Nos últimos anos eu me tornei, para minha considerável surpresa, romancista em tempo integral. Como ganho a vida com a venda de meus livros, pode parecer estranho que eu esteja neste momento publicando em capítulos na internet um novo romance, Beasts of New York, para quem quiser ler, inteiramente grátis.
Por quê? Porque, para citar o editor Tim O’Reilly, “a maior ameaça que um artista enfrenta é a obscuridade, não a pirataria”. Não me preocupo com as pessoas que lêem meu trabalho sem pagar. Preocupo-me com as que não sabem que meus livros existem.
O escritor canadense Jon Evans, um autor de “thrillers de viagem” desconhecido no Brasil, deve ter ficado menos popular entre as editoras por este artigo no blog de livros do “Guardian”, mas é difícil negar que o raciocínio tem fundamento. Me lembrou a reação curiosa do espanhol Enrique Vila-Matas quando descobriu que um de seus primeiros títulos tinha sido pirateado e estava disponível online: ficou agradecido, porque o livro, sendo do tempo da máquina de escrever, ainda não existia em arquivo digital. Claro que resta a questão, inteiramente aberta, de como o escritor profissional do futuro comprará o leitinho das crianças. John Updike já declarou temer que seja com cachês para comparecer a eventos, sorrir e apertar mãos – algo como um Alemão do Big Brother com cérebro.
30 Comentários
Graças à pirataria, fomos agraciados com uma das melhores criações da história da literatura: a 2ª parte do D. Quixote.
O livro de Cervantes foi um estrondoso sucesso na época da sua publicação. Um tal de Alonso Fernándes de Avellaneda, com incomum senso de oportunidade, escreveu uma seqüencia do D. Quixote, um livro, aliás, excelente, genial, brilhante, que muitos tomaram como legítimo.
A vingança de Cervantes, ao escrever ele mesmo a segunda parte do D. Quixote, foi fazer com que seu personagem, o Cavaleiro da Triste Figura, desmentisse a versão ao afirmar que, tendo sabido que havia sido impresso um livro todo falso contando que ele, D. Quixote, fora a uma determinada localidade, ele próprio, D. Quixote, resolve que jamais irá para aquele destino, para que assim fique patente a mentira.
A Segunda Parte está recheada de ferinas agulhadas ao autor da obra apócrifa.
Bendita pirataria!
Não creio que um amontoado de bits ou um calhamaço impresso numa impressora jato de tinta vagabunda possa um dia substituir o prazer de ter em mãos um livro bonito, com design caprichado e papel de qualidade.
Aí é que está, Tom. Não substitui mesmo, mas isso não quer dizer – não necessariamente – que as editoras como as conhecemos têm futuro garantido. E-books com tinta eletrônica, de um lado, e impressoras/encadernadoras caseiras, do outro, estão no horizonte. Há quem imagine a editora de papel do futuro como uma radicalização da Cosac Naify – especializada em objetos belíssimos e caros para aficionados, só.
Realmente, se não ser conhecido é o diabo, ter de apelar para faturar com eventos é o pior dos infernos.
Soube há algum tempo de Stephen King e João Ubaldo Ribeiro tinham partido para o e-book. Alguém sabe do resultado?
Sinceramente, hoje já não é muito diferente. Palestras, artigos e outros “acompanhamentos” pagam muito mais do que as edições em si. Aliás, ainda tem as adaptações: cinema, teatro, TV e por aí vai. Não muda lá muita coisa, não.
Eu penso que em relação ao livro de papel e o livro eletrônico: há leitores e leitores!
Escuta aqui: a maior ameaça que um artista enfrenta NÃO é a obscuridade. A maior ameaça é a mediocridade. Estando definido este ponto, observo que esse tal Jon Evans está meio desesperado, disposto a tudo para divulgar seu trabalho. Isso é degradante.
Degradante por quê? Discussão eterna essa, e interessante tb. Como se ao escritor não importasse, como diz o Sérgio, o “leitinho das crianças”. Comentei a respeito hj no blog, link abaixo.
Para o “leitinho das crianças”, o escritor pode, além de escrever, trabalhar. Tra-ba-lhar.
Noga, dispor-se a qualquer coisa para divulgar seu trabalho já é uma maneira de dilapidá-lo, de enfraquecê-lo. A obra deve cintilar de modo tal que atraia naturalmente os editores e depois os leitores. O artista deve resignar-se ao papel de criador, porque senão acabará por diluir suas energias, dispendendo-as no esforço autodegradante da divulgação. Vejo no seu blog que você é escritora “full-time”. Desejo-lhe sorte mas espero que não incorra no erro de Jon Evans.
Adoro o seu blog! Sempre que posso estou aqui para conferir seus comentários literários. Também tenho um que é o da Editora Novo Horizonte que também trabalho: http://www.editoranovohorizonte.blogspot.com
Acesse e divulgue! O espaço é destinado não apenas à divulgação das obras publicadas pela editora, como também para as notícias relacionadas ao universo literário do Estado de Pernambuco. Participe, deixe uma mensagem no blog!
Abraços,
Raphaela Nicácio
Recife-PE
Pois eu estou doidinha para os e-books se tornarem mais “amigáveis”. Diferentemente dos livros impressos, vou poder aumentar o corpo da letra para o tamanho que eu quiser (bem grande), pois tenho alta miopia e vista cansada ao mesmo tempo. Hehehe… E esse e-book sobre o qual estou falando, terá uma tela com um tipo de iluminação que não vai agredir meus olhos. Estou me guardando pra quando esse e-book chegar…
Sérgio, um beijo da Cris (sua amiga da ECO)
Cris, que bom ver você por aqui. E que coincidência também. Há poucos dias tentei deixar um comentário no seu blog (post sobre o Mansur) e por alguma razão não entrou. Um beijo, e apareça sempre.
Em termos de e-books e gratuidade, a Mojo Books, em menos de um ano e com uma política de muita simplicidade e bem camarada, tem feito o melhor trabalho do ano em termos de divulgação de novos autores, com um livro editado por semana há quase dez meses. Novos autores relativamente conhecidos em suas terras, como Mariel Reis, Andrea del Fuego, Helio Flanders e Alexandre Xerxenesky já foram publicados pela Mojo, que autoriza a distribuição de suas edições via uma licença Creative Commons. Muitos nomes desconhecidos fazem parte da lista de autores, o que mostra o empenho dos editores (Ricardo Giassetti e Danilo Corci) em querer difundir gente nova por aí. É disparada a melhor iniciativa dos últimos doze meses em termos de distribuição digital de livros (e é claro que a premissa bacana, verter discos em literatura, é muito atraente). A Mojo pode não ser uma solução permanente, mas é óbvio que ela aponta um caminho para o futuro. Coisa de quem se pretende pioneiro, mas com os pés no chão.
Hahaha!! Como vc soube do post do Mansur? E vc tá citado lá… hehe.. tomara que eu tenha falado a verdade, para vc não ter que me desmentir 🙂 Pô, volta lá e tente comentar novamente, porque eu não vou conseguir dormir de tanta curiosidade!
Não sei mais como cheguei até aqui. Mas é claro que adorei e vou voltar outras vezes! Aliás, já te linkei no meu blog.
Soube que lancei um livro de literatura infantil pela Companhia das Letras? Tava “toda prosa” até ler seu post “Publicar, verbo reflexivo” e, lógico, o da Anna K. Daí eu brochei. Hehehe…
Beijocas e saudades!
Avisa para o cara aí de cima que caixa alta na internet significa GRITAR!
Cris, também fui parar por acaso no seu post. Passado o susto, gostei muito daquela comédia romântica de final triste em que você transformou a história. Tom Hanks no papel de Mansur, que tal? Até onde posso confirmar na condição de “amigo comum” (ator simpático mas obscuro), confirmo tudo. Soube do livro pelo seu blog, parabéns. Vou te mandar um email pra gente conversar melhor, longe da barulheira do cara aí em cima. Beijo.
Ué, e.g.g, para você o escritor quando está escrevendo não está trabalhando???
Hahahah! Comédia romântica de final triste com Tom Hanks e ator simpático, mas obscuro, é sensacional!!
Olha, aqui vai o meu e-mail: cristiana.sr@gmail.com
Escreve sim que eu te conto a aventura da publicação e te envio um exemplar do livro! Além, de matar as saudades, perguntar das crianças etc.
Beijos!
Cris
Ok, Lu, vou ser mais claro: um escritor pode arrumar um emprego. Um ganha-pão. Ou, como dizem aí, um ganha-leitinho-das-crianças.
E “escritor full-time” costuma ser, na verdade, “preguiçoso part-time”.
Mas na verdade não tenho nada contra a preguiça; apenas não dá para suportar os preguiçosos que adoraram reclamar da vida.
Eu, por exemplo, sou um preguiçoso convicto: vivo na merda, mas a escolha foi minha.
É óbvio que aqui a questão é um pouco mais profunda. O problema que discutimos n~ao se limita apenas à pirataria mas uma revolução em curso no próprio conceito do que seja um livro. No início (é aqui que estamos) tentaremos imitar o modelo que conhecemos. Um ebook é exatamente isso: um simulacro do livro como o conhecemos. Mais a frente, descortinaremos novas possibilidades. Se a leitura será completamente on line como anuncia Bill Gates, não sabemos. Se o for (não acredito), demorará ainda muitas gerações. Em relaçao Do ponto de vista do autor, não vejo motivos para que não
(vamos tentar completar o post anterior) em relação aos editores, penso que o medo da perda do espaço e a consequente resistência à internet é mais consequência do desconhecimento das possibilidades (inclusive comerciais) do ambiente. Mas ‘e importante que adquiram logo uma intimidade com o meio para poderem inclusive ajudar na formatação de novos modelos de negócios. Do ponto de vista do autor/escritor, não vejo motivos para que não experimente logo a rede. A web 2.0 é 90% escrita. o autor/escritor que não participa dela está no mínimo se excluindo da história.
Primeiro, o escritor viverá mais mais de bicos, palestras, textos p/ a imprensa, vender pipoca etc (ou seja, conforme bem resumiu acima e.g.g: terá de trabalhar).
Segundo, haverá uma depuração brutal dos escritores profissionais. Sobrarão apenas os bons/muitos bons (se houver) e os que se dedicam a segmentos com público fixo– fantasia, ficção científica etc, gêneros que se prestam a uma continuidade e geram um número substancial de “repeat costumers”.
Os demais terão de se contentar em escrever p/ o blogger.com. A vida de artistas em geral não será fácil no futuro: já existe muita produção de qualidade, a liberação de forças criativas é mais fácil (ou seja, é muito mais fácil hoje ter acesso a uma câmera, um computador etc), e mais e mais obras entram em domínio público.
É preciso notar que a sinalização do mercado p/ a maioria dos autores é muito clara: não há demanda significativa p/ seu produto. Pelo contrário: há um excesso de livros e de novos autores. Que os aspirantes a autor insistam é um direito, mas quaisquer expectativas além disso têm de se defrontar com essa realidade.
o que pode representar, Bemveja, mais do que uma crise, uma oportunidade. teremos que fazer as coisas um pouco diferentes do modelo correntemente aceito. não?
Com palavras ou com a bunda, a turma hoje em dia só quer mesmo aparecer.
Obviamente, o Alemão, assim como o seu homônimo que ganhou o último big brother, não está acometido do mal de querer aparecer.
Sem dúvida Claudio Soares, abrem-se novas formas de comunicação e novas perspectivas autorais. A mim, pessoalmente, parecem muito interessante as iniciativas que unem internet, literatura, tv etc. Eu gosto dessas campanhas de marketing, tal como foi feito para o A.I. e está sendo feito agora para o “1-18-08”, acho que isso aponta um caminho que será aproveitado em termos narrativos mais complexos.
Uma retroalimentação entre literatura e essa inevitabilidade da vida social e cultural representada pela internet me parece fundamental e tb promissor.
Não mesmo. Senão usava meu nome verdadeiro, colocava link para meu blog e vinha todo dia escrever várias besteiras repetidas para todo mundo que visita isso daqui saber quem é dono delas.
Primeiro, fui ler o livro do Jon Evans. Os muito intelectuais vão torcer o nariz, o personagem principal é um esquilo. Mas achei bem interessante. Lá no site, ele explica por que optou por publicar online – mais ou menos porque ele e seus editores não sabem bem quem é o público-alvo desse livro esquisito.
Segundo, eu gosto de e-books. Com eles, eu posso ler no trabalho!