Os admiradores de Christopher Vogler, que não são poucos, dizem que seu livro “A jornada do escritor – Estruturas míticas para escritores” escapa do clichê tipicamente americano do “guia para ensinar qualquer um a se tornar qualquer coisa”. Bem mais do que isso, afirmam que o livro, ao propor para todas as histórias do mundo um passo-a-passo mitológico (a “jornada” propriamente dita) e, para os personagens, uma série de modelos baseados em arquétipos, torna-se uma ferramenta valiosa que ajuda até escritores experientes a refletir sobre aspectos estruturais mas normalmente nebulosos de sua criação – sobretudo em relação ao enredo e ao desenvolvimento de personagens.
Os detratores de Christopher Vogler, que também não são poucos, afirmam que ele nada mais faz do que se apropriar das lições do mitólogo Joseph Campbell, seu conterrâneo e guru, e diluí-las com água e açúcar num livro que pretende ser uma pedra filosofal, um molde infalível para a criação de histórias cheias de ressonância. O que, obviamente, é apenas uma ilusão. Esses detratores vão mais longe e dizem que o livro acaba servindo de muleta para gente sem imaginação – basta dizer que é voltado em primeiro lugar para roteiristas americanos, os mesmos que têm transformado a maioria dos filmes de Hollywood numa repetição insuportável de três ou quatro fórmulas. Não é à toa que, na parte final do livro, para demonstrar seu “método”, Vogler se dedica à análise de três filmes de sucesso: “Titanic”, “O Rei Leão” e “Pulp fiction”.
Será possível ficar, sem esquizofrenia ou apego ao muro, com as duas opiniões? Pois eu fico. O livro de Vogler consegue dar razão a ambas, numa alternância que às vezes ocorre dentro do mesmo parágrafo. Antes que vejam nesta nota uma reedição do truque de Pilatos, vale frisar que ela é, na verdade, uma recomendação a todos os que trabalham com literatura: que tirem suas próprias conclusões lendo – sem esquecer de manter um pé atrás – a segunda edição revista e ampliada de “A jornada do escritor” (Nova Fronteira, tradução de Ana Maria Machado, 448 páginas, R$ 39,90).
5 Comentários
A jornada do escritor de Vogler, como Sergio disse, é fundamentada no monomito da jornada do herói, que Campbell tão bem detectou nas mitologias do mundo e tão maravilhosamente explicou. O que poucos dizem, até porque não percebem, é que cada um de nós vive em seu dia-a-dia a jornada mítica do herói, contracenando com os arquétipos, abandonando a terra segura das velhas certezas, partindo rumo a aventuras perigosas nas terras dos novos valores a assimilar, morrendo e renascendo.
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Esse antiquíssimo roteiro foi exposto no sec. 20 por Carl Jung, que o chamou de “processo de individuação” e que é a base de sua psicologia analítica. O mito da jornada do herói, a jornada do escritor e o processo de individuação são a mesma coisa contada para públicos diversos. Porém, seria muito útil aos candidatos a escritor conhecer as idéias de Jung e saber reconhecer em seu próprio dia-a-dia o andamento desse tal processo de individuação pois a vida individual de cada um contém inspiração e roteiro suficientes para a criação de boas histórias.
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Ricardo Kelmer
http://www.ricardokelmer.net
gostei da dica, vou dar uma olhada. Já li, na verdade por alto, os textos do Jung a respeito. Leio há algum tempo o do Campbell (“O Herói de Mil Faces”), interessantíssimo. Mas, se imagino corretamente, talvez Vogler se pretenda um… “Syd Field da literatura”, estou certo? e isso já se mostra como rotineiro em uma estrutura onde o capital manda que se recicle, mesmo que inutilmente, velhos em ‘novos’ produtos, e se venda, venda, venda. Se assim for, prefiro ler ‘no original’. Mas vou procurar uma livraria pra ter certeza, como você disse.
Eu gosto muito da idéia: ler tudo e todos, tirar conclusões. Mais ou menos como Sócrates. Incitar e obter respostas. A curiosidade nos mantém atentos e nos dá razões para viver.
O Kelmer, acima, tem razão quando vê influências do Jung na idéia dos mitos. Mas de qualquer maneira, os arquétipos e outras formas míticas se manifestam dentro da cabeça de cada pessoa, e portanto de cada autor, de maneiras completamente diferentes. Não importa o que você ensine a um candidato a escritor, só vai sair coisa boa se ele já tiver vocação, como era antes de começarem a produzir esse tipo de manual. Portanto, o livro (como era de se esperar) só serve mesmo pra formar escritores de atacado como são os roteiristas de Hollywood. Por sinal, não vejo um filme desses americanos há mais de três anos.
OFF TOPIC: Viu a rasgação de seda do Carpinejar na entrevista que deu à Revista O Globo, citando o No Mínimo como o melhor da internet, ao lado do Digestivo Cultural?