Michel Laub foi o primeiro a me chamar a atenção, via Twitter, para uma tensão de ideias entre o ensaio publicado este mês por Bernardo Carvalho na “piauí”, intitulado “Em defesa da obra”, e um post mais alentado que apareceu aqui no início do mês, assim que voltei das férias: Os indies, a morte da crítica e o caleidoscópio.
Os dois textos têm aspirações e fôlegos diferentes, mas tratam, no fundo, do mesmo tema, aliás quente demais para que se possa manuseá-lo sem queimar os dedos: o que muda nos velhos paradigmas da literatura – e da crítica – na era da internet. Nessa arena, segundo Laub, Bernardo é “pessimista” e eu, “+ ou – otimista”.
Pouco habituado a ver tal adjetivo associado a mim, fui procurar com interesse o texto antípoda, que passei então a recomendar a todo mundo. Bernardo Carvalho confirma mais uma vez ser um dos nossos autores mais antenados, além de talentosos. A certa altura diz o seguinte:
Numa entrevista recente ao “New York Times”, apresentado como modelo de escritor para os novos tempos, por saber se servir da gratuidade da internet para vender ainda mais livros, Paulo Coelho declarou que Borges foi a sua maior influência. E o entrevistador não o contestou. Seja porque não tinha condições críticas para tanto, seja porque isso não interessava ao objetivo da entrevista. Banidos os critérios da subjetividade, já não há como distinguir entre um texto de Joyce e um Paulo Coelho ou um apócrifo, por mais incoerente que seja a impostura aos olhos de um leitor educado. A única medida de prestígio passa a ser o número de acessos ou de leitores. Até aí, trata-se de um velho princípio de mercado. A única diferença é que, ao suplantar todo e qualquer valor subjetivo, o mercado agora permite a Paulo Coelho dizer que é herdeiro de Borges sem causar espécie.
(…) O valor da diferença é substituído pelo da quantidade. Hoje, temos acesso a tudo, mas sabemos cada vez menos distinguir uma coisa de outra. E é essa substituição, basicamente, que distingue a escola da internet. E a crítica da opinião. E o que faz da educação um paradoxo dentro dessa nova economia.
Descartar esse papo como “elitista” é fácil, mas não adianta nada: fica no campo dos sintomas e não do diagnóstico. No fim das contas, como não há necessidade de provar a vitória – evidente demais – de uma cultura global que transforma todo o conhecimento humano em ingrediente de geleia, com o apagamento das linhas de força que herdamos da tradição, resta decidir se esta é uma vocação estrutural da internet, como sustenta BC, ou se, num ato de fé, ainda é possível acreditar que o meio acabará por recriar espontaneamente medidas de aferição de valor que não se baseiem apenas em contagem de acessos, mas processem de alguma forma a tradição – com alguma medida de wishful thinking, é nisso que aposto em meu post.
Reconheço que esse otimismo é precário, e mais precário fica a cada vez que vejo pessoas inteligentes e bem informadas se deixarem reduzir no mundo digital a uma coleção exibicionista de frases de efeito que, naturalmente, têm menos efeito à medida que os dias passam, as bordas do pote de geleia se alargam, o cansaço se instala. Me vem à cabeça um artigo-calafrio de Laura Miller que comentei aqui no início deste ano:
As vítimas da TV, conforme as retratam seus críticos tradicionais, são marretadas até virarem engrenagens mudas e uniformes, e depois vendidas como consumidores dóceis para a Madison Avenue, suas individualidades sufocadas, suas verdades interiores silenciadas. Mas e se, com chegada de um novo meio que permite a todo mundo expressar suas verdades mais secretas e supostamente únicas, viermos a descobrir que milhares e milhares de pessoas estão dizendo mais ou menos a mesma coisa com mais ou menos as mesmas palavras? E se a individualidade que julgamos tão preciosa se revelar indistinguível da individualidade de incontáveis outros? Quão individual será ela, então? E se na verdade o “cascalho vulgar da banalidade” formos nós?
Em defesa da internet como veículo de pensamento crítico restaria, então, apenas isto: essa minha “conversa” com Michel Laub e Bernardo Carvalho se deu nela. Quantas outras não estarão se dando agora mesmo, atarefadas e nem sempre visíveis? Reconheço que é pouco, mas talvez não seja desprezível.
9 Comentários
Caro Sérgio Rodrigues,
Lendo seu post mais recente, ao menos para mim, sobre o Otimista com a internet, eu?, pensei em apresentar-lhe algumas conclusões, de forma rápida, que venho apontando sobre o assunto. Conclusões que coloquei no último encontro da AGES, Associação Gaúcha de Escritores, aqui em Porto Alegre, e, ao que me pareceu, foi bem recebida, mesmo na brevidade que o espaço permitiu.
Pois sobre a internet, e em especial a formação do novo leitor, tema alvo de um dos debates que contaram com a jornalista da Zero Hora, Claudia Laitano, a psicanalista e autora Diana Corso, os escritores Caio Ritter, Rafael Jacobsen, Armindo Trevisan, entre outros, falei que o que é preciso ser compreendido é que no meio digital em rede, o tempo e o espaço para a leitura é o que estão derradeiramente em jogo. Hoje, se disputa o olhar, e ler um livro em papel por mais de um minuto, pode não ser interessante para quem precisa de uma leitura de segundos para atrair o leitor para seu produto, seja este qual for.
Se perguntares aos participantes do evento, nem todos talvez se lembrem, mas pontuei brevemente sobre a importância de entendermos o desenho, para depois pensarmos em análises. Tal como na política, a cultura, e no nosso caso a leitura, é um campo em permanente disputa, em maior ou menor intensidade, prevalecendo a hegemonização de alguma corrente ou grupo em disputa com os demais.
Não falo aqui de política partidária, pois podes me tomar por alguém falando em nome das correntes internas do PT, em absoluto, falo é da realidade da internet, um campo tecnologicamente, conceitualmente e juridicamente em aberto e que segue ainda abrindo em direção incerta. E é nesse ponto que encontramos a resposta para os pessimistas com algum alento aos otimistas: a internet, se garantidos seus preceitos de neutralidade e livre acessibilidade, por ser um instrumento proporcionador de novos agentes, produtores de conteúdo e também consumidores, ou melhor, leitores, é um elemento infraestrutural em definição que por sua irá definir o futuro da leitura e da literatura.
Vou, porém, um pouco mais longe, afinal, a infraestrutura amarrada está no caldo da indústria cultural, e para encontrarmos uma resposta aos amigos literatos sobre os rumos da literatura, melhor caminho não há do que entendermos os rumos da indústria cultural, essa, que agora passou a absorver também a educação (inclua nisso o aumento crescente de ensinos a distância e interatividades educativas jamais sonhadas), as mídias, o turismo e a tecnologia da informação.
Enfim, assim como Paulo Coelho não é Borges, e Borges sempre será Borges, a geração TV começa a ceder terreno para a geração Games+MSN. Que, pela interatividade dessa nova geração, não permitirá ver “barrada” sua vontade de participar. É possível crer que essa batalha esteja somente começando e que certamente durará por mais algumas gerações, portanto, não nos precipitemos.
Com carinho,
PAULO TEDESCO
de fato, a construção da credibilidade, da crítica e da qualificação em um ambiente plenamente quantificado me parece a grande questão de hoje. Não sei qual a resposta, mas, na minha ingenuidade, penso que não encontraremos nem mesmo meia resposta se não colocarmos na equação o conceito de micronichos e o de rede enquanto pólos interligados com capital social, a priori, semelhantes.
Abs
Você está exigindo muito, quando imagina este repórter leitor de Coelho, quanto mais de Borges! Daí sua[dele!] ignorância e engolir a enormidade!
Mas, a falta de leitura de coisas mais extensas talvez degrade mesmo o pensamento. O futuro dirá. Mas estamos numa era onde os craques são os críticos e não o autor! :o)
Para ‘botar’ mais ‘condimento’ nessa discussão – que não é só literária, ao que parece, devido aos muitos interesses envolvidos (indústria cultural)- ver o link sobre SOPA
(Stop Online Piracy Act) no Observatório da Imprensa:
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/posts/view/sopa_um_mingau_politico_corporativo_de_dificil_digestao
Prezado Ed Lascar: Não quero botar mais lenha na fogueira, já botando, mas acho que nenhum crítico vive a vida inteira de estudos culturais. O autor ainda é figura insubstituível, seja na forma em que vier: de consumo imediato, rasteiro, a lá best-seller, ou de um consumo mais demorado, refinado mesmo, e aí no caso a gente sabe que existe ainda muita gente capaz e sofisticada intelectualmente: W.G.Sebald é um bom exemplo, embora tenha falecido não faz muito. Apesar disso, continuo não vendo aonde é que o autor moderno vai desaparecer, pelo menos no que ainda está pairando no horizonte, mesmo que ele se pareça distante e inalcansável.
inalcansável : inalcançável
Nunca imaginei que um escritor ‘top’ como o Bernardo Carvalho derrapasse ao escrever desta forma. Falta-lhe um encadeamento lógico das ideias neste ensaio. O sujeito aborda uma coisa para, na frase seguinte, abordar outra completamente distinta, sem gancho, sem uma sequência.
Parece-me que ele reuniu um conjunto de insights elegantes e emendou tudo com esparadrapo. Não se tem a sensação de um todo.
Você termina o post questionando quantas conversas desse tipo não estariam se dando agora mesmo…bem, um pouco antes de você ter publicado o texto da Ivana sobre os “Indies” eu e a poeta Angélica Freitas,numa dimensão menor e mais timidamente no Facebook, falamos sobre o projeto de Porto Alegre “Poesia no ônibus e no trem”. Ela duvidando do efeito positivo que o projeto teria,e questionando a validade devido a qualidade dos poemas. Eu me coloquei a favor do projeto, argumentei que o gênero poesia já é tão pouco divulgado, pouco lido e, de certa forma, recheado de preconceitos.Ótima oportunidade para torná-la ( a poesia) pública,divulgá-la, além de dar chance a novos possíveis autores. Nossa conversa morreu ali, mas eis que surgem várias discussões, não apenas sobre a qualidade do conteúdo dos textos que circulam na internet, bem como o que é “bom’ na arte em geral,e quem determina esse “bom”. Vamos seguindo essa discussão incansavelmente, pois ela já não é mocinha… continuamos nesse espaço internético perpetuando preconceitos e delimitando fronteiras, como se a literatura( artes) fosse um país no qual você precisa de visto de entrada, caso contrário será deportado. Acho essa discussão mais evidente na música,taí o Luan Santana e toda sua turma jogando na nossa cara sua fortuna e seus milhões de fãs- todos cantando, chorando por um pedaço da sua roupa, desmanchando-se em sentimentos como se ouvissem um soneto de Shakespeare. Discutir o talento é tão subjetivo como discutir sexo dos anjos ou quem veio primeiro, o ovo ou a galinha.
Borges, Guimarães Rosa, são da era pré-GOOGLE
e foram grandes, gigantescos, obrigado.
.
O GOOGLE é o grande escritor do nosso tempo…
e fim de papo.