Os Jogos Olímpicos de 2008 serão disputados em Pequim ou em Beijing? Esta promete ser a questão lingüística mais candente do ano que vai começar. Como no caso Birmânia/Mianmar, já abordado aqui, um lado acusa o outro de estar “errado”, mas pouca gente sabe por que pensa assim. Não cabe falar em “erro”, mas em opção. A minha é pela forma consagrada em português há séculos – Pequim.
A semelhança com a polêmica birmanesa é superficial. Para que Pequim se visse transmudado em Beijing (e Cantão em Guangzhou, Hong-Kong em Xianggang etc.), não houve a criação de um novo nome. Deu-se apenas, em 1979, a adoção pela República Popular da China – mas não por Taiwan (Formosa) – de um novo sistema de romanização, ou seja, de transliteração do mandarim para o alfabeto latino: o sistema Pinyin.
A intenção era boa: acabar com a sopa de letrinhas que corria o mundo. Muitos sistemas vigoraram ao longo da história. O mais influente foi o de Wade-Giles, criado no século 19 e dedicado à anglicização, à adaptação para o inglês, que deu em Peking. (O português nada deve a ele. Pequim já era Pequim desde as grandes navegações.)
Ocorre que país algum legisla sobre a ortografia alheia. Se chamamos Köln de Colônia, por que a afoiteza em obedecer aos chineses? Há boas cabeças nos dois lados. O jornalista Sérgio Augusto defendeu há dois meses, no “Estadão”, a forma “Beijing”. O professor de português Cláudio Moreno, do site Sua Língua, discorda, apontando a longa história cristalizada nos adjetivos cantonesa (cozinha) e pequinês (cachorro). “Assim vivemos felizes por meio milênio”, diz, “e não vamos trocar tudo isso apenas por causa de uma lei chinesa.”
Apoiado. No entanto, como os EUA aderiram ao Pinyin, pode ser razoável, para não desorientar o leitor nesses tempos globalizados, propor um empate: que venham os Jogos de Pequim (Beijing). Nesta ordem.
Publicado na “Revista da Semana”.
16 Comentários
Xará, me desculpe, mas essa discussão é acaciana. O pessoal deveria estar discutindo o boicote aos Jogos, pela posição chinesa diante do aquecimento global, assim como todos deveríamos boicotar a Copa do Mundo de 2014 aqui, tramada pelas máfias corruptas do futebol e da política. Feliz ano-novo, se houver. Sérgio.
Sérgio, me desculpe, mas essa discussão é acaciana. O pessoal devia estar discutindo o boicote aos Jogos, pela posição chinesa diante do aquecimento global e outros horrores, assim como nós aqui já deveríamos estar propondo um boicote a Copa de 2014, tramada pelas máfias do futebol e da política. Bem, de todo modo, em 2014, a maré já deverá estar acima da antiga geral do Maracanã, e o problema da saúde resolvido com o afogamento de todos os que aguardam tratamento nos corredores dos hospitais públicos. Sérgio, o profeta do óbvio.
Hã, Sérgio, tudo bem, entendo a sua angústia e como as datas festivas podem potencializar essas coisas, mas ainda gostaria de ver como você redigiria esse cartaz: “Abaixo os Jogos de Pequim” ou “Abaixo os jogos de Beijing”? Um bom 2008 pra você também – soube de fonte segura que haverá.
Pra mim tanto faz, Sérgio, Beijing ou Pequim. A parte que me interessa é “Abaixo os jogos” Não podemos ser apenas esportivos, babacamente esportivos, diante do fascismo chinês tentando mostrar a eugenia de sua raça à humanidade. A partir daqui do Portal iniciaremos uma campanha que empolgará o mundo, que tal, xará? Ou os agentes secretos chineses te apagam naquele bar que você freqüenta lá no Leblon ou você ganha um prêmio Nobel, sei lá do quê, mas que terá de dividir comigo. Vamos meter o pau na grana antes do mundo acabar.
Já quanto a Copa de 2014 – ela é pertinente aqui na sua discussão acaciana – a construção e reforma dos estádios esvaziarão os cofres públicos e privados. Mas está previsto que haverá camisas amarelas com cinco estrelas para todos os orgulhosos depauperados brasileiros. Pode-se prever que Hugo Chávez entrará com algum. Bom 2008 para você, já que você diz que haverá. Sérgio.
Sérgio, esse prêmio Nobel é todo seu. Sempre fiel às lições do velho conselheiro de Eça (como demoraram tanto a descobrir meu ídolo nas letras?), vou me limitar a esperar o sucesso mundial do movimento que você acaba de lançar para, na hora certa, escrever aqui em ‘A palavra é’ sobre “boicote”, termo que tem uma boa história, e falarei então com graça duvidosa de um certo Charles C. Boycott, etc. A cada um o seu, como diria Sciascia. Um abraço.
Sérgio (Rodrigues), muito bom o texto. Mas agora ficou a curiosidade sobre a tal palavra “boicote”. De todo modo, fico igualmente na torcida para que o novo ano não seja vítima de um antes mesmo dele começar.
Grande abraço!
Caro Pablo, Boycott era um militar inglês reformado que virou administrador de terras na Irlanda do século 19. Tratava os camponeses tão mal que foi vítima de um protesto geral, feito por vários sindicatos e associações ao mesmo tempo. Ninguém prestava mais serviços ao homem, nem suas cartas eram entregues. Deu muito o que falar na época, e o termo boicote surgiu aí. Forte abraço.
Sérgio, tenho dúvidas sobre a qualidade de muitas traduções que são feitas no Brasil a partir dos grandes sucessos literários internacionais. Sem entrar no mérito sobre a capacidade técnica dos que exercem essa atividade (o Brasil conta com ótimos tradutores, e apenas para ilustrar cito o nome de um dos que considero grandes nesse ramo: Ivo Barroso), percebo que, diferentemente do que se dava antigamente, existe hoje uma pressa enorme das editoras em lançar um título simultaneamente em vários países, no embalo de alguma premiação recente (Nobel, Man Booker Prize, Pulitzer). Não há nisso um risco de a obra original “perder-se” no meio do caminho? Do mesmo modo, a discussão nos círculos literários (profissionais ou amadores) não perde o norte, considerando que muitos (como deve ser o seu caso) lêem o livro no original, ao passo que outros (a grande maioria, acredito) submete-se à versão do tradutor? Desculpe-me por atravessar o caminho com um comentário impertinente à matéria do dia, mas na condição de leitor assíduo do todoprosa (desde os tempos do nomínimo), proponho que você lance luz sobre esse assunto, pois parece-me que a qualidade das traduções no Brasil não está conseguindo acompanhar o passo (e o compasso) dos lançamentos das editoras. Um forte abraço e feliz 2008.
A propósito da matéria, para mim não há dúvidas de que Pequim é Pequim e continuará Pequim.
Não esqueçam, na lista dos boicotes, do “holerite”. Holeritt, como se sabe, foi o cara que inventou os cartões perfurados, a partir dos quais (não o contrário) a IBM pode construir um computador que, alimentado com cartões perfurados, era do tamanho de um quarteirão (dos grandes). O holerite, hoje, como se sabe, continua a mandar na imprensa mundial. Pequim ou Beijing é questã de opiniães.
Eu concordo com o louco acima. Devemos fazer uma
revolução! Vamos boicotar os jogos de Pequin.
Será uma revolução mundial! Com repercussão regional!
Apelo municipal! Conhecimento de apenas 6 pessoas!
E protesto de apenas 1 louco.
Caro Thomas, o nível médio das traduções no Brasil está mesmo longe de ser satisfatório, mas não me parece que o ritmo dos lançamentos tenha muito a ver com isso. O problema é antigo, e livros traduzidos com “calma” não costumam ser melhores – mais uma vez, claro, estamos falando na média. São um tanto escassos os profissionais de alto nível, e o ritmo acelerado que, aí sim, lhes é imposto pela baixa remuneração não ajuda nem um pouco. Mas gostaria de saber o que o levou a levantar esse assunto agora. Está lendo alguma tradução daquelas de doer?
Campanha para boicotar as Olimpíadas? Haja wishful thinking!
Será que o indíviduo acima, de tanto ler “O Segredo”, acredita ter dentro de si o poder de abalar, com um simples lampejo de meia-dúzia de neurônios, as estruturas do Universo?
O importante, nessa polêmica, é lembrar que o nome da cidade não mudou, apenas a sua grafia foi adaptada aos caracteres ocidentais pelos próprios chineses, em uma versão particular – mais ou menos como se os japoneses tentassem decidir com que ideograma fossem escrever “New York”, e os americanos criassem um código usando um ideograma diferente.
O objetivo dos chineses não era criar um guia de pronúncia para os americanos, e sim para eles próprios, e para isso adaptaram os sons do alfabeto latino de forma mais ou menos livre.
Então, ninguém precisa pronunciar “beijingue”, porque nem os chineses fazem isso. (Ninguém chama a capital americana de “vas-ingueton”, que é como deveria soar em português)
Algumas letras do pin yin soam diferentes do que soariam nas línguas ocidentais. O “B”, por exemplo, soa /p/, o “D” soa /t/, e várias outras.
E como soa “Beijing”? Alguma coisa como… Pequim!
Em Taiwan tambem temos um sistema de alfabeto, chamado Popomofo (nao sei como se escreveria esse sistema em portugues…). Dizem que o Pingyin veio em resposta a esse alfabeto taiwanes…