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Parece um parecer

01/02/2007

O livro, sem chegar a ser inteiramente ruim, não deve ser publicado. Padece de uma indefinição estético-político-existencial que, no fim das contas, boicota aquelas boas páginas de prosa poética às quais a narrativa chega, aqui e ali, como se topasse com inesperados mirantes adoráveis numa caminhada por montanhas de mata fechada, entre nuvens de borrachudos. A autora é notória e ativamente homosssexual, como sabem os leitores de colunas sociais. Isso poderia ser meio caminho andado. Infelizmente, seu romance sobre um grupo de vendedoras da Avon nos anos 70 não tem pegada – nem pegação – suficiente para ser literatura gay. Tampouco tem sensibilidade suficiente para ser literatura feminina. Terá, então, ódio suficiente para ser literatura feminista? Também não. Difícil saber o que pretendia a autora. (Fazer literatura com L maiúsculo? Essa é muito boa.) Sua indefinição de gênero – em diversos sentidos – se estende também à forma literária. Melodrama? Farsa? Sátira social? Alegoria? Tragédia? Prosa experimental? Nenhuma das alternativas acima? Todas? Definitivamente, o que “Tantas lindas campainhas esgoeladas” tem de melhor é o título. Pode valer a pena encomendar à autora um novo livro para acompanhá-lo.

O texto acima teria sido encontrado na lata de lixo de uma grande editora, se não fosse ficcional.

27 Comentários

  • Antônio Augusto 01/02/2007em11:41

    Sérgio, parabéns pelo “Tantas lindas campainhas esgoleadas”.
    Merece virar título e “um livro para acompanhá-lo”.

  • Clarice 01/02/2007em11:45

    Caí direitinho. rsrs
    A medida que ia lendo os olhos iam se arregalando cada vez mais (cacoete meu).
    Pela primeira vez eu não dei uma olhada toda e justo no texto que eu mais precisava.
    Eu adorei, Sérgio.
    A medida que lia minha mente seguiu este percurso “- mas que diabo é isto? Quem é esta? Que misturada é esta? Avon? Mas até que tem umas ironias boas. O quê! “Tantas lindas campainhas esgoeladas” Cruz… “

  • Clarice 01/02/2007em11:47

    Ah! Claro! Parabéns pele texto! rsrs Uma beleza! rsrsrs

  • adriana rocha 01/02/2007em12:53

    Arrisco dizer se tratar de um (a) personagem serial killer travestido (a) de vendedor (a) da Avon, fazendo suas vítimas entre serenas donas-de-casa e com um método especialmente cruel…as tais campainhas esgoeladas…E o Hikmet, Sérgio (pergunta feita nas suas férias…)?

  • Luiber 01/02/2007em17:28

    A crítica desperta a curiosidade.
    Que diabos será que essa mulher escreveu?
    Vamos viajar na maionese. Se virar filme, perece coisa de quem? David Linch? Almodovar?

  • Sérgio Rodrigues 01/02/2007em18:00

    Valeu, Antônio Augusto e Clarice. Assim eu me empolgo e acabo publicando mais notas ficcionais aqui. Promessa ou ameaça – a critério de cada um.

    Adriana, desculpe mas não me lembro: qual foi mesmo a pergunta feita nas férias?

    Luiber, quem tal os irmãos Coen?

  • Roberto R. 01/02/2007em19:41

    O texto me lembrou aquelas brincadeiras do Umberto Eco no “Diário Mínimo”. Você já leu, Sérgio? Tem um capítulo em que ele faz uma série de pareceres editoriais (todos negativos) para livros como a Bíblia, O processo, Dom Quixote…

  • Lu 01/02/2007em20:34

    Seria do Kaufman.

    Certeza. =)

  • Silviano Wilson Martins Tinhorão Piza 01/02/2007em21:35

    Sergio, tu não vais postar aqui no teu site um especial homenageando o grande escritor Sidney Sheldon que acaba de falecer? O homem foi um dos grandes. Não é qualquer um que vende 300 milhões de livros. Estou muito sentido com a partida dele. Grande contador de histórias o Sidney. Muito superior aos Ruffatos, Marcelinos e Galeras da vida.

  • Silviano Wilson Martins Tinhorão Piza 01/02/2007em21:38

    Morre aos 89 o escritor americano Sidney Sheldon

    Sidney Sheldon, um dos escritores mais produtivos da literatura americana contemporânea, morreu aos 89 anos, devido a complicações causadas por uma pneumonia, anunciaram fontes próximas à sua família.

    A morte de Sheldon, que ganhou um prêmio Emmy pela série de TV Jeannie é um gênio e começou a escrever romances aos 50 anos, após bem-sucedida carreira como roteirista, ocorreu no Centro Médico Eisenhower, em Los Angeles, segundo o seu agente, Warren Cowan. Junto ao leito estavam sua mulher, Alexandra, e sua filha Mary, quem também é escritora, acrescentou.

    Sheldon foi um dos primeiros escritores americanos a usar em seus romances, cheios de suspense, emoção e sensualidade, elementos das atuais séries de televisão. Entre suas obras estão títulos como A ira dos anjos, O Outro Lado da Meia-Noite e Se Houver Amanhã, e outras que foram adaptados para o cinema e a televisão.

    “Escrevo meus romances de modo que quando o leitor termina um capítulo, tem que ler o outro. É a técnica das séries de televisão, de deixar ao leitor pendurando no abismo”, explicou, em entrevista concedida em 1982.

    Nascido em 17 de fevereiro de 1917, em Chicago, Sheldon começou a escrever ainda criança, especialmente poemas. Vendeu o primeiro por US$ 10, quando tinha 10 anos. Chegou a Hollywood aos 17 anos e iniciou sua carreira com a leitura de roteiros para os estúdios Universal.

    Depois da Segunda Guerra Mundial, na qual foi piloto da Força Aérea, mudou-se para Nova York, onde escreveu e editou musicais para a Broadway. O sucesso com obras como A Viúva Alegre e Redhead que lhe valeu um prêmio Tony, levou Sheldon de volta a Hollywood, onde escreveu o roteiro de The Bachelor and the Bobbysoxer (1947), com Cary Grant, Myrna Loy e Shirley Temple, e recebeu o Oscar.

    Sheldon nunca foi um escritor elogiado pelos críticos, que não encontraram méritos literários em suas obras. No entanto, ele se orgulhava da autenticidade de seus romances e afirmava que escrevia sempre sobre o que tinha experimentado na própria carne.

    “Se falo de um jantar na Indonésia é porque estive ali e comi do que falo. Não acho que um possa enganar o leitor”, disse, numa entrevista, em 1987.

    Sheldon considerava o romance o seu meio preferido de expressão. “Adoro escrever livros. Quando escrevo, gozo de uma liberdade que não existe em nenhum outro meio”, explicou.

  • Silviano Wilson Martins Tinhorão Piza 01/02/2007em21:40

    A literatura brasileira precisa mesmo é de um Sidney Sheldon. Já chega esses arremedos de John Fante e Rubem Fonseca. Assim como o cinema brasileiro precisa de um Steven Spielberg, mas todo mundo aqui quer é ser Glauber Rocha.

  • Noga Lubicz Sklar 02/02/2007em07:37

    O problema do editor é expressar, no dia-a-dia, a sua raiva existencial, que pra falar a verdade, nem sei de onde vem. O do autor, engolí-la. Na vida real um comentário desses, no máximo, circularia por email dentro da empresa, porque o autor, quando recebe um parecer, não passa de um não-recomendado-para-publicação lacônico, quase sem energia para escapar do buraco negro que engole, inconsciente, os originais. Certo. Meu problema é outro. Tendo sido sumariamente recusada – e sem parecer nenhum -, e resolvido enfrentar uma terceira revisão… Nossa. Me constrangi tanto com o texto. Com a tesoura na mão saí cortando, cada vez mais envergonhada. Pretendi, sim, como a personagem do Sérgio, fazer literatura com L maiúsculo. E acabei num amontoado patético de palavras que julguei um dia – por mais de 365 dias – e sem falsa modéstia, brilhantemente poético. E agora? Tenho trabalhado com a sensação de tirar um monte de esterco de cima de uma florzinha, coitada, lutando pra sobreviver. O pior é a minha culpa por ter obrigado algum pobre estagiário de editora a ler aquilo. Luto contra o meu impulso de enviar uma carta de desculpas. E então? Vocês acham que devo?

  • fat james 02/02/2007em10:00

    Concordo com o comentário do Roberto: Diário Mínimo e também o Segundo Diário Mínimo realmente são ótimos.

  • Tibor Moricz 02/02/2007em14:44

    Noga, normalmente os estagiários que lêem os originais com a intenção de avaliá-los, não sabem a diferença entre um livro de receitas e as Ilíadas. Desculpas? De jeito nenhum. E não faça revisões demais. Você corre os risco de descaracterizar o seu trabalho.

  • Júlio 02/02/2007em15:59

    Sérgio, que tal Tim Burton? A vendedora de Avon dele, Diane Wiest, no filme Eward Mãos de Tesoura é magnífica…hehehehehe

  • adriana rocha 02/02/2007em16:02

    A pergunta feita nas férias, Sérgio, foi: “Por que o poeta turko Hikmet (esqueci o primeiro nome) ainda não foi publicado no Brasil?”. Foi quando você apresentou uma lista dos estrangeiros publicados aqui em 2006… Aliás, acabou que um turco ganhou o Nobel de Literatura ano passado. Só consigo ler o Hikmet na internet, depois que o descobri numa citação feita num filme, porque os livros importados ainda são um tanto caros para o meu bolso…Gostaria que você o comentasse um dia desses…abraço!

  • Sérgio Rodrigues 02/02/2007em16:10

    Adriana: nunca li Nazim (este é o primeiro nome dele) Hikmet, mas tradução de poesia é assunto complicadíssimo. Até porque boa parte é, na minha opinião, intraduzível mesmo. Acaba dependendo muito mais da paixão de algum poeta-tradutor daqui pela obra do cara do que de puras decisões editoriais. No caso do Hikmet, que morreu faz tempo, não sei a quantas poderia andar esse interesse no Brasil. Um abraço.

    E Júlio, concordo que Tim Burton poderia funcionar.

  • Clarice 02/02/2007em18:09

    Sérgio, próximo texto.

  • Clarice 02/02/2007em18:10

    Desculpe, quis dizer próximo post.
    Mas depois desde eu fiquei com a certeza de que você lê as besteiras que a gente escreve aqui.

  • Clarice 02/02/2007em18:10

    “desde” não. “desTe”.

  • ombudsman 02/02/2007em18:23

    bom plágio de Umberto Eco, parabéns

  • Antônio Augusto 02/02/2007em19:45

    Há referências ao Nazim Hikmet nas memórias do Ilya Ehrenburg, editadas em seis volumes pela Civilização Brasileira, publicação iniciada na segunda metade dos anos 60 – depoimento muito importante do escritor russo, um panorama cultural e político de grande parte do século XX. Certamente Pablo Neruda, na sua autobiografia, “Confesso que vivi”, deve falar também do poeta turco – cito de memória, daí o resíduo de reserva.
    Fala-se de Hikmet como de poeta capaz de tudo transformar em poesia, condição assegurada a poucos poetas.
    Li diminutos fragmentos dele, mas percebi estar diante de um poeta maior.
    Bem-vinda e necessária uma tradução em português do Brasil, mesmo que de segunda mão, dadas eventuais dificuldades de tradução do original.

  • Antônio Augusto 02/02/2007em19:47

    Desculpem-me, Ehremburg, nasceu em Kiev, portanto na Ucrânia.

  • Antônio Augusto 02/02/2007em19:50

    Está difícil, correndo para a saída das sextas, Ehrenburg, com n.

  • Sérgio Rodrigues 02/02/2007em20:27

    Ô ombudsman, vais ganhar uma resposta (imerecida) em consideração ao pessoal aqui: nunca li o tal livro do Eco, recomendado pelo Roberto R. Lerei. Consta que ele faz pareceres editoriais sobre livros consagrados, grande idéia. Eu inventei um livro, ou seja, passarias menos longe do alvo se invocasses Borges. De qualquer maneira, duvido que o Eco fale de vendedoras da Avon.

  • adriana rocha 02/02/2007em23:12

    Pois então, Sérgio, esta paixão pelo cara que se vai traduzir eu entendo. Quem teria traduzido João Guimarães, o Rosa, se não fosse em virtude de pura paixão, por maior que ele seja. Tomara que apareça alguém, não é Antônio Augusto? Porque maior o Hikmet é mesmo, tenho certeza. Abraços a todos.

  • fat james 03/02/2007em13:05

    Comprei em um sebo as memórias de Ehrenburg. Sò ficou faltando o volume 5, justamente o que trata sobre a segunda guerra. Se alguém tiver e puder emprestar, ou mesmo se souber onde posso conseguir, agradeço.