O esquema escritor A e escritor B (aqui) é, obviamente, uma simplificação. Não duvido que haja infinitas formas, e não apenas duas, de uma pessoa vocacionada para escrever lidar com tal fato, fazê-lo caber em sua vida como um sofá de três lugares na sala. No entanto, quantas dessas formas não serão apenas variações em torno de A e B, sequências A-B?
Vamos admitir a verdade: a maior parte dos escritores e candidatos a escritor passa de uma letra à outra, e volta, ou fica, e vai de novo – quando não desiste de vez, claro – ao longo da vida.
A é autocobrança, compromisso com desempenho, longas horas empenhadas. B é amadorismo no bom e no mau sentido: o prazer lúdico que é íntimo demais para ter de prestar contas a críticos ou quem quer que seja, e também uma confiança um tanto cândida na mágica da inspiração.
Em termos assumidamente tão esquemáticos, é possível que só exista uma alternativa a A e B. Estamos falando, claro, de C – o A que pagou sua dívida, isto é, sente honestamente que pagou sua dívida e aí para, feito um personagem de Vila-Matas, feito um Raduan Nassar.
O C já foi A, mas não vira B. Pula fora do esquema dicotômico – ultrapassa-o. Deve ser uma sensação boa, ainda que eu não consiga imaginá-la.
11 Comentários
http://www.damniwish.com/wp-content/uploads/2011/09/ira-glass.jpg
bem isso.
Belo texto, não conhecia. Obrigado.
Último post ou vou parar no médico!!
Minha pergunta é a seguinte (sem esperar resposta):Parar por quê? Se escrever não dá mais prazer, acho que só resta mesmo parar. O Raduan Nassar mesmo andou se contradizendo num inédito que saiu no caderno do Instituo Moreira Salles sobre o mesmo autor.
Puxo um pouco mais. Skármeta só foi alcançar o sucesso depois de velho: O Carteiro e o Poeta, que todo mundo já viu. (como se o sucesso fosse mola propulsora do ato da escrita, oras, oras!!)
Fica aqui a minha pergunta: por que a gente sempre tem que ser o Nobel, o gênio por excelência, o maior de todos. Não basta as boas histórias, os bons personagens, o prazer em criar, em dar ritmo, em criar emoção na ponta dos dedos?
ESCREVER É UM PRAZER, Pô!!!!!!!!!!!!! Ñão estou dizendo que a letra B é a única e melhor opção, mas que a letra C também não é a última! Mas se B acabar sendo, justamente por falta de quem o publique, então que venha a B, e eu repito: mesmo assim, escrever não vai deixar de ser nunca um prazer, mesmo que só os netos o aplaudam. Reservadamente e em casa.
Lembrei de um caso de B típico: Guimarães Rosa. Ele só escrevia
inspirado, ou seja com prazer, embora já sendo profissional.
(escrevo a essa hora porque estou monitorando a febre alta do
meu filho) Abraços a todos.
Só existem duas opções, o resto é papo furado: escrever bem ou não escrever nada.
Completando: se aquilo que foi bem escrito vai ou não vai ser publicado, conhecido, reconhecido, aplaudido, é indiferente. O verdadeiro artista sabe em seu íntimo se fez algo que presta ou se está apenas barganhando consigo mesmo.
O verdadeiro artista faz por satisfação própria, nem sempre ele
precisa do reconhecimento. Se vier, é excelente, é claro, mas
também se não vier, pouca importa. Não vou amar os outros, se os
outros não me amam, é lógico isso!
Marcelo, reconhecimento e mesmo publicação são outro papo, uma questão posterior. Não têm nada a ver com a divisão entre A e B, que é íntima e está mais para algo como formiga e cigarra. Um abraço.
Sérgio,
em que medida a profissão de escritor destrói a crença na cândida mágica da inspiração?
Você já deve ter respondido isso muitas vezes, mas não tive o prazer de ouvi-lo numa oficina ou palestra, então pergunto sobre essa medida para ter noção de como o escritor senta-se pela manhã diante da planura e traça, por 3 ou 4 horas seguidas, por anos a fio, como disse fazer o Gonçalo Tavares, os caminhos dos seus personagens.
Abraços.
Guilherme, talvez uma postura profissional destrua a candura, no sentido da ingenuidade, mas não a mágica. Pelo contrário, nos casos mais felizes a tal “inspiração”, seja lá o que isso for, multiplica suas aparições. O que não tem muito mistério além da constância, da persistência. Um abraço.
Links e Notícias da Semana #65
Eis a questão: escrever ou não escrever. O preferível talvez fosse não fazê-lo, à moda de Bartleby, mas aqui estamos, se não fazendo literatura, ao menos conjeturando. Que consolo. Melhor seria, quem sabe, traficar armas no Norte da África, mas Rimbaud só houve um.
Você complicou muito com este esquema de escritor A ou escritor B. Se você foi presenteado com o Dom de escrever, não negur o Dom. Simplismente, escreva. Oras. A interpretação é particular.
Essas classificações não existem. Ou se tem vocação ou não. Os “amadores” não escrevem, eles redigem.