O velho escritor, sobrevivente de incontáveis guerras de panelas fumegantes, é um cara tão descrente que, quando lhe recomendaram a engraçadíssima resenha do novo livro de Jonathan Franzen feita em vídeo pelo crítico do “Washington Post”, Ron Charles, disse apenas: “Grunf”.
O velho escritor, com seus diplomas de escolas estéticas opostas empilhados no fundo da gaveta de baixo da cômoda do quarto de empregada, anda tão desiludido com esse papo de literatura que não se animou a tomar conhecimento da lista dos dez finalistas do principal prêmio nacional da categoria. Só resmungou: “Hmpf”.
O velho escritor já foi um inflamado – e incompreendido – defensor do hibridismo entre gêneros populares e eruditos como o melhor caminho para o novo, mas não demonstrou interesse sequer quando lhe informaram que jovens escritores de fantasia, terror e ficção científica estão brotando país afora feito cogumelos alucinógenos. Limitou-se a grunhir: “Ahgã”.
O velho escritor, que aos 25 anos foi saudado por um importante crítico hoje esquecido como “nossa maior promessa pós-regionalismo”, está inteiramente surdo e oitenta por cento cego. O sinal mais significativo de que ainda não morreu é o estremecimento que sente na alma ao recordar o modo como Quincas, o vira-lata que teve na infância, morto há mais de setenta anos, tombava a cabeça de lado e o encarava com um ar que parecia cheio de inteligência e compaixão.
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Já eu, que não sou um escritor tão velho assim, vibrei com o vídeo de Ron Charles, assumo a torcida por “Pornopopeia” no Portugal Telecom e mando um evoé buarquiano para o pessoal da literatura fantástica.
10 Comentários
Meu voto é no Monodrama, do Carlito Azevedo. Mas ficaria feliz com a vitória do Bernardo Carvalho, do Pornopopéia, do Leite derramado ou do Lar. Parece que o ano passado foi bom…
🙂 Grande Sérgio!
Evoé, Sergio.
Estou lendo Crepúsculo e estou A-M-A-N-D-O!
Tentei ler o “quincas borba” mas confesso que aquilo ali pra mim é grego, não entendo o significado das palavras, o jeito que o cara escreve… coisa de velho, prefiro Harry Potter.
Bernardo Carvalho e Reinaldo Moraes têm, efetivamente, reais chances de ganhar – o que é positivamente sintomático. Particularmente (e acredito que os limites do idiossincrático adquiram, aqui, contornos bem evidentes), muito me agradou a prosa de Rodrigo Lacerda em Outra Vida – pena ser este um concorrente azarão. Abraço.
Gustavo: considerando o perfil do prêmio, eu diria que o Reinaldo é azarão também.
Por um momento, pensei no Luiz Vilela.
Eric e Tibor, valeu. Força Sempre, como dizia Renato Russo.
O livro do Carlos de Brito e Mello foi uma das melhores coisas que li este ano. Abraços!
BÔUA!