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O pai de Pamuk

18/12/2006

Em 2000, dois anos antes de morrer, o pai do escritor turco Orhan Pamuk lhe deu uma mala cheia de escritos que, literato amador, acumulara ao longo da vida. As cenas tensas que se desenrolaram em seguida foram lembradas por Pamuk em seu discurso de agradecimento do Nobel de Literatura, parcialmente publicado no fim de semana pelo “Guardian” – acesso livre, em inglês, aqui.

A primeira coisa que me manteve afastado do conteúdo da mala foi o medo de que eu pudesse não gostar do que ia ler. Como meu pai sabia disso, tomara a precaução de fingir que não levava aquilo a sério. Depois de trabalhar como escritor por 25 anos, era doloroso para mim perceber isso. Mas eu não queria ficar irritado com ele por ter fracassado em levar a literatura a sério (…) Meu verdadeiro medo, a coisa crucial que eu não queria saber ou descobrir, era que ele pudesse ser um bom escritor.

É impressionante a semelhança entre a experiência pungente relatada por Pamuk e aquela que inspirou ao inglês Hanif Kureishi seu livro “No colo do pai” – comentado aqui embaixo, na nota de 6/12.

14 Comentários

  • Rodrigo Sampaio 18/12/2006em22:24

    Fico na dúvida se, ao descobrir que o pai era um bom escritor, o laureado iria sentir que o pai não o ajudou tanto quando podia por sentir ciúmes do talento do filho ou se, por outro lado, o laureado, descobrindo o talento do pai, sentiria pena pelo fato do sujeito não ter lavado em frente o ofício de escritor e se ver, por isso, frustrado.

  • Rodrigo Sampaio 18/12/2006em22:38

    Ou ainda mais uma: Se descobrisse que o pai era um brilhante escritor, mas não levava a literatura a sério, Pamuk poderia sentir como um desprestígio paterno, que dizer, uma falta de admiração paterna que poderia doer no coração do escritor consagrado, se o conceito que esperava do pai lhe fosse caro.

  • Saint-Clair Stockler 18/12/2006em23:23

    Qualquer dia desses, quando as milhares de pessoas que compraram os livros dele só porque o nome apareceu nos jornais como Ganhador do Nobel se desfizerem dos seus exemplares pois a Bruna Surfistinha terá lançado outra obra e, portanto, precisarão de espaço na estante, vou comprar um de seus livros lá no Berinjela, só pra ver se ele é legal mesmo. O Hanif é, gosto muito dele.

  • Djalma Toledo 19/12/2006em05:38

    Que drama .
    Só Freud explica , ou como disse Jó:
    ” Antes o dia em que nasci, nunca tivesse existido “.

  • Mozzambani 19/12/2006em10:39

    O que, particularmente, me agrada nisso tudo é o discurso metalinguístico. O livro, a literatura e o escritor falando de si próprios parece mostrar-me o caminho das pedras… Aquelas montanhas que existem no caminho entre o ler e o escrever…
    E por falar em “discurso metalinguístico” estou lendo “investigações sobre Ariel” e gostando muito!

  • Rodrigo Sampaio 19/12/2006em14:24

    Aliás, deixem-me fazer um comentário procedente, finalmente, já que tudo o que tenho dito até agora não passa de brincadeira que deve ser esquecida. Se alguma coisa a literatura, e a arte, me ensinaram até agora, se alguma coisa aprendi em todos estes muitos anos de labuta literária diária, é a importância das pessoas ligadas à qualquer forma de expressão artística de realizarem uma verdadeira faxina íntima com respeito à rejeição, sobretudo a rejeição dos pais. Tudo o que falei antes e o que falarei depois, não passa de bobagem, mas gostaria de deixar apenas uma coisa a vocês (ainda que esteja sendo impertinentíssimo, porque quem tem que aparecer aqui é o Sérgio, me desculpe, meu caro, por esta intrusão em seu blog que não irá se repetir mais): por mais inteligente, brilhante, talentoso que um escritor possa ser, ele pode ser destruído se não tiver trabalhado muito bem sua reputação diante dos pais (Kafka, Mozart, Proust, Darth Vader) . Caso não limpe de sua alma a reputação que acredita ter com os pais, acima de tudo e, depois, com o resto do mundo, o indivíduo se transformará em alguém tão suscetível que, diante da menor crítica lá fora, engavetará seu trabalho em definitivo ou poderá se tornar um temperamento amargo e vingativo. Tenho visto aqui neste blog (se é que este é o designativo correto) muita, muita gente boa, talentosa, verdadeiras promessas no ofício de escrever (além daqueles que já são escritores de fato), e ainda que eu seja acusado de um arrogante idiota que se julga em posição de ensinar algo a quem quer que seja, não posso me furtar de lhes dizer isto, de todo o meu coração, em face do material humano que tenho diante de mim. Quando entrei neste blog, com um nome falso, tinha, como ainda tenho, a intenção de saber o que a moçada estava lendo, o que mais lhes falava ao coração – como forma de me manter atualizado em meu trabalho ficcional, me reciclar esteticamente – e, fiquei impressionado com o que li, seus comentários, seus blogs, suas apreciações. Se alguém desses talentos, pois, quiser levar adiante a carreira árdua de escritor, lute contra a rejeição cada dia. Se não forem grandes artistas, serão, com certeza, homens de verdade, porque muitos gênios criaram em suas ficções o que ao fim não foram na vida.

  • Saint-Clair Stockler 19/12/2006em17:58

    Rodrigo, é um bom conselho! Gostei do texto. O foda é que agora não vou conseguir dormir pensando em quem você é…

    Temos de matar os pais – felizmente, em geral, só de forma metafórica. Se bem que alguns…

  • Cássia 19/12/2006em18:40

    Enfim, Sérgio, fiquei curiosa: o pai de Pamuk foi realmente um bom escritor? Pamuk dá algum sinal disso?

  • Sérgio Rodrigues 19/12/2006em18:56

    Não, Cássia. Os sinais são de que o pai era um mau escritor, ou pelo menos insatisfatório, irrealizado. Mas Pamuk dá só uma olhada rápida no conteúdo da mala e fecha correndo.

  • vinicius jatobá 19/12/2006em23:17

    Fala-se muito em destruir o pai, e me pergunto o motivo para quê não o ame como amo os avós e os bisavós e a tradição e o passado… Fala-se em destruir, devastar, exorcizar o passado… Para quê? Inventar a roda novamente?

  • tiago a. 19/12/2006em23:43

    A New Yorker publicou na íntegra. Cliquem no meu nome.

  • Clarice 24/12/2006em15:06

    Vinicius,
    A morte do pai é 1) quando você começa a não achar que ele é infalível 2) quando você consegue seguir seus projetos sem achar que vai passar a perna dele. É só isto. Não tem nada de muito profundo. Mas tem gente que não consegue por um grande tempo:o)

  • Éd Lascar 22/01/2007em19:26

    Dá para compreender as reticências de Pamuk, no momento. Eu acho -só posso achar- que ele vai rever esta disposição de não ler do acervo de originais que estão nesta mala. Afinal lá estão parte do que seu era , suas obsessões e prazeres. Será irrestível.

    É isso aí, Clarice!!!

    :o)

  • Éd Lascar 22/01/2007em19:27

    Ooops! ” Afinal lá estão parte do seu PAI era, suas obsessões e prazeres”

    Desculpe