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Papo de mulher

13/03/2009

Este artigo de Katha Pollitt para a revista eletrônica Slate (em inglês, acesso gratuito), a propósito do livro A jury of her peers – American women writers, de Elaine Showalter, lida de forma inteligente e pouco previsível com um assunto que a moda dos estudos culturais transformou nos últimos tempos em algo bastante burro: a questão do gênero na literatura. O texto passa longe de defender a compartimentação do mundo em prateleiras rotuladas (gay, negra, feminina), uma visão em que, de modo um tanto bizarro, universidade e indústria editorial têm se dado as mãos. Mas também não deixa de reconhecer que descartar o debate com um simples muxoxo – como quem diz “é tudo literatura, só me interessa a qualidade” – seria fechar os olhos para aspectos importantes da questão. Vale a pena ler a resenha inteira. Gostei principalmente do exercício de imaginar uma certa Janet Franzen, autora de “As correções”:

Muitas escritoras já se queixaram de que a ficção escrita por mulheres é subestimada porque nós subestimamos os temas domésticos e pessoais em oposição aos grandes assuntos masculinos como guerra e caça à baleia. É um argumento importante, mas eu acho que ocorre algo mais profundo. Na verdade, há homens que escrevem sobre a vida íntima e mulheres que atacam os grandes debates públicos. Mais diferente do que os livros em si é a moldura de gênero em que os lemos. Ninguém diz que Henry James é um escritor menos ambicioso por ter escrito “Retrato de uma senhora” e não “Retrato de um capitão-de-mar-e-guerra”. Se “As correções” tivesse sido escrito por Janet Franzen, será que o veríamos não como uma tentativa de arrebatar o troféu de Grande Romance Americano, mas como uma história doméstica muito boa, porém temperada por floreios futuristas que não chegam a dar tão certo? Se o mais prolífico dos escritores americanos sérios fosse John Carroll Oates, ficariam os críticos tão perturbados pela violência da sua ficção? Talvez nós enfatizemos elementos diferentes em livros similares, notando apenas as provas que confirmam nossos preconceitos de gênero – e dando aos homens com mais freqüência o benefício da dúvida também.

6 Comentários

  • Rafael 13/03/2009em15:21

    No artigo, está escrito:

    “Gertrude Stein is a difficult and frustrating writer, but so is the Ezra Pound of The Cantos and the James Joyce of Finnegans Wake, and nobody serious calls them (as Showalter does Stein) basically frauds.”

    Bem, sempre achei Os Cantos do Ezra Pound basicamente uma fraude. Otto Maria Carpeaux, no último volume da História da Literatura Ocidental, diz que Os Cantos são obra de “um gênio malogrado; um fracasso grandioso.” E também afirma: “os belos poemas, impressionantes ou interessantes de Pound (…) na sua maioria, não são seus. São adaptações virtuosíssimas de Litaipo, Catulo e Propércio, dos trovadores provençais e de Dante, Villon e Ronsard, Rimbaud e Mallarmé, etc., etc.”

    É possível, pois, uma crítica que lança o olhar para além das diferenças de gênero.

  • Sérgio Rodrigues 13/03/2009em15:54

    Sem dúvida é, Rafael. O que não invalida o argumento da resenha de que isso não costuma ser feito – juízos particulares à parte, pouca gente livra a cara de Gertrude Stein e muita gente não só livra a de Pound como o venera. (Vamos deixar de lado um minuto, em nome da simetria do raciocínio, a objeção de que Pound é mesmo mais interessante que Stein.)

  • kylderi 13/03/2009em16:33

    Na 2ª linha, a tradução deve ser “subestimamos” mesmo? Parece incoerente.

  • Sérgio Rodrigues 13/03/2009em16:37

    É isso mesmo, Kylderi. Não vejo incoerência. Quando diz “nós”, ela se refere ao público em geral.

  • Noga Lubicz Sklar 13/03/2009em19:05

    Uai, gente, J.K. Rowling pra que ninguém perceba o sexo? E eu que nunca tinha pensado nisso? Uma palinha inocente do meu novo livro que será, como os demais, corajosamente publicado sob um nome feminino completo, destinado, portanto… ah, melhor deixar pra lá:
    “No processo de gestação da moderna literatura inglesa, a obra de [Jane] Austen tem certamente o seu lugar cativo, mas não entre os estilos parodiados por [James] Joyce em “O Gado do Sol”, aliás, vem cá: será que a lista de honra dele chegou a incluir alguma escritora?”

  • Lya Tapajós 14/03/2009em11:17

    Pois é, e quando lembro dos dias que dediquei ao Finnegan’s Wake, usando até uma espécie de mapa indicado para ler o livro – acreditando que facilitava a compreensão – e detestando-o do mesmo jeito… hoje me dá até vontade de rir.