Com o tempo aprendi que o ciúme é um sentimento para proclamar de peito aberto, no instante mesmo de sua origem. Porque ao nascer, ele é realmente um sentimento cortês, deve ser logo oferecido à mulher como uma rosa. Senão, no instante seguinte ele se fecha em repolho, e dentro dele todo o mal fermenta.
São trechos lapidares como esse, prontos para ascenderem da página contingente que temos diante do nariz ao repositório atemporal da sabedoria do idioma, que sustentaram meu prazer de ler “Leite derramado” (Companhia das Letras, 196 páginas, R$ 36), a nova novela – sim, novela, novelíssima, não romance – de Chico Buarque. Na estrutura, no arco tensionado da narrativa, sou obrigado a discordar da maioria dos exegetas e considerar “Budapeste” um livro muito mais instigante e coeso. Mas, se o leite às vezes fica meio aguado, não me parece um prêmio de consolação banal dizer que certas páginas ou frações de página exibem uma prosa que ousa passar uma cantada na perfeição, coisa rara na literatura brasileira contemporânea. Imagine-se que, ao trecho anterior, segue-se a comicidade do seguinte, para ter uma idéia do pêndulo que move todo o livro:
O ciúme é então a espécie mais introvertida das invejas, e mordendo-se todo, põe nos outros a culpa da sua feiúra. Sabendo-se desprezível, apresenta-se com nomes supostos, e como exemplo cito a minha pobre avó, que conhecia seu ciúme como reumatismo.
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Com suor na testa e a respiração em suspenso, como se me adiantasse vertiginosamente para a tênue linha que separa o chão firme do precipício abismal, aguardo a profusão de ais histéricos que aflorarão das tietes ensandecidas pelos verdes olhos do ídolo. O pobre blogueiro, que insiste em enaltecer a “prosa que ousa passar uma cantada na perfeição”, verá, se não me enganam os oráculos, o seu espaço conspurcado pela prosa mais reles e pedestre dos acometidos pela neurose coletiva.
Sérgio, só me resta dizer bem-vindo ao abismo.
Perfeição em literatura, que será que será…
Sei que o estigma da genialidade ronda Chico Buarque incansavelmente. Não sei se certa ou erradamente. Nunca li nenhum livro dele. Já ouvi quase todas as músicas. Gosto destas. Depois desses dois trechos que são verdadeiros aforismos sobre a natureza humana, chegou a hora de ler os livros e me defrontar, não necessariamente com um gênio, mas com um dos mais finos estilistas da língua.
Hum detalhe,Sérgio: a Categoria “Primeira Mão” dançou? Não seria o caso deste post? Aliás, há um tempão vc não nos brindava com comentários de novos livros,hein.
Isso mesmo. Sem contar – penso eu – que neste “Leite derramado” Chico Buarque perdeu o pudor de ser lírico em romance, ou melhor, em novela, porque concordo que é mesmo uma novelíssima.
so podemos bater palma, e agradecer por mais esta obra prima do chico .
Nossa Sérgio, leia calmamente o trecho: “São trechos lapidares como esse, prontos para ascenderem da página contingente que temos diante do nariz ao repositório atemporal da sabedoria do idioma, que sustentaram meu prazer de ler ‘Leite derramado'”.
Textos simples e que chegam claramente aos cérebros dos leitores são muito valisos! Afinal, quem são e o que querem seus leitores?
Fica a dica! Abraço…
Ciúme é “a reação complexa a uma ameaça perceptível a uma relação valiosa ou à sua qualidade. Provoca o temor da perda e envolve sempre três ou mais pessoas, a pessoa que sente ciúmes – sujeito ativo do ciúme -, a pessoa de quem se sente ciúmes – sujeito passivo do ciúme – e a terceira ou terceiras pessoas que são o motivo dos ciúmes – pivô do ciúme.
Sérgio,
não li ente livro. Nem lí Budapeste. Lí Estorvo. Um bom livro, ainda que bastante esquisito. Não dúvido que o Chico pode (e provavelmente tenha feito isso) escrever uma obra prima da literatura. A história nos mostrou que ele é um artista talentoso que consegue passear bem em diversas formas (veja as obras de teatro que ele escreveu).
Porém, fico um pouco incomodado com a sacralização que se faz artista. Alguns tratam-no como um Midas cultural (o que em questão de rendimentos é verdade). Mas será que o Chico não erra? Adoro as músicas dele, mas nem todas.
A crítica, meu caro Sérgio, não é a você. Tua nota é bastante boa e é algo que gostaria que ler a respeito de algo que escrevi. O livro deve ser muito bom, acredito nisso. Mas tambám não te incomoda a sacralização do artista?
Fernando, acho que vale reler o meu post. Destaco um ponto forte do livro, aliás muito forte. E deixo claro que o todo carece de coesão. Se “Leite derramado” fosse uma coleção de aforismos, seria um elogio incondicional. Mas é uma novela. Onde está a sacralização?
Discordo : “Mas não me parece um prêmio de consolação banal dizer que certas páginas de “Leite” exibem uma prosa que ousa passar uma cantada na perfeição, coisa rara na literatura brasileira contemporânea.” Chico Buarque como compositor sofre esta supervalorização, talvez pelo mercado que mova em torno do que realiza, mas Leite Derramado não é o melhor livro que escreveu. Concordo com Budapeste. E um boa romance é mais que um apanhado de frases bem feitas. Sérgio, gosto muito do autor de Elza, para não torcer o nariz a uma frase dessas :”São trechos lapidares como esse, prontos para ascenderem da página contingente que temos diante do nariz ao repositório atemporal da sabedoria do idioma”. Entusiasmo por um autor que se supera tudo bem, mas isso…já é demais.
Concordo que é uma novela. A ficha catalográfica o classifica como romance na esperança de sacralizá-lo nesse “diálogo” com a obra machadiana. Aliás, desconfia-se quando se acendem tantas velas para um santo. A orelha do livro só falta alçá-lo ao panteão de autores brasileiros – como se estivessemos diante de um Copo de Cólera ou de Memórias do Cárcere.
QUANTA PUXAÇÃO DE SACO HEIM….CHICO BUARQUE ESCRITOR? SÓ DE FOR DE GIBI NÉ!!!!!!
MAS É CLARO QUE TODA A MIDIA ADORA PUXAR O SACO DESSE SUPER “INTELECTUAL”
Isso pra não dizer que é livro para 5 dias no máximo. É daquelas histórias que só “sussegamos” quando chegamos à última linha.
Não tinha melhor dica. Quem critica Chico Buarque pode ter certeza que não conhece nada de sua obra. São pessoas que têm preconceito com a esquerda e vão para a baixaria ou são pessoas que não leem nem bula. Valeu.
Sérgio, eu havia notado tais detalhes. Como disse a minha crítica não é direcionada a você. Eu achei uma nota sincera e bastante boa de um livro. Mostra que você leu e sabe identificar com independencia o que te agrada e incomoda, sem fazer afirmações categoricas sem ser fã ou crítico-algoz. É algo que eu gostaria de ler sobre um livro meu. Por sinal me lembra muito aqueles princípios do Updike que você postou por aqui.
A sacralização está, por outro lado, na atmosfera que foi criada em torno do autor/compositor. Me incomoda sentir o culto à personalidade esparramado entre os intelectuais, pseuso-intelectuais e intelectualoides espalhados. A onipresença deste livro tem evidenciado isso e está me incomodando. Enfim, foi um desabafo, meio tentando puxar uma conversa.
Fernando, concordo com você. Desculpe não ter entendido sua pergunta de saída. Acredito haver mesmo, entre muita gente boa, uma predisposição a achar genial qualquer coisa que o Chico faça. A contrapartida é uma galera (minoria?) achar desprezível qualquer coisa que o Chico faça. Nunca nos curamos da síndrome Emilinha x Marlene.
Sabe o que me assusta? Da disputa Emilinha x Marlene restou a Hebe. Mas isso não vem ao caso no momento.
Eu acho muito difícil fazer uma crítica literária sobre o Chico. Se como admirador do músico, posso achar tudo quem ele faz genial, posso também elevar os padrões críticos esperando que ele escreva livros tão bons como suas músicas.
Por outro lado, existe uma predisposição dos não admiradores do Chico descerem a lenha em tudo que ele faz por princípio.
Outro dia eu ví uma pessoa, que respeito, falando que jamais um cineasta poderá filmar dignamente um livro do Chico.
É tudo um pouco regado no espírito Messianico que herdamos deste lado do oceano. Uns o adoram, outros querem varrê-lo da existência.
Acho que quem perde é a literatura e o escritor, aquele senhor chamado Francisco de Holanda, em seu apartamento no Leblon (é lá) tentando escrever um bom livro mas que dificilmente terá uma crítica justa, seja de natureza elogiosa ou não.
Também não entendo a indisposição de vários críticos em relação ao Budapeste. Acho-o melhor do que o Estorvo (não li o Benjamin). Budapeste é criativo, bem cadenciado em sua narrativa; às vezes lúdico, me pareceu. O filme de Walter Carvalho também é interessante – e já tem crítico malhando…
Estou àvido para ler o Leite Derramado. Só falta $$$.
Abraço,
w.m.carvalho
Se eu fosse o Chico Buarque, teria lançado meus romances com pseudônimo. Que saco ser o Chico Buarque, hein? Não pode nem lançar um romance/novela ou que seja sossegado!
Sério mesmo, já é difícil ser objetivo em qualquer crítica, que dirá uma crítica a um livro chancelado por Chico Buarque. É a velha questão: gostou o não gostou? E por que gostou ou não? Seria bom conseguir deixar o nome Chico Buarque de fora dessa história e pensar só no livro que ele escreveu, mas isso é impossível, né não? Não tem como não ter polêmica pelo nome, não pelo conteúdo.
Bem, eu, se fosse o Chico Buarque, lançaria os livros, todos os que escrevesse, com o meu nome estampado em destaque retumbante na capa, e faria seguir ao lançamento uma campanha de marketing agressiva, a mais agressiva possível. Acresce que penduraria na orelha dos livros vistosos brincos de críticas altamente elogiosas, subscritas por nomes egrégios das faculdades de letras, com as quais o descuidado leitor teria notícia de que se trata não de uma obra vulgar, entre tantas que se publicam, mas uma criação ímpar, um verdadeiro monumento da língua, que merece ser degustado com a mesma reverência e apreço com que os entendidos saboreiam a inigualável safra de 1997 do Romane Conti.
Ou alguém aqui acredita que é possível viver nababescamente, no eixo Rio—Paris, publicando modestamente, em edições obscuras, livros que ostentam um pseudônimo desconhecido do público?
Daniel, se você fosse o editor do Chico Buarque, tivesse em suas mão o original de um livro escrito por ele, você aceitaria publicá-lo sob pseudonimo? Ou você deixaria vazar a informção depois de um mês? No fim das contas o objetvo de uma editora é vender livros e algo com o potencial do nome de Chico Buarque é exatamente o que todas elas adorariam ter. Veja o Leilão do Rubem Fonseca.
Descontem a ironia, pessoal. Obviamente que qualquer editor faria qualquer coisa para editar um livro do Chico Buarque. E, sinceramente, acredito que o próprio Chico Buarque não esteja muito preocupado com a opinião dos especialistas. Sei que ele é um cara culto, sensível, inteligente, perfeitamente capaz de saber dimensionar a própria obra dentro da literatura brasileira em geral. Pelo menos, quero crer que assim o seja.
Também creio que o Chico Buarque não precise do sucesso infalível de seus livros para viver. Já deve ganhar o suficiente com os direitos de suas músicas e venda de discos. Claro que a grana dos livros deve ser para lá de bem-vinda e claro que elogios também o são.
Mas, até por isso, penso que um cara como ele, que já se realizou completamente na vida e já fez muita coisa por todos nós com músicas maravilhosas, pode se dar ao luxo de se dedicar à literatura simplesmente por estar a fim e colher os louros e lucros da fama. O tal valor literário, nessa situação, fica realmente em segundo plano. E acredito que o Chico e seus editores são inteligentes o suficientes para saber disso.
Ele deve ter escrito o livro que queria escrever, ficou satisfeito com o resultado e optou por publicar, não deve seu sucesso na vida à ninguém mais se não ao seu próprio talento. A discussão se a sua literatura está à altura de sua música é menor.
O preço disso, reforçando o que disse antes, é que dificilmente ele conseguirá uma crítica isenta de seus livros, talvez apenas a sua própria.
E, realmente, ele não precisa mesmo de uma nova versão do Julinho da Adelaide.
Daniel,
Críticas isentas, só a passagem do tempo as oferece. Os contemporâneos são, por natureza, os críticos mais injustos e equivocados que existem.
Pois é, Rafael. Imagine só que engraçado se daqui a 100 anos alguém estiver atualizando a história da nossa literatura e no verbete Chico Buarque estiver escrito algo assim:
“Iniciou sua carreira como músico, mas atingiu sua plenitude artística na maturidade, quando passou a se dedicar ao romance”.
Todo mundo está adorando brincar de “Se eu fosse o Chico Buarque”! Rico, elogiado por todos, amado por 9 em cada 10 mulheres… Assim fica fácil.
Um dia a gente brinca de “Se eu fosse o Tom Zé”, “Se eu fosse o Wisnik”, ou qualquer outro “Se eu fosse…”
Aliás, quem disse que o Chico não escreve livros por pseudonimo em edições obscuras? Existe o fenômeno músical dos anos 80 chamado Traveling Wilburys.
A questão não é se os livros dele são bons ou ruins, se ele escreve por dinheiro ou paixão, se ele gosta de Emilinha ou Marlene. É por outro lado, o frisson que nós criamos ao redor de um cara. Independente se ele é o Chico, o Tom Zé, o Caetano, o George Harrison, Tom Petty, Jeff Lynne, Roy Orbison ou Bob Dylan.
Do meu lado Daniel, não houve ironia quando falei do editor. Espero que você tenha entendido isso.
Reitero, minha discussão não é sobre o Chico, seu talento, sua obra aqui ou acolá. Mas sobre nós, leitores, críticos, comentadores…
Todo mundo é obrigado ter uma opinão sobre o tal Sr. Francisco de Holanda, elogiá-lo ou espancá-lo com palavras. Meu ponto era exatamente esse quando comecei a discussão, no fim não falamos da obra escrita por ele mas dele.
Lembra me a frase de do historiador Sérgio Buarque de Holanda “Houve uma época que o Chico era meu filho, hoje sou o pai do Chico”.
O único livro do Chico Buarque que li foi Estorvo, muitos anos atrás. Não li Leite Derramado, por isso, não vou cometer a temeridade de proferir juízos críticos.
Mas li, confesso que li, o trecho destacado pelo Sérgio. É um parágrafo bem escrito, sem dúvida alguma; contém ele uma análise psicológica que considero verdadeira e o toque de humor, ao final, é bem temperado e, coisa rara nos dias que correm, não é vulgar. Tudo certinho, impecável e bonitinho.
Só que nada ali é original, nem mesmo a psicologia. A passagem está bem escrita, mas não é ousada, e o humor expresso é, sejamos francos, inofensivo. A impressão que tenho é que, neste trecho, Chico Buarque não é senão um hábil imitador de Machado de Assis. Psicologia é machadinha, o humor é machadiano, o tom e ritmos da frase são machadianos, até a linguagem é machadiana!
Enfim, Chico merece os louros pela sua habilidade em imitar Machado de Assis, o que não é fácil. Mas aí está sua limitação: é um imitador.
Nota: minha crítica atém-se única e exclusivamente ao trecho destacado e não tem a pretensão de se estender ao resto do livro, que não li.
Fernando, a ironia foi minha, quando comecei o comentário com “se eu fosse o Chico Buarque…”
E a questão é essa mesma que você falou. Quando alguém é elevado à condição de gênio, todas as perspectivas de avaliação de sua real importância se perdem. É tudo o que um editor ou artista pode desejar em termos de sucesso.
E não faz diferença se o cara é gênio ou não. É o tipo de coisa que, como o Rafael disse, o tempo vai mostrar, quando nossas opiniões circunstanciais do momento terão sido devidamente esquecidas.
Rafael, você tocou num ponto crucial. “Leite derramado” é, sim, machadiano demais, a ponto de se aproximar do pastiche em alguns momentos. Mas quando se percebe que sua proposta é exatamente essa, travar um diálogo direto e de certa forma explícito com o maior escritor brasileiro, o que poderia ser defeito (pela imitação) vira qualidade (pela ousadia). Sempre vão restar questões polêmicas, claro: o diálogo funcionou? será um diálogo desejável, pra começo de conversa? chega-se a algum lugar novo a partir dele? Sobre isso, as leituras têm sido bastante variadas, pelo que percebi. Pessoalmente, ousadia e apuro técnico à parte, acho que o machadianismo excessivo acaba sendo uma limitação. Mas espero ter deixado claro por que considero injusto falar em imitação.
Chico é ótimo escritor e merece todos os elogios. Budapeste é muito bom. Em breve, lerei Leite Derramado e sei (pela competente análise de Sérgio Rodrigues) que não me arrependerei.
Não vejo mal algum se a imprensa badala (‘sacraliza’ é o termo repetido nos comentários desta página) o lançamento do Chico. O livro é bom, que seja divulgado (não é assim que acontece com outras mídias?).
Para uma boa (e necessária) divulgação da literatura brasileira isso deveria ser regra, não exceção. As outras editoras deveriam seguir a ótima campanha de marketing da Cia.
Foi muito bom o Sérgio ter tocado na questão do diálogo entre escritores [escrevi um livro inteiro sobre esse tema].
Essa é uma preocupação legítima, louvável e está na obra de grandes escritores. Serve, de certa forma, à ‘perpetuação da espécie’.
Dialogamos como Machado, mas Machado também dialogou com seus mestres, enfim: quem sai aos seus, não degenera.
Tem uma frase do José de Alencar — é de 1868 e escrita ao próprio Machado –, que é emblemática: “em literatura não há suspeições: todos nós, que nascemos em seu regaço, não somos da mesma família?”
Não adianta chorar sobre.
Sérgio,
Entendi seu ponto. Como não li o livro, não sei dizer se esse “diálogo” funcionou ou não (espero, sinceramente, que sim!).
Pessoalmente, eu acredito que a literatura brasileira está cheia demais de pastiches, de paródias, releituras, coisas do tipo. Muitos já tentaram imitar Machado de Assis, inclusive o infeliz do Ciro dos Anjos. Espero que o Chico não seja mais um a engrossar essa fila.
Mas, Rafael, dialogos e releituras não necessariamente significarão pastiches ou paródias [não que eu seja contra elas]. A propósito, Rafael, o Brasil [sua literatura, inclusive] precisa, urgentemente, de uma releitura.
Cláudio,
As releituras são coisa de quem não consegue avançar nas leituras. O Brasil precisa de tantas releituras porque nunca foi corretamente lido!
Vale
Claudio Soares, a sacralização que me referi é da pessoa e não do livro. Como eu disse anteriormente, não duvido que seja um bom livro. Na realidade nada tenho a opinar acerca dele pois não lí. O lançamento dele apenas evidencia o fenômeno de sacralização de seu autor, que por merecimento é considerado um dos maiores ccompositores da música brasileira.
Da mesma forma não critico a forma de divulgação É uma pena que por vários motivos o mercado não permite que outros livros e autores sejam tão bem divulgados.
Mas vale lembrar que o crítico Roberto Schwatz certa vez disse que só é possível exercer tal função se encarar sempre a obra de arte com um pé atrás. Ou a regra de Updike de nunca escrever uma crítica sobre obra que esteja predisposto a não gostar ou que tenha algum comprometimento em elogiar.
Esse continua sendo meu ponto, e meu elogio a esse post do Sérgio.
Machado de Assis é um problema para nós, assim como o Borges é para os argentinos. Essa foi uma questão levantada pelo Cesar Aira. A sombra de Borges é tão absoluta sobre a literatura argentina que é muito difícil para qualquer escritor de lá escapar dela. Aqui, o Machado é uma referência permanente, obsessiva até.
O Mário de Andrade, para elogiar o Fernando Sabino em suas cartas, disse ao então jovem escritor que seu texto estava muito bom, tal qual Machado de Assis. Um exagero, até por que o Fernando Sabino segue uma outra linha, não vejo a presença de Machado tão forte nele. Forçando a mão, poderia-se tentar aproximar O alienista e O grande mentecapto pela discussão da loucura e de quem são os verdadeiros loucos.
O que acontece, é que qualquer autor brasileiro que puxe pela ironia e pelo humor, irremediavelmente será comparado ao Machado.
Mas, enfim, isso rende leitura, certamente. E as mulheres de Machado tem mesmo algo de mulheres de Atena, ao lado de toda a dissimulação. Pensando por aí, o Chico tem mesmo esse viés machadiano, também ele não escapa dessa sombra e é capas de nem querer escapar.
capaz, digo, bem capaz
O Roberto Schwatz, na sua derramada, incontida e incondicional apologia a Estorvo, parece não ter sido muito fiel à filosofia do “pé atrás”.
Se alguém duvida, convido à deliciosa leitura desta peça de glorificação apaixonada, acessível no link seguinte:
http://antivalor2.vilabol.uol.com.br/textos/schwarz/schwarz81.html
Rafael, primeiro eu corrijo o erro que cometi na grafia do nome do crítico: Schwarz. Esse T escorregou no teclado tentando me lembrar do nome do Editor. Enfim…
Eu não citei o crítico à toa. Minha lembrança foi proposital, afinal recentemente em um jornal de São Paulo ele publicou artigo semelhante, sobre Leite Derramado. Particularmente eu gosto da crítica que Augusto Massi fez de Estorvo.
Fernando,
Achei o tal artigo que você citou. O final é primoroso: “a invenção realista de Chico Buarque é uma soberba lufada de ar fresco.”
Uau.
Rafael, por favor me passe link, já faz algum tempo que lí e não sabia mais onde encontrar.
oops… vc achou qual dos dois artigos que citei?
Fernando, o Roland Barthes dizia [quem discorda?] que a crítica de lançamento pertence à mídia e não ao Livro (= Teoria Literária) pois toda crítica (séria) implicaria mais do que uma ideologia (= crítica de lançamento).
Em suma: diga-me o teor da crítica (de lançamento) e te direi se (o crítico) é ou não amigo do autor (dependendo do teor da crítica até poderiamos dizer se é inimigo… whatever…).
Isso, entretanto, pouco importa, pois é assim desde que o mundo é mundo e assim o continuará sendo enquanto o mundo for.
Sobre o tema, compartilho uma saborosa história de Nabokov, versão “crítico de lançamento” (sim, Nabokov e Borges também o foram), retirada de sua ótima biografia “The American Years”, de Brian Boyd: De volta à Europa, entanto terminava Pale Fire, Nabokov mantinha contato com as novidades da América, basicamente, através dos livros que editores e autores lhe enviavam. Um desses livros, lhe chegou, no ano de 1961, acompanhado de um pedido: que Nabokov, já um escritor de sucesso mundial, emitisse sua opinião [uma crítica de lançamento?] para o tal livro. E Nabokov a emitiu: [o livro é] “a torrent of trash, dialogical diarrehea, the automatic produce of a prolix typewriter…”
Aqui, acho, também valeria o “uau” do Rafael.
Agora, um detalhe, Nabokov disse isso de “Catch-22”, do Joseph Heller. Vocês já leram “Catch-22”?
Deixei no ar [perversamente confesso] de propósito a questão, pois muitos de nós sabemos das “aulas de literatura” de Nabokov, grande escritor e especialista em teoria literária, e [muitos também] sabem que Catch-22 é considerado um clássico… Então, nesta disputa {Emilinha x Marlene] qual seria a opinião mais apropriada? Eu, como leitor, particularmente, prefiro ter a minha própria…
Puts, em minha modesta opinião, nunca gostei dos livros do Chico. Talvez, tenha tolerado, um pouco (bem pouco) Estorvo. Budapeste, já é um pouco melhor, texto mais coeso, mais robusto. Mas o personagem principal viver não sei quanto tempo em um hotel comendo migalhas foi demais para mim; pos todo o livro aperder.
E viva as músicas maravilhosas do Chico (e isso já basta! basta muito!).
Puxa, que pena eu não ter chegado antes para participar dessa discussão – fazia tempo que não havia uma discussão de naipe bacana aqui no blog (e a “culpa”, claro, não é do Sérgio).
De minha parte, li “Leite derramado” e achei um ótimo entretenimento. É, como alguém disse, um livro rápido (quando escrevi sobre ele no “leituras”, falei desse milagre de multiplicação das páginas que leva ao engano de se tomar o livro como romance). E divertido.
Rafael, não acredito que as tietes ensandecidas leiam o Chico pelo Chico – bem, as que eu conheço nem lêem. O que me incomoda mesmo é, também como alguém comentou, essa parcela que não leu e não gostou só porque é livro de Chico Buarque. Desses, sim, conheço vários… Abraços
Fernando, estava me referindo ao artigo do Roberto Schwarz sobre Leite Derramado. Encontrei-o no site da Folha de São Paulo, mas o acesso, infelizmente, é restrito a assinantes.
Cláudio, como diria o Cap. Nascimento, o Nabokov era um fanfarrão. Ele gostava de exibir-se com a indumentária de um sujeito de opiniões excêntricas, assim excêntrico era, convenhamos, o seu estilo literário. Estranharia se ele tivesse escrito algo de positivo.
Isabel, você está se esquecendo da multidão de “intelectualizadas”, que veneram o Chico como os antigos Maias veneravam o Sol. Entre no site da Livraria Cultura e procure pela opinião dos leitores sobre a novela do Chico. Cito duas:
Da leitora Maria Aparecida Caetano: Chico sempre surpreendente. – Chico como sempre, mergulhando na essência com tamanha lucides . Essas confusas ou nítidas memórias , a falta de perspectivas de futuro são bem o nosso retrato . Como não nos identificarmos com esse velho senil perdido dentro de sua realidade , vivendo do passado , querendo ter um futuro e preso à suas limitações , tanto por sua fraquesa física, quanto pela condição imposta .
Da leitora Ana Miranda: Nenhuma palavra é supérflua neste leite derramado – Espetacular narrativa que nos leva junto com ela a um passeio pelas memórias deste idoso que vai e volta ao tempo da infância,adolescência e ao tempo atual. Tudo muito bem pensado: não há paragrafos#parece um grande desabafo##,capítulos somente numerados,tudo remete ao estado deste senhor que nos conta a vida de sua família.O autor Chico Buarque dá exemplo do amplo conhecimento de nossa língua,sempre presente em suas canções.
Mas concordo que existe, em número superlativo, a parcela dos que não leram e não gostaram.
Isabel, não é à toa que o livro do Chico saiu antes do dia das mães. Os filhos da geração 68 sabem que esse é exatamente o tipo de presente que agrada nessa data.
Se te incomoda o “não lí, não gostei” para mim incomoda o “não lí e já gostei”. Ainda acho que o mercado editorial brasileiro se sustenta, em parte, do livro enquanto artigo de decoração.
Ah, Fernando, não tenho dúvida disso! Boa colocação essa, dos livros como objeto de decoração. Ainda existe loja/sebo que vende livro por metro, para decoradores, não? Mas eu ainda acho – achômetro, mesmo – que a parcela maior é a dos que “não li e não gostei”.
Rafael, só um comentário sobre esses dois exemplos: credo. Mentira, outro: que genialidade será que a leitora Ana Miranda viu nos “capítulos somente numerados”?
Abs
Retomando o debate anterior ao surgimento do Machado em cena: se eu tivesse escrito um livro como Budapeste iria fazer questão de que fosse publicado com meu nome. A genuína vaidade que move todo artista e há de mover até mesmo o gênio.
Não li Leite Derramado, ainda. Li Benjamin que não grande é grande coisa, se equivale aquelas musicas para ficar pelas faixas 6 ou 7 no álbum, pegando carona nos grandes sucessos.
E caímos sempre em uma velha e proverbial questão da critica literária: dá para separar autor e obra? Será desejável?
Quando é que o conhecimento da biografia do autor ajuda a aprofundar a leitura? Quando é que atrapalha?
Não é pergunta para responder sim ou não. Depende do viés da leitura que se queira seguir para uma ou outra interpretação, do tipo de significado que estejamos buscando. Depende da expectativa que a capa de um livro, com o título e nome do autor bem visíveis, suscita em nós. O nome do autor é como uma marca. Se for alguém conhecido, já entramos naquele universo cheios de expectativas. E, no caso de um Chico Buarque, há um universo anterior à leitura que é avassalador, que determina a interpretação de cada vírgula, com base em uma história de quase 50 anos de conhecimento prévio do que ele fez e significa em nossas próprias histórias pessoais. Não só por seus belos olhos verdes, que por certo também influenciam muitas leituras e não-leituras.
Depois de 50 comentários, chego eu atrasado só para dizer que não curto. Que bom que vende, que bom que gera filmes tão distintos quanto Estorvo e Budapeste, mas não está na minha fila de leituras. Prefiro que meu ar pseudo-intelectual fique mais rarefeito 🙂 Abss!