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O sucesso do Bond ‘falsificado’

04/06/2008

“Devil May Care”, o novo romance de James Bond escrito por Sebastian Faulks, tornou-se o livro de ficção de capa dura de venda mais rápida na história da Penguin, com a marca de 44.093 exemplares nos quatro dias desde que o título chegou às prateleiras.

Os números se seguem a uma campanha promocional de proporções comparáveis às de “Harry Potter”, inclusive, na fase pré-lançamento, com notícias do trabalho de Sebastian Faulks como dublê de Ian Fleming publicadas em todos os maiores jornais.

Confesso que não poderia estar menos interessado no livro de Faulks. Mas a notícia (acesso livre, em inglês) é representativa da nova ordem que há alguns anos se anuncia no mundo editorial. Neste tempo, uns poucos livros recebem de seus editores um tratamento de marketing até então dispensado apenas a certos filmes de Hollywood. Os outros 99,88% disputam as migalhas e um cada vez mais improvável papel de azarão.

A comparação com Harry Potter deve ser feita com muita cautela: o último livro da série do mago vendeu 3 milhões de exemplares em seu primeiro fim de semana. Apesar de infinitamente mais modesto, o caso da nova aventura de James Bond acrescenta um dado instrutivo ao panorama ao sugerir que a figura do autor, esse velho mito literário, já não tem a menor importância no tal jogo.

A incrível permanência de Robert Ludlum, o caso mais notório de imortalidade no mundo das letras, já dava o que pensar: embora tenha sido devorado por vermes, o homem continua, graças à pena de “colaboradores”, lançando livros em série. Mas agora nem o nome do morto importa mais. Faulks não é Fleming, e daí? Bond é Bond. James Bond.

25 Comentários

  • Paulo Nuin 04/06/2008em13:11

    Concordo com suas ponderacoes, mas nao posso deixar de citar a nova serie de capas para os livros de Fleming. Capas com as Bond-girls, esses sim mereceriam um marketing potteriano.

  • Doida de pedra 04/06/2008em13:31

    Eu sempre questionei até mesmo o uso destes “colaboradores” por grandes gênios da pintura imagine-se um escritor que fica “criando em cima de um personagem alheio” só porque este tem um nome… Me leva à pensar se isso não limita mesmo a capacidade criadora dos colaboradores que, no fim das contas não tem a chance ou mesmo a vontade de procurar investir na criação de um personagem interessante, instigante próprio. Imagina só ficar inventando história pra Capitú, pro Bentinho, pro Dom Casmurrom, Quincas Borba… O primo Basílio então hoje em dia com as mudanças de costume não ia ter a menor graça… Tenho muito respeito pela arte da escrita, até me arrisco um pouco nela mas, nunca mostrei prá ninguém, agora essa foi demais!

  • Chato 04/06/2008em14:18

    É aquele negócio: vende aquilo que é bem vendido. Os “produtores culturais” têm de largar mão dos escrúpulos em vender (enfatizo a palavra “vender”) o que é bom. Garanto que com o marketing do Harry Potter ou do Paulo Coelho, com seus milhões, venderiam até Joyce à criançada. O povo compra o que lhe mandam comprar, eis a realidade.

    Aliás, guardadas as proporções, o próprio Joyce pode ser usado como exemplo: uma vez “vendido” como “o maior romancista do século XX”, as editoras movimentam-se desde então para lançar e relançar periodicamente suas obras, e os consumidores culturais a comprá-las – apesar de o homem ser absolutamente intragável, com exceção dos contos (ou alguém conhece algum sujeito que já leu o Finnegan’s Wake ou mesmo o Ulisses inteiro, e, o que é mais importante, com genuíno prazer?).

    Que se gaste dinheiro em promover Machado, Dante, Rabelais, Swift etc. Eles venderão se boa for a publicidade, porque pouco importa o produto, se é grande ou pequeno, fácil ou difícil, belo ou horrendo. O que importa é a embalagem e o vendedor. Basta considerar que as mesmas crianças que lêem o “catatau” Harry Potter são as mesmíssimas que não suportam escrever uma simples frase completa na internet.

  • Tibor Moricz 04/06/2008em14:36

    Uisque falsificado, tênis falsificados, CD’s falsificados, roupas de grife falsificadas, documentos falsificados, dinheiro falsificado… Tanta coisa falsificada que não me surpreende ver literatura falsificada. Estamos num mundo falsificado. Sorrisos e abraços falsificados, amigos falsificados… E viva a falsificação! Alguém aí quer um videozinho falsificado? Faço baratinho…

  • Isabel Pinheiro 04/06/2008em15:40

    É que o consumidor desse tipo de livro não está nem aí não só para o autor, mas para a própria literatura, parece. Dan Brown é menos importante do que o professor que ele criou, esqueci o nome agora. E assim é com James Bond, com as heroínas do Sidney Sheldon, com possíveis franquias de Harry Potter. Enfim: para esses livros que têm um leitor movido ao tipo de enredo ou ao nome do personagem, me parece que a publicidade seria a mesma, sendo o autor original ou pirata. A função é simplesmente dizer: chegou. Porque quem gosta de literatura não precisa de nenhuma campanha monumental para ir à livraria e perguntar “Chegou o último Rubem Fonseca? Já tem o novo Vila-Matas?” Ah, e não incluo Mandrake, Espinoza, Bellini (nem ele!), Nero Wolfe e outros detetives nessa conta negativa de personagens “seriais”… 🙂

  • C. S. Soares 04/06/2008em16:43

    Sérgio, Harry é bruxo, como Machado. O assunto do post me lembra a questão das fanfics (que recentemente discutimos no Pontolit). Arrisco-me a dizer que Pierre Menard foi uma extraordinária fanfic. Amor de Capitu, do Sabino, também. Por isso, ao contrário do que muitos pensam, isso tem raízes muito antigas. L. Frank Baum, 1900, lançou O Maravilhoso Mágico de Oz, diversas continuações foram escritas por outros autores. O mesmo aconteceu com o Sherlock Holmes, de Doyle. Não duvido que Mr. Potter retornará pela pena de outros (aposto que antes de morrermos pela da própria J. K. Rowling). O próprio Conan Doyle resignado confessou que Holmes havia vencido seu autor.

  • C. S. Soares 04/06/2008em16:49

    Já que o Chato lembrou James Joyce, alguém por aqui sabe se teremos o Bloomsday aqui no Rio de Janeiro? Na Irlanda chega a ser feriado. Será que teremos no Brasil um feriado dedicado a Riobaldo ou Bentinho?

  • Marco Polli 04/06/2008em17:09

    O romance “O Poderoso Chefão” já teve duas seqüências pós-Mario Puzo.

    O assunto me lembrou também de certo texto chamado “O caso dos escritores Jerominho”.

  • Eric Novello 04/06/2008em20:06

    Bond é sempre bond. Brand é sempre brand.
    A ilusão da imortalidade através da arte já gerou uma piadinha muito boa de Woody Allen. O que temos agora é a tran$ferência, mais inteligente, da imortalidade do autor para o personagem. Parabéns ao Fleming por criar um personagem inesquecível. Espertas as editoras que chuparam isso de Hollywood.
    Não li o trabalho do Faulks, então não posso julgar, mas chuto que tenha que seguir uma fórmula pré-estabelecida com a editora. Se vender bem, quem sabe, não se descobre que o sujeito tinha na manga algum talento? Numa vampirização aqui outra ali, por que não poderia surgir um nome capaz de revitalizar realmente um personagem?

  • Sérgio Rodrigues 04/06/2008em20:09

    Polli, você se refere àquele conto que eu copiei do Primo Levi? hehehe

  • Marco Polli 04/06/2008em23:17

    Nem lembrava da “questão Levi”, Sérgio, é preciso recuperar o legado dos comentários pré-IG.

    O software do conto mistura autores designados, mas pode-se pensar que ele seria capaz de simular apenas um. É o sonho dessas editoras que por enquanto usam outros autores ou equipes. Em todo caso, como dizia a canção, “Death is not the end”.

  • Saint-Clair Stockler 04/06/2008em23:31

    Fiquei curioso. Embora jamais tenha lido um dos livros de Ian Fleming, se descobrir algum amigo que tenha esse livro do Faulks vou pedir emprestado.

    Bom mesmo eram os livrinhos da Brigitte Montfort… Eu, de fato, adorava.

  • Sérgio Rodrigues 04/06/2008em23:59

    Imagino que simular o estilo de um autor determinado seja até mais “fácil”, Polli. Basta estudar suas soluções de trama, seus contornos de frase, seu vocabulário. Boa idéia para um software. Pena que Jerominho se matou, seria o programador ideal para desenvolver isso.

    A “questão Levi” nunca existiu, na verdade. Foi só chute de um leitor que depois disse que não queria dizer bem isso. Mas achei que vinha a calhar.

  • Chato 05/06/2008em14:12

    Soares, acredite ou não, temos um Bloomsday aqui em SP. Acontece no Finnegan’s Pub e tem direito a malas recitando Haroldo de Campos e Joyce, todos entendidíssimos nesses autores, na física quântica e na Zíbia Gasparetto.

    Festa, o lance de brasileiro é festa. Literária, musical, teatral – mas festa, sempre festa. Esse negócio de ler sozinho em casa é coisa pra nórdico.

  • Leandro Oliveira 05/06/2008em14:22
  • Rafael 05/06/2008em14:26

    O engraçado, no Bloomsday paulistano, é o exagerado culto que se presta ao impetrável Finnigans Wake, a obra que o sacana do Joyce escreveu para que ninguém entendesse. Lêem-se, na ocasião, várias traduções do Finnigans Wake: do árabe, do íidiche, do urdu, do filandês, do aramaico, do alemão da baixa riviera, do galego-português, do javanês, do catalão, do siciliano, do italiano macarrônico da Móoca, do espanglês, etc. A platéia, embevecida, finge entender o amontoado de palavras que lhe é despejado incessantemente; há nisso algo dos selvagens que, nos rituais primitivos, se deixavam mesmerizar pela truncada pronúncia do feiticeiro, cujas palavras acreditavam provir de alguma divindade que não falava a língua dos homens.

  • André Gonçalves 05/06/2008em14:36

    Sérgio, não tem nada a ver com o topic. mas queria sugerir algo: um comentário discussão sobre uma coisainha. Como disse, está havendo o Salão do Livro, aqui em Teresina. E 9 entre dez “escritores” reclamam da falta de apoio, da falta de incentivo, etc, etc, etc. Pergunto: até que ponto é obrigação/responsabilidade do Estado ou da iniciativa privada bancar/financiar livros (considerando-se que 90% deles, eu inclusive, ou mais, sejam de interesse único e exclusivo do autor e sua família, ou fruto de vaidade, ou qualidade literária sofrível)? Como incentivar novos escritores? Concursos premiam um de cada vez, e olhe lá. Enfim, qual o papel do Estado nisso tudo? Bem, se acreditar que isso pode ser um bom tema, ótimo. Senão, ao menos pode-se discutir por aqui. Abraços a todos.

  • C. S. Soares 05/06/2008em14:37

    A idéia do software, Sérgio, já existe. Claro que não é usado para “psicografia”, mas para análise de estilo e sugestão de leituras. Chama-se Booklamp. Escrevi sobre ele há alguns meses: http://blog.pontolit.com.br/2008/03/24/mortimer-adler-sonhou-o-booklamp-ou-ainda-sobre-como-leremos-os-livros-de-agora-em-diante/

  • C. S. Soares 05/06/2008em14:41

    Pior, Rafael, o Joyce ditou e o Samuel Beckett redigiu. 🙂 Mas, penso que FW tem um grande valor no sentido de mostrar que…

  • C. S. Soares 05/06/2008em14:44

    Então, Chato, já conferiu a lista de convidados da FLIP?

  • C. S. Soares 05/06/2008em14:45

    as reticências lá de cima, preencham da forma que quiserem… como Joyce & Beckett fizeram com o FW.

  • Raquel 05/06/2008em15:38

    Sérgio
    esqueça o Faulks! Procure a linda Tuuli Shipster. Pode começar pelo blog da Penguin!

    raquel

  • Raquel 05/06/2008em15:43

    Rafael

    Finnegan’s Wake só este de Ballyshannon 1988! Esta versão me faz sentir o gosto de Guinness na alma!

  • Sérgio Rodrigues 05/06/2008em16:17

    Grande dica, Raquel. Linda mesmo a Tuuli. E se ganhasse alguns quilinhos ficaria ainda mais.

  • Chato 11/06/2008em15:26

    O Rafael falou e disse sobre as acacianas baboseiras do “bloomsday” paulistano e a reverência ridícula dos ignaros àquilo que não entendem (e que portanto, pensam, deve ser grande coisa).