Quem levantou a bola foi o Pedro Curiango, leitor das antigas aqui do blog: o prêmio Juan Rulfo concedido ontem ao escritor português António Lobo Antunes teve até agora na imprensa brasileira um tratamento semelhante ao da morte de Luciana Stegagno Picchio – algo que talvez se possa chamar de escola Bartleby de jornalismo, eufemismo para essa indiferença espessa, bovina, que vai transformando nossa imprensa cultural num mero puxadinho das seções de celebridades.
É possível que aquele meu pesadelo recorrente – um mundo pautado, iluminado, fotografado e paginado à semelhança da revista “Caras” – tenha, mais uma vez, me levado a acordar apocalíptico. Peço desculpas se estiver cometendo alguma injustiça, mas o que encontrei nas folhas que percorri hoje foi um bruto silêncio. Um silêncio confirmado pelo Google, que traz incontáveis páginas sobre o fato. Todas da imprensa e da blogosfera de Portugal (com uma única exceção para confirmar a regra). E, na boa, ainda que um ou outro escriba brasileiro tenha repicado a notícia, o resultado até o momento é, na melhor das hipóteses, anoréxico.
Sim, óbvio: o Todoprosa também silenciou ontem, mas ele tem um álibi – notícia nunca foi o negócio do blog. Quando se divulga algo que considero mainstream, do tipo que todo mundo publica imediatamente, tiro o time de campo ou me guardo para acrescentar algum comentário mais tarde. Talvez esteja na hora de repensar a definição de mainstream.
Está certo que, mesmo quando o agraciado é um escritor do nosso idioma e da importância de Lobo Antunes, as notícias do Juan Rulfo, um dos principais prêmios literários da América Latina, são, como se costuma dizer, “nicho”. Só um louco ou ingênuo alegaria que isso chega a ter um trigésimo da importância de um furo jornalístico realmente sensacional como o pum que Miley Cyrus deu no táxi e que o motorista esperto gravou em seu celular. Até aí, tudo dentro da normalidade do nosso tempo.
No entanto, uma notinha não deveria ser considerada indispensável? Uma linha que fosse, uma esmola? Me chamem de antiquado, mas acho que deveria. Nem que fosse só para lembrar que Lobo Antunes é o primeiro português a ganhar o galardão mexicano, mas dois brasileiros já estiveram lá: Nélida Piñon em 1995 e Rubem Fonseca em 2003.
Ou constatar que o homem, vencedor do Camões do ano passado, vive uma fase gloriosa. Forçando um pouco mais a barra do elitismo, quem sabe até coubesse uma discussão mais profunda sobre as estratégias literárias do Lobo, que muita gente boa considera o maior estilista vivo da língua e um outro tanto acusa de resvalar no pernosticismo.
No mínimo, em veia mais pândega, pegaria bem estranhar que os organizadores do Juan Rulfo estejam fazendo questão de frisar que esse não é mais o nome do prêmio e sim – se entendi direito – algo como Prêmio de Literatura em Línguas Românicas da Feira do Livro de Guadalajara. Como é que se diz “idéia de jerico” em espanhol?
16 Comentários
Imprensa, não filtra, se informa e noticia. Por exemplo, ainda não li na imprensa brasileira sobre a escolha do Paulo Coelho para ser o guest speaker na abertura da Feira do Livro de Frankfurt deste ano…
É engraçado você tocar nessa assunto Sérgio.
Lá no Nonsense do Ryff há algo que, ao meu ver, é parecido.
Há um post em que o nonsense da coisa reside no fato de que um site atualizava minuto a minuto o “badalado” casamento da Juliana Paes… (sei).
E isso é a cultura de hoje em dia. Mas cada um sabe o que faz né?
Se bem que não me impressiono mais com certas coisas, pois no mesmo Nonsense há um post em que a revista Veja (argh) traça um roteiro “cultural” para se visitar museus e conhecer grandes obras em, pasmem, 30 minutos…
Mas como disseram por lá, é a “cultura fast-food”…
Não acho que com prêmios literários, sejam quais forem, possam passar ilesos dessa desatenção ou da notinha de rodapé, afinal de contas, quem pode disputar contra as celebridades com recheio de pastel de vento e consistência de holografia que proporcionam uma digestão rápida e que não dá trabalho para o estômago cerebral…
Sérgio, rapidamente, que estou pela hora da morte (ou de fechamento), Escrevo não só sobre a Luciana, hoje, na minha coluna, como trambém sobre o Fausto Wolff. É no diariodopara.com.br (título: “Luciana e Fausto”). Pretendo retornar ao assunto na minha página dominical.
Cordialmente,
P.S. Já nos encontramos numa das Flips (na sala de imprensa), fiquei de conversar contigo para uma entrevista, que foi ficando, ficando…
Elias
Elias, obrigado por ajudar a diminuir o déficit. Um dia a gente faz essa entrevista. Um abraço!
Será que ele fecha o ano com um Nobel, 10 anos depois do Saramago? Quem sabe o Fernando Meirelles topa filmar “Manual dos Inquisidores” também.
Ficaria uma merda (como se filma fluxo de consciência?), mas eu ia ver. Na estréia.
Ele já tinha que ter ganho o Nobel há muito tempo, com “Os Cús de Judas”. É o maior na nossa língua, sem dúvida nenhuma, o nosso Faulkner. Mas no Brasil só dá Saramago, que ganhou o prêmio mais pela sua admirável coerência política do que qualquer outra coisa.
Notas literárias « Contraplatitude
“Idéia de jirico” em espanhol? Idea de bombero! Um grande abraço, Sérgio.
C.S. Soares,
O Paulo Coelho já te convidou pra passar uma semana no castelo dele no Midi? Se ainda não, ele tá sendo super ingrato! Você deve ser o maior defensor mundial dele! Até quando o assunto não é ele, você dá um jeito de inseri-lo!
SEU PAULO COELHO (OU QUEM LÊ AS COISAS NA INTERNET PRA ELE), POR FAVOR, NÉ? CHAMA ELE PRA IR PASSEAR NO SEU CHATÔ! (E DE QUEBRA ME CHAMA TAMBÉM – NÃO VAI TE CUSTAR NADA; NEM VAI ARRANHAR A SUA IMENSA FORTUNA. PROMETO QUE NÃO VOU BEBER VINHOS CAROS, COMER PATÉ DE FOIS GRAS, NADA DISSO… ME CONTENTO COM ARROZ, FEIJÃO E OVO)
Aplauso para a Sónia, em três linhas diz muito e à escritores Portugueses que no Brasil, só com as cunhas da imprensa, como é o caso de Saramago.
Experimentem ler mais algumas obras de Lobo Antunes e nunca se arrependerão…Um grande Abraço.
Enquanto isso a divulgação da adaptação do livro do Saramago vai a toda. Por que a imprensa brasileira não dá muita bola pro Lobo Antunes? Mas quem sabe depois desse post falem alguma coisa, igual àquele do apoio governamental para escritores, que virou matéria de caderno literário.
Lobo Antunes é um escritor genial, merece não só esse premio como também o Nobel.
Pena que no Brasil seja tão pouco divulgado.
Parabéns a vc. fantástico escritor portugues e parabéns a toda a nossa cultura.
Antunes é dos grandes, merece um Nobel já faz tempo. Eu mesmo só fiquei sabendo do prêmio aqui no seu blog.
Em tempo: quem é Miley Cyrus? 🙂
Abs!
Marcelo.
E para o António Antunes, nada? « Universo Tangente
Sergio
foi exatamente contra esse vazio cultural da nossa grande imprensa que me insurgi no artigo que escrevi para o Rascunho – e que vc focalizou quando este blog ainda se hospedava em outro endereço, dando origem a uma nutrida polêmica. Até de choramingas fui chamado, por denunciar a indiferença, a falta de compromisso com os valores que não sejam meramente mercadológicos. Fiquei sabendo do prêmio do extraordinário Lobo Antunes (e para lhe fazer justiça não é preciso diminuir o também grande Saramago) e da morte da Luciana agora, por vc. Isso é um absurdo, que não podemos aceitar passivamente, que tem de ser denunciado.
Em tempo: parabéns pelo belíssimo conto na Piauí; uma grande sacação, brilhantemente escrita. Emular Machado não é tarefa para qualquer um.
Caro Rubem,
Em primeiro lugar, obrigado pelas palavras gentis sobre o conto. Saiba que foram devidamente valorizadas aqui deste lado.
Quanto à discussão sobre o emburrecimento progressivo do jornalismo cultural, sim, acho que temos aqui mais uma suíte daquela conversa provacada pelo seu artigo. De vez em quando aparece uma, e tudo indica que continuará sendo assim por muito tempo.
O que fazer? Claro que a postura passiva é inadmissível, mas confesso que não vejo muita esperança de mudança do lado da grande imprensa. Em compensação, os instrumentos à disposição dos interessados em suprir essas lacunas com as próprias mãos são cada vez mais numerosos e acessíveis. Você ter sabido das duas notícias pelo meu blog é, por um lado, lamentável, claro. Mas por outro faz todo o sentido.
Um abraço.