivo da língua. Ou seja: Jean-Marie Gustave Le Clézio é um escritor de verdade, “além e abaixo” (como diria o Nobel) de qualquer dúvida. Se você nunca o leu, problema seu. É o meu caso. Quem tiver algum tipo de experiência de leitura do homem está convidado a compartilhá-la na caixa de comentários abaixo – como, antecipando-se, já fez o Thiago Maia no post anterior.
Minha contribuição neste momento fica restrita a uma observação de fundo: a Academia Sueca, que sempre se pautou mais do que deveria por questões politicamente corretas, parece estar desenhando um padrão claro. A britânica Doris Lessing, premiada ano passado, é uma cidadã do mundo que nasceu na antiga Pérsia, hoje Irã, e escreveu sobre a África, onde viveu. Os antepassados de Le Clézio se mudaram no século 18 para a ilha Maurício, o que o levou a nascer em Nice por acaso – conseqüência do caos da Segunda Guerra. Grande viajante, João Maria Gustavo é outro autor que poderia tranqüilamente ser definido como (perdoem o palavrão) transculturalista. Talvez por isso o nome dele constasse de todas as listas de favoritos este ano.
Em outras palavras: ter um olhar europeu (americano não, argh, por favor!) é ótimo; levá-lo a passear compreensivamente por recantos menos afortunados do mundo, melhor ainda. Se essa mensagem política soa deslocada numa disputa que deveria ser estritamente literária, convém não esquecer que o próprio regulamento do prêmio o encaminha ao “trabalho mais destacado entre os de tendência idealista”. O que comporta exceções, felizmente: como observou alguém no blog do “Guardian”, Ernest Hemingway e Samuel Beckett jamais teriam ganhado por esse critério. Mas, oscilações à parte, a regra continua de pé.
13 Comentários
Nunca li nem ouvi falar, infelizmente.
E, se não sou um profissional das Letras, me considero um interessado em Literatura. Sou um bom leitor, um consumidor costumaz de cadernos culturais e revistas, além de frequentador internético desde sempre.
Culpa minha então, ou esta terra brasilis é mesmo uma ilha?
Nunca li nada dele. Mas, há algum tempo, li uma crítica do Rodrigo Gurgel sobre o livro O Africano, no Rascunho. Segue o link:
http://rascunho.rpc.com.br/index.php?ras=secao.php&modelo=2&secao=25&lista=0&subsecao=0&ordem=1777
Precisa dizer que não deu muita vontade nem de ler o livro nem de conhecer o autor?
Sérgio, creio que o resultado deste ano confirma mais uma vez a orientação política do prêmio. Mas, como você notou, o laureado pelo menos é um escritor de verdade.
E tem um ponto importante aí, acho: a escolha de um escritor aparentemente desconhecido não é uma oportunidade para que seja ampliado o alcance do literário entre nós? Sobretudo nós, brasileiros? Alguém aí acima falou em ilha?
Não é uma chance de estendermos o olhar – nós e a mídia mainstream – para além do horizonte anglo-saxão?
Abs
O écrivain já se pronunciou sobre o prêmio:
http://www.dailymotion.com/video/x70igg_jeanmarie-gustave-le-clezio_news
Detalhe: não está fácil acessar a página. O Nobel é pop.
Sérgio, desculpe mais um post, mas discutindo ainda o aspecto político do Nobel, gostaria de compartilhar o que acaba de escrever o New York Times sobre a vitória de Jean-Marie Gustave Le Clézio:
“O secretário da academia sueca Horace Engdahl disse recentemente que a Europa era ‘ o centro do mundo literário’, e sugeriu que escritores americanos são por demais insulares e muito influenciados pela cultura popular americana para vencerem.”
Matéria completa aqui:
http://www.nytimes.com/2008/10/10/books/10nobel.html?_r=2&hp&oref=slogin&oref=slogin
Pelo que entendi do texto do NY Times, esse Mr. Creysson aí foi laureado pela Academia Sueca a partir de critérios antropológicos ou sociológicos, e não estéticos. Pelo jeito, mais e mais o Nobel vem perdendo o seu status de referência cultural, ao menos no que tange à arte literária. Siga as suas indicações e poderá encontrar bons trabalhos politicamente corretos, de gente muito viajada e sensível. Mas um Kafka, por exemplo, nunca estaria nesse rol de simpáticas exotiquices.
Ih, o Paulo Coelho ficou puto com o(s) ministro(s) da cultura:
http://colunas.g1.com.br/paulocoelho/2008/10/09/a-deselegancia-do-ministro-da-cultura/
Pior que acho que ele tem razão – mó falta de respeito com ele. Querendo ou não, ele é o nosso escritor mais famoso e o que vende mais no mundo to-di-nho…
A busca da intelectualidade americana é a aprovação do velho continente. A distancia do nobel os têm corroído. Não que nós tupiniquins e piratiningas somos diferentes.
Saint-Clair – Deixa eu ver se eu entendi a notícia. O Paulo Coelho convidou i Ministro, que era o Gil. O Gil deixou de ser ministro, mas vai de qualquer jeito. O novo ministro, que não é o Gil, disse que não vai e inventou uma desculpa esfarrapada. Mesmo assim o Gil vai estar lá. Ai ai ai…. nós Tupiniquins e Piratiningas em busca de aprovação de todos…
Paulo, obrigado pelos links. Concordo que é uma oportunidade de tornar o autor mais conhecido no Brasil, embora eu duvide da eficiência do Nobel para esse tipo de divulgação. Mas ajuda um pouco, claro.
Quanto ao NYT, Paulo e Chato, não é a fonte mais equilibrada neste momento para fazer uma avaliação dos méritos de Le Clézio. A imprensa americana está em guerra com a Academia depois daquelas declarações idiotas do sueco lá. Tem toda a razão de estar em guerra, aliás. Mas isso contamina qualquer análise neste momento.
Todo prêmio artístico é meio arbitrário e o Nobel, especialmente, sempre teve vocação para a bobagem. O deste ano me pareceu sensato. Tem um enorme componente político, evidentemente, e isso é chato. Mas Le Clézio é um escritor que existe, tem leitores, o que não é pouco. Os anos de prêmio para poetas dialetais da Islândia são mais chatos.
Engraçado, depois do Thiago no outro post, ninguém apareceu aqui para defender a literatura de Le Clézio. Parece que o desconhecimento é maior do que eu imaginava.
Abraços a todos.
Eis o teste definitivo: se nem a Isabel Pinheiro leu, é grave.
Leu, Isabel?
Pois é. Como costumo fazer sempre que me aparece um nome novo, fui à biblioteca pegar um livro do cara. No momento, leio Les Géants, mas no original. Não havia traduções disponíveis (apenas dois registros de que elas deveriam estar lá). Agora é esperar que, como de costume, as editoras nacionais reeditem os livros que já foram lançados (e os inéditos) por aqui.
Pensado bem, até prefiro quando o Nobel premia um desconhecido (ou pelo menos alguém que eu desconheça). De forma bem pragmática e egoísta, é para isso que esses prêmios me (nos?) servem.
Assim que alguém ler, me conte.
De nobelizados aconselho Heinrich Böll.
Devo responder, mesmo roxa de vergonha? Não li…