Todos os escritores são vaidosos, egoístas e preguiçosos, e bem no fundo de suas motivações jaz um mistério. Escrever um livro é uma luta terrível, exaustiva, como um longo padecimento de alguma doença dolorosa. Algo que nunca se deve fazer, a menos que se seja movido por um demônio irresistível que não se pode compreender. Até onde nos é dado saber, esse demônio é o mesmo instinto que faz um bebê se esgoelar por atenção. No entanto, também é verdade que ninguém escreverá nada legível a menos que se esforce constantemente para apagar sua própria personalidade. A boa prosa é como uma vidraça. Não posso dizer com certeza qual dos meus motivos é o mais forte, mas sei qual deles merece ser seguido. E lançando um olhar retrospectivo sobre minha obra, vejo que é invariavelmente quando me faltava um propósito político que eu escrevi livros sem vida e fui traiçoeiramente atraído por passagens pedantes, frases sem sentido, adjetivos decorativos e bobagens em geral.
Dica do leitor Diego Hartmann, esse texto (em inglês, acesso gratuito) de George Orwell sobre o que o levava a escrever ficou ressoando por um bom tempo aqui em casa. “Propósito político”, diz o pai do Big Brother, o original. Hmmm. Soa terrivelmente fora de moda e, apesar de ou talvez por isso mesmo, verdadeiro, e não só no caso óbvio do autor de “1984” e “A revolução dos bichos”. A idéia merece exame mais detido, além de doses cavalares de cautela contra qualquer sinal de (argh!) panfletarismo. Mas algo me diz que eu tenderia a concordar com Orwell ainda que não estivesse lançando um romance para todos os efeitos… político.
10 Comentários
Como prosaico contraponto, há um perfil recente do Ian McEwan na “The New Yorker” (http://www.newyorker.com/reporting/2009/02/23/090223fa_fact_zalewski), em que, lá pelas tantas, ele manda essa:
“Writing is a bottom-up process, to borrow a term from the cognitive world. One thing that’s missing from the discussion of literature in the academy is the pleasure principle. Not only the pleasure of the reader but also of the writer. Writing is a self-pleasuring act.”
Será mesmo?
Tudo é político. Até é político negar que é político.
Fico com o Tibor. Encaro esse propósito político no sentido amplo. É simplemente ter algo a dizer.
O título é uma paráfrase de um presidente norte-americano, não? Quem era ou corrijam-me.
Kylderi, a frase que deu origem ao título é de James Carville, assessor de Bill Clinton: “É a economia, estúpido”.
Obrigado, amigo.
Tibor, é exatamento isso que diz Orwell no texto indicado aqui no blog. Há tanto o que discutir sobre as idéias que Orwell apresenta… E como tudo é político, penso eu, e talvez simplificando demais, as duas primeiras razões que o autor de Animal Farm considera para que alguém queira se tornar escritor (simples egoísmo e entusiasmo estético) já bastem. Sérgio, adorei o esgoelar.
Carlos, Ian McEwan é puro hype britânico(qualquer coisa que cagam lá fede bem por aqui).
Leitura tão memorável quando bula de remédios.
Feliiiiipe, você já leu o McEwan mesmo? Eu o acho muito, muito bom. E cheira bem tanto lá como cá.
E a referência ao “demônio” interior, certamente, encontra ecos anteriores em Kipling [a respeito da escrita]: “Quando o seu demônio está no comando, não queira pensar conscientemente. Solte-se, espere e obedeça”.