Depois dos melhores, dos menores, dos geracionais, dos transgressores, dos químicos, dos cruéis, dos escritos por mulheres, dos eróticos, dos menores eróticos, dos menores eróticos escritos por mulheres transgressoras, dos representantes da novíssima safra genial e dos que prenunciam a safra que virá depois da novíssima safra genial, pode-se imaginar que as editoras comecem a ficar sem assunto para novas coletâneas de contos. Antes que desanimem, o que poderia acarretar graves prejuízos à auto-estima literária nacional, aqui vão algumas modestas propostas:
1. “Terceira pessoa – Os melhores contos em que não aparece a palavra eu” – A ousadia do critério elimina a maioria dos escritores vivos. Por isso mesmo garante, paradoxalmente, uma abordagem mais pessoal do gênero.
2. “Contos de escritores promíscuos” – O fundamental é que os autores tenham tempo de se conhecer. Todos. Em esquema de duplas, mas também grupal.
3. “Os melhores contos de escritores baixinhos”, “Os melhores contos de escritores altos”, “Os melhores contos de escritores esqueléticos” e “Os melhores contos de escritores gordalhufos” – Coleção lúdica. A possibilidade de brincar com volumes de formatos e tamanhos diferentes deve garantir uma boa exposição em livrarias – o grande desafio editorial contemporâneo.
4. “Contos com diálogos indicados por travessões” – Saudosismo puro. Só entram autores que ainda dominem a difícil técnica do diálogo tradicional brasileiro, aquela que todo mundo usava antes da era das aspas globalizadas.
5. “Contos para ler no banheiro – Histórias da vida na privada” – Os autores se debruçam sobre um tema que faz muita gente torcer o nariz, embora seja universal, cotidiano e, em geral, sólido.
6. “Escritos escrotos” – Só contos repugnantes sobre personagens doentios e seus atos de torpeza, perversão e indignidade, todos ambientados no Congresso Nacional.
7. “Os ajustados – Contos de absurda normalidade” – Histórias bizarras em que nenhum personagem é assassino, maluco, ególatra, suicida ou sexualmente perturbado.
8. “Tributo a Kaavya Viswanathan, a plagiadora de Harvard” – Contos em forma de colagem de frases e situações chupadas de autores consagrados, sem uma única idéia original.
9. “Pro fim do mês, hein! – Contos metalingüísticos sobre a moda dos contos encomendados” – Máximo de cinco ou seis laudas por história. O quê? Adiantamento? Essa é muito boa.
10. “ Os contos menos memoráveis da literatura brasileira” – Coleção em 32 volumes de 850 páginas cada um, papel-bíblia, letras miúdas.
26 Comentários
Adorei! Adorei!
Muito engraçado! Adicione “Os 100 melhores contos da carochinha”.
Ótimo!!
Sugiro mais um: Contos Contábeis. Sobre contadores, sejam suas vidas emocionantes ou não.
Ou Incontáveis, o livro dos contos jamais publicados.
(se deixar, posso ficar ainda mais infame….)
“Os 100 melhores contos do Mirisola em que ele cita a Hebe Camargo”
Fique, Sil.
Hilário. Gostei do item 9, tá genial…
Humm, já que Almoço com as Estrelas falou do Mirisola… contos bolados na praça Roosevelt.
Sobre o número 4: Parênteses? Não é aspas não?
Aspas, claro, BCK. Essa doeu. Valeu o toque.
Contos escritos em torno da Mercearia São Pedro (aliás, ontem, se não me engano, foi lançada uma revista da Mercearia São Pedro). Para quem não é de SP, a Mercearia é um bar na Vila Madalena, quartel-general de vários “dos representantes da novíssima safra genial e dos que prenunciam a safra que virá depois da novíssima safra genial”.
Esse item 4 me deu uma nostalgia…
O mundo, cada vez mais, está se transformando em gavetas e compartimentos e escaninhos e especialistas e classificações e rótulos e brotoejas… bom, brotoeja saiu sem querer, mas não deixa de ser algo compartimentado em determinada idade etc. Enfim, o décimo primeiro item certamente deverá ser “Contos dos Comentaristas de Blogues” e o décimo segundo…etc. “Contos dos Etcéteras”.
Aliás, agregando ao já talvez não mais agregável, George Perec costumava exercitar tais escalofobeticices, tais usanças, tais engenhos. Em Minas, por exemplo, há um sujeito que só escreve, escreve, escreve, e toda vez que encontra uma vogal pela frente ele pula — pula a vogal e pula literalmente, salta, saltita, se é que me entendem. A categoria na qual ele entraria: “Contos Sem Vogais” ou “Contos do Mineiro que Pula” ou “Contos Só de Consoantes”.
Sérgio Rodrigues, que pessoal inspirado! Agora só posso mencionar o Miri, a São Pedro, a Roosevelt entre aspas ou no recuo (como citação).
Condizente com os dias de hoje sobraram-me os Contos do vigário!
Raquel: mais um pra lista: contos de caras que abrem a porrrrteêêra e dão em cima de todo mundo nos lançamentos de seus livros!
Raquel, pode ser os contos do Vigário também? hehehe
Ca de Sil, eu tambe estou esperando. ameaca e nao faz?
ô, Sérgio, pode incluir nessa “Todos os ‘Contos’ Não-Contabilizados Brasileiros”? …ou a seleção dos melhores “Contos na Cueca: Conta ou Repassa?”
Contos de quem brigou com o editor, com o revisor e com o diagramador, porque queria que saísse exatamente como bolou: uma palavra em cada página.
Rafael Rodrigues, claro! Contos do Vigário: variações sobre o mesmíssimo tema!
Letícia Braun, seria possível deixa o pobre do diagramador fora dessa?
(?_?) cara de quem é o último na cadeia alimentar antes da gráfica…
Rafael Rodrigues,
o título da coletâne saiu incompleto. Segue errata:
Título:
Contos do Vigário: variações sobre o mesmíssimo tema
Sub-título: e da importância do uso das Versais* na literatura contemporânea
* Versais conhecidas como maiúsculas, capitulares, caixa alta etc.
(rs) O exagero é real, mas temos que pensar, por outro lado, que essas antologias permitiram que chegassem aoi mercado editorial autores que nunca seriam lançados em livro-solo antes desse “ensaio”…
Raquel, infelizmente não dá. A quizila vai até a velha e boa heliográfica.
Quanto ao item 4, hoje em dia o word acabou com o travessão, convertendo os diálogos em listas de itens e os escritores, só pra não ter que dar ctrl+Z ao fim de cada fala acabaram tendo que usar aspas.
Nada, Renato! Tem atalhos prontos pros travessões: Médio: – (alt + 0150); Grande: — (alt + 0151). É preguiça mesmo!
Eu leria “Os ajustados” com prazer.