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Para ‘país de leitores’ e ‘potência olímpica’, falta trabalho

15/08/2012

Quem vê televisão aberta já deve ter esbarrado com o filmete em que Elisa Lucinda, poeta e declamadora, fala da importância dos livros em sua infância e adolescência. Em torno do bordão “Leia mais, seja mais”, está no ar (mais) uma campanha de incentivo à leitura promovida pelo Ministério da Cultura, com investimentos, este ano, de R$ 373 milhões – leia mais aqui.

Sempre fico meio triste diante de iniciativas do gênero. Não que elas não sejam importantes e necessárias: até hoje me lembro da campanha “Ler é sonhar, ler é viver”, dos anos 1970, que tinha um jingle maneiro. Não sei se ela formou algum leitor, mas levava sobre a atual a vantagem de não apelar para um contraproducente imperativo – “Leia! Seja!” “Eu não!” – e me ajudou a me sentir menos extraterrestre, eu que era um solitário leitor compulsivo rodeado de não-leitores sarcásticos.

Se as iniciativas são simpáticas, concentrar em campanhas culturais o esforço da “formação de leitores” é semear em solo árido. Sem um profundo – lento, custoso e politicamente pouco rentável – avanço educacional, os resultados serão sempre magros. E esse avanço não está no horizonte.

Aqui e ali, isoladamente, uma semente mais bem dotada pode até vingar, mas não passará disso. O erro é análogo ao da obsessão – bastante atual – em transformar o Brasil numa “potência olímpica” só com investimentos em atletas de ponta, sem a sabedoria e a paciência de integrar a prática maciça de esportes à formação educacional da população e esperar que o tempo faça o resto.

A verdade é que o Brasil está muito longe de ser um país de leitores. Em relação à Argentina, que o é faz tempo, estamos atrasados um século e meio, ainda à espera de um presidente como Domingo F. Sarmiento (1868-1874), que transformou a educação pública universal e de qualidade em prioridade absoluta.

O caminho será longo. Antes de se candidatar a ser um país de leitores, o Brasil precisará deixar de ser um país que – nas escolas, nas ruas, campos, construções – despreza a leitura. E precisará sobretudo deixar de ser um país em que os índices de alfabetização plena estão em franco retrocesso.

O recém-divulgado Indicador de Alfabetismo Funcional de 2011 (Inaf), pesquisa conduzida pelo Instituto Paulo Montenegro e pela ONG Ação Educativa, pinta um quadro alarmante: na última década (em relação a 2001-2002), o percentual de brasileiros plenamente alfabetizados caiu de 49% para 35% no ensino médio e de 76% para 62% no ensino superior! Apenas um em quatro brasileiros pode ser considerado plenamente alfabetizado, ou seja, capaz de “dominar plenamente as habilidades de leitura, escrita e matemática”.

Só um alfabetizado pleno – quarto e último degrau de uma escadinha que começa no analfabeto e passa pelo analfabeto funcional e pelo alfabetizado em nível básico – pode ser leitor de literatura. Também só ele, apreciando literatura ou não, pode ser um bom médico, um bom engenheiro, um bom economista etc.

“Leia mais”? Beleza. Que tal ensinar?

16 Comentários

  • Cristiani Travassos 15/08/2012em19:12

    Ao ler a reportagem fique realmente surpresa em saber que, em um país que está muito preocupado em gastar dinheiro do povo em uma Olipíada e em uma Copa do Mundo ,se preocupa em ter um povo alfabetizado.Educar civilizadamente , ou seja, ter escolas adequadas e profissionais qualificados custa muito aos cofres públicos.Diminuir os impostos para que os livros sejam mais viáveis aos bolsos da população , construir escolas é péssimo para economia do país; é melhor utilizar o dinheiro construindo estádios de futebol. Contudo ,antes de gastar mais verba pública com uma campanha inadequada , deveriam se preocupar em oferecer o que falta a sua população : Educação , saúde , saneamento , segurança …

  • J. Coelho 15/08/2012em19:32

    Com U$ 60 em material/turma a Tailândia alfatezizou sua população em 10 anos, fazendo ainda uma alfabetização em inglês. Com esse dinheiro poderíamos alfabetizar 2,9 milhões de brasileiros.
    Conheço o que fez o país citado, bem como, junto com os rotarianos traduzimos o livro, que é doado, porém nossos administradores, professores, etc., não querem ensinar, querem apenas receber seus 10% (ou mais, ou seus salários, etc.
    Não adianta propaganda, cotas e outras maracutaias, mas sim, melhorar a capacidade dos professores da base.

  • Terezinha 15/08/2012em19:40

    Se os professores não forem ouvidos, nada mudará. Enquanto tivermos que considerar “alfabéticos” alunos que só identificam letras bastão, enquanto não pudermos ensinar gramática ou tabuada, enquanto formos obrigados a “treinar” os alunos para o SARESP, como melhorar? Não há professores decidindo o que fazer, todos são “especialistas” sem nunca terem lecionado, nós é que sabemos o que é necessário, nós é que sabemos o que se passa nos dia a dia. Saber parlendas e cantigas é muito bom, porém, elas não podem ser a base para a alfabetização das crianças. Saber quai são os estados e as capitais brasieiras? Pra quê? Não consta no currículo. Verbos? nem pensar! Nós estamos presos a um “modelo” inventado para nivelar por baixo os alunos e deixá-los seguir em frente mesmo que isso signifique chegar ao nível médio ou superior sendo analfabetos funcionais. O que nós, desprestigiados e sempre culpados professores podemos fazer? Quem sabe um dia alguém nos pergunte (e escute bem) o que temos a dizer para que haja esperança de melhora na educação!

  • Alberto Ricardo Prass 15/08/2012em20:09

    A matéria é ridícula. Não há nada errado com a campanha. Temos mais de 100 milhões de pessoas que sabem ler e a maioria delas não leem. É esse o foco da campanha. A parte do governo está certa. O resto cabe as famílias.

  • Lina 15/08/2012em20:30

    É por meio dos livros e da leitura deles que uma pessoa deixa de ser pobre.
    A pobreza, bem antes de estar no bolso (dinheiro) está na cabeça (cérebro).

    Mas, o povo brasileiro, com honrosas exceções, não gosta de ler e os que leem são ou invejados pelos que não leem ou ironizados (os sarcásticos).

    Pobre Brasil, país de hipócritas ambulantes, povo passivo, não teem senso do ridículo, não teem senso crítico. São uns verdadeiros “jeca tatu”.

    Como é bom conversar com uma pessoa que lê muito e tem vivência de vida. Conversa boa. A hora voa. O nível da conversa é outro.

    Ficam vendo novela, assistindo futebol, vendo programas populistas de TV, fofocando vida de celebridades, bisbilhotando a vida alheia… A mediocridade só aumenta.

    Do jeito que a coisa vai, NUNCA o Brasil vai ser uma nação respeitada. Apenas alguns valores aqui ou ali, nada que valha a pena para uma população de quase 200 milhões de habitantes.

    País rico é país que valoriza e incentiva a educação de QUALIDADE. E a leitura está inserida nessa E D U C A Ç Ã O.

    Por este motivo é que considero o desgoverno passado um dos piores que tivemos: inverteu os valores e a qualidade que já não era lá essas coisas piorou e muito. Mais gente estudando; e daí. Um papel na mão – o diploma – , algumas lágrimas de emoção dos pais e os péssimos profissionais no mercado, quando conseguem emprego ou subemprego.

    A VERDADE DÓI, COMO DÓI…
    “QUANTO MAIOR O CONHECIMENTO MAIOR A DOR”.

  • Jose Roberto Marmo 15/08/2012em23:09

    Caro Sérgio, Não é só nos campos nas ruas e nas escolas que se despreza a leitura não. Não nos esqueçamos que o Presidente anterior falava com orgulho que nunca lera um livro e ainda assim chegou à presidência ,num claro deboche a pessoas como nós .

  • SEBASTIAO 15/08/2012em23:27

    Nestes ultimos anos o Governo do PT investiu em cotas,aumento desordenado de cursos superiores em todos os buracos,aumentando a gastanca do dinheiro publico com um unico objetivo o voto.Estes preguicosos que passaram a vida toda sem trabalhar e fazendo greve vai ser a a favor de ensino de qualidade onde venca os melhores.Nao.
    Ja que este Pais e uma esculhambacao,sou a favor de concursos publicos e privados com a cota.Adoraria inclusive que isto fosse feito para todo o judiciario brasileiro,onde os cotistas desputariam com os cotistas,temos que respeitar os cotistas.

  • Luciana A P 16/08/2012em00:13

    Nunca vai ser demais falar sobre o hábito da leitura, num país de analfabetos funcionais!!! Criticar uma campanha para incentivo da leitura? Não dá para entender! O nosso povo precisa ler, ler coisas boas…A leitura realmente pode transformar um cidadão em alguém que exerce cidadania!!!! Não vi a campanha, mas se o objetivo é o incentivo à leitura, tem meu apoio!

  • Amanda Arruda 16/08/2012em02:06

    Falando sério:

    Venho externar minha indignação, esse papo de índice do MEC onde as escolas tem que está aptas ao crescimento estipulado pelo governo, tem deixado as crianças do nosso país entregues as baratas, principalmente aquelas que assim como eu usam/usaram o sistema público de educação.
    Eu aprendi tabuada pegando bolo sim!!!Me esforçava para acertar, não concordo com essa metodologia, mas eu garanto que é bem melhor do que a que fazem na escola do meu irmão, ele chega sempre com o boletim azul, mas só tem aprendido aquilo que a minha família se esforça para ensinar em casa, fico pensando nas crianças que não tem esse acompanhamento, como ficam??Jovens e adultos frustrados que compram certificações para poderem se empregar e viver de baixos salários.
    Enfim, é exatamente assim que este governo que manter as classes que depedem dele e que os elegem o que é pior, pessoas alienadas desprovidas de conhecimento básico.
    Professores com baixos salários, escolas sem condições básicas, onde está a pedagogia será que alguém ainda sabe o que é isso??
    Esse meu relato é para você que vai votar no amigo, no vizinho, no colega da família, no fulano que o Beltrano indicou, pense bem seu VOTO pode ajudar ou piorar esse quadro, sei que milagre não vai ser feito, mas o poder está na ponta dos nossos dedos, veja se o seu candidato fez ou faz algo para merecer exercer tal função, você pode não sofrer prejuízos, mas com toda certeza colabora para aumento de assaltantes, assassinos, baderneiros que com toda certeza vão se formar dentro de escolas como que tratam educação como lixo.

    #indignada

  • trocando o nickname 16/08/2012em02:10

    Caro Sergio Rodrigues,
    Sou leitor assíduo dos jornalistas Reinaldo e Augusto Nunes.Já comentei
    por lá, que aqui na periferia é RARIDADE encontrar alguém que tenha o
    habito de ler.Encontrei apenas uma garotinha de 13 anos que disse gostar
    de ler, eu a presenteei com vários livros, uns 10 mais ou menos.

  • Claudio Faria 16/08/2012em08:59

    E pensar que aquele boçal que tivemos como ex-presidente se orgulhava de jamais ter lido um livro sequer…

  • Claudio Faria 16/08/2012em09:00

    Errei: eu quis dizer “aquele boçal que tivemos como presidente…”

  • Marcelo ac 16/08/2012em14:03

    Muito interessante a matéria, e válida também, porque não coloca o ponto de vista como aspecto pessoal, partidário, ou o que seja. Mas embasa o argumento em dados concretos, por exemplo nos tristes números do Indicador do Alfabetismo Funcional de 2011 (Inaf). Enquanto colocarmos a culpa nesse ou naquele presidente, nesse ou naquele partido, a educação no Brasil vai continuar patinando como numa casca de banana.

  • Afonso 17/08/2012em10:37

    Parece que esta discussão sempre acaba por se transformar num cabo de guerra partidário – a questão é bastante complexa, e verdade que não exclui uma política realmente séria de investimentos em Educação. Mesmo o estado de S.Paulo amarga índices pouco promissores nessa área (apesar da adoção da tão falada meritocracia, da preocupação obsessiva com o SARESP etc.). Houve um aumento de recursos (e há programas federais vários, basta visitar as páginas do MEC para conhecer um pouco mais) disponíveis, que, embora não sejam os ideais e desejáveis, oferecem uma gama de possibilidades aos governos municipais, por exemplo. Mas há de se lembrar que existem os escaninhos burocráticos (senão das más intenções) em que se ‘perdem’ muitos recursos. E a questão não é somente de um partido ou governo, deve ser de toda a sociedade – todos deveriam ‘abraçar’ a escola pública, lutar pela qualidade dela. Mobilização seria uma palavra apropriada, talvez. O gosto pela leitura precisa de ‘sedução’, mas também de muito esforço.