O romance é um gênero flexível, tolerante e magnânimo em que cabe tudo, menos o que é aborrecido. Tentar delimitá-lo ou direcionar seu curso carece de sentido histórico e evidencia apenas fanatismo intelectual ou um afã mercantil de notoriedade.
O romance carece de regras. O romance é por excelência o último bastião da liberdade criativa do indivíduo. O romance é o território da fantasia, a imitação impossível da realidade, o big bang do pensamento livre e o instrumento com o qual o mundo se reinventa sempre uma outra vez. Pura catarse, puro caos, pura paixão.
Me irritam os que pretendem erguer portas em campo aberto para restringir suas soluções habitacionais. Me enfastiam os doutrinários da primeira pessoa do singular, os atestadores do óbito do texto clássico e todos os que esperam ser modernos jorrando ketchup na cona de Madame Bovary.
Se manifestos literários, a essa altura do furdunço vinte-e-único, são mais tediosos que bula de remédio com seus esqueminhas mentais bipolares – isso-sim, isso-não –, antimanifestos como este publicado hoje pelo escritor espanhol Fernando Royuela no “Babelia” (acesso livre, em espanhol) ainda são capazes de proporcionar um certo prazer. Não vão além da volúpia de desmascarar gênios do papo furado, mas isso não é pouco. Gosto principalmente da imagem das “portas em campo aberto”.
Sim, Royuela – que já teve um livro, “Maldita morte”, lançado aqui pela Bertrand Brasil – se empolga demais às vezes. “Último bastião da liberdade criativa do indivíduo” por quê? Mudaria alguma coisa se a frase fosse aplicada à pintura ou à música? Mas meu maior reparo é outro: acredito que caiba no romance inclusive o que é aborrecido. Está longe de ser tão seguido quanto deveria o famoso conselho de Elmore Leonard sobre “deixar de fora (do livro) aquelas partes que as pessoas pulam”.
10 Comentários
Um texto com palavras rebuscadas é até interessante. Embora não alcance todos os níveis de intelectualidade.
Faz falta. Mas acredito que um bom texto se qualifica por ser inteligível, obviamente sem ter um dicionário a tira colo. Eu escrevo assim, rasgado mesmo. Cada um com seu cada um. Já teu texto Sérgio, é massa.
Abraço.
Romances são para os tímidos, para os acanhados… vivem neles uma realidade outra, distante do seu cotidiano. Um lugar onde são reis e plebeus, heróis e covardes, bons ou maus a seu bel prazer.
Concordo totalmente com os seus reparos. Mas admito que sou do mesmo jeito: exagerada.
É aquela história, qualidade não tem regra. Metodismo demais às vezes leva ao tédio… sambalelê também.
Salud!
Estou tão triste com a morte da Zélia Gattai. Escreve um texto sobre ela, Sérgio.
eu não ia falar nada não, nem vou falar…
Tibor, os romances são principalmente para os insatisfeitos (os romances açucarados, os enredos de aventura, as fantasias à la Tolkien, as comédias de Evelyn Waugh e as experimentações de Faulkner e Joyce, por exemplo).
O mesmo vale para a poesia, é claro!
(A despeito dos subconcretistas)
Mas eu acho, que ele ainda não é, é ladrão de mulher! 🙂
Manifesto? Anti-manifesto?
Tô fora!