Eis uma polêmica imperdível (toda em inglês, infelizmente) para quem se interessa pelos novos rumos que a cultura digital pode impor à literatura – ao ato de escrever, de ler, de vender, de comprar livros. Pouca gente minimamente antenada discute que mudanças culturais e econômicas estão a caminho, mas até que ponto isso mexerá, se é que mexerá, com a leitura como a conhecemos?
Alguns radicais acham que o livro – o objeto físico e também o mental – está com os dias contados, nada menos. Um desses é Kevin Kelly, da revista de tecnologia “Wired”, que mês passado publicou um longo artigo no “New York Times” (cadastro gratuito) para saudar a nova era que, acredita ele, a digitalização de grandes bibliotecas pelo Google está inaugurando. Nessa era já não haverá livros, mas fragmentos de páginas que os leitores editarão na ordem que bem entenderem, trocando esses novos textos remixados como hoje se trocam listas de música online. Nenhum autor poderá viver de seus escritos em tal ambiente, é claro, pela simples razão de que não haverá direitos autorais. Como viverão os escritores? Vendendo “performances, acesso ao criador, personalização (…), patrocínios, assinaturas periódicas – em resumo, todos os valores que não podem ser copiados. O texto barato se torna a ‘ferramenta de descoberta’ que ajuda a vender esses outros valores intangíveis”, imagina Kelly.
Saudada pelo articulista como a realização de uma utopia, o velho sonho da “biblioteca universal”, essa visão de futuro foi lida como uma distopia assustadora pelo escritor John Updike. Na edição de ontem do mesmo jornal, Updike – que, vale registrar, vive muito bem de direitos autorais – escreveu uma réplica expondo um receio nada desprezível:
Trata-se, do modo como eu o leio, de um cenário tenebroso. “Performances, acesso ao criador, personalização”, o que quer que sejam essas coisas – será que não nos atiram de volta às sociedades pré-letradas, em que apenas a presença viva de uma pessoa podia causar impressão e criar, como foi dito, valor? Não imaginavam os escritores, desde a aurora da revolução de Gutenberg, que já estavam dando, em seus textos escritos e impressos, um “acesso ao criador” mais preciso, mais bem delineado, mais carregado de valor estético e informativo do que uma conversa pessoal sem mediação e sem polimento? Será que a revolução eletrônica nos levou tão longe no caminho da celebridade (…) que os trabalhos de um autor, em um volume ou em 50, servem primariamente como seu bilhete de acesso à mesa de palestras, ou, uma vez que mesmo isso parece meio hierarquizado e distante, a uma série de orgias individuais de acesso pessoal?
22 Comentários
Estou com Updike.
Eu que vivo na área tecnológica – sou programador – noto que entre a nova geração de programadores e profissionais da área em geral, a aversão ao livro impresso vem crescendo tão rápido quanto as novas tecnologias: os jovens, quando muito, baixam uma apostila sobre determinado assunto e, quando procuram algo mais aprofundado sobre um tema, buscam por um e-book.
Mas existem outras áreas em que o conhecimento, ou melhor, a formação, não pode prescindir dos livros, como a medicina.
E no meio destes extremos, fica a literatura ficcional, que a meu ver, não desaparecerá jamais.
No mais, é aguardar pelo Farenheit 451…
Em “A voz do escritor” (que você já resenhou aqui), o A. Alvarez também fala um pouco sobre isso. Apesar de jovem, sou à moda antiga: detestaria presenciar o fim do livro impresso. Mas parece que não há saída. É esperar pra ver, e já ir guardando seus livros impressos, montando sua bibliotecazinha, porque é capaz de daqui a algum tempo, os impressos serem como os discos de vinil: caros e raros.
Mas, para a maioria das pessoas os livros já não são caros e raros?
O que virá primeiro a universalização do acesso a informação digital ou a universalização do acesso aos livros?
Vai que o futuro dos livros será decidido neste ponto e não se as coisas serão melhores ou piores sem ele.
Mas, assim como você, cuido bem da minha biblioteca. Um futuro do tipo “Um Cântico para Leibowitz” ou “Farenheit 451” não é o que desejo.
Não acredito nisso, Rafael. Acho bem mais provável uma convivência – nem sempre pacífica, é verdade – de meios, como ocorreu no século XX com rádio e TV, cinema e TV. Não faltou quem apostasse que rádio e cinema iam acabar. E acho que do vinil para o CD existe uma evolução, não uma revolução. O disco como objeto cultural continuou intacto no CD, o que já não ocorre tanto, aí sim, na era do iTunes.
Quando apareceu o rádio “decretou-se” o fim do livro e da informação escrita. A mesma coisa aconteceu quando apareceu a TV e depois, com o advento da internet.
A horda de idiotas que só lê fragmentos na internet, passa uma falsa impressão, porque, na verdade, quem gosta de ler de verdade e pesquisar continua existindo e em número cada vez maior, o que é ofuscado pelo rápido crescimento do meio via computador.
Não há como escrever um livro, monografia ou tese sem consultar outros livros, contando apenas com os fragmentos da internet.
Está, sim, com os dias contados. Resta sa-ber quantos milhões de dias.
O livro impresso com os dias contados? Antes seria preciso contar quantos lêem (e entendem) os livros…, quantos terão, no futuro, um computador para ler os textos e/ou imprimi-los para não lê-los no monitor…, acho que o livro impresso, como a Bíblia, está com os dias contados…, está?…, resta saber quando o mercado se encarregará de democratizar os livros para que todos possam lê-los, para que todos possam acessá-los…
José Aparecido Fiori
fiori@gogo.com.br
Arnoud falou uma coisa certa. Livros já são caros e raros, é verdade hehe E Sérgio, minha esperança é essa. Que seja apenas um exagero dos empolgados com a digitalização da literatura 🙂
Pior que o formato do livro, acho que o que está com dias contados é a maneira como se emite um informação, a maneira de recebê-la e o filtro que se dá em tudo isso (ou a falta dele).
Updike traz à discussão, talvez involuntariamente, o argumento de McLuhan sobre meios quentes e frios e a aldeia global, na qual a escrita (meio quente) perde espaço para o audiovisual e o performático (meios frios). Para McLuhan a aldeia global das mídias elétricas (na época não se falava em eletrônica, era só TV e outras mídias analógicas como rádio e cinema) realmente recuperaria muito do ethos das sociedades pré-letradas, tribais (aldeias).
Ler numa tela de computador é muito chato e ruim, o que explica os textos quase sempre curtos que vemos em sites da internet.
Não adianta, o computador nunca substituirá um bom livro ou um bom jornal.
Tudo bem, como ficará o objeto livro? E os direitos autorais?…
Mas, antes disso, a questão ainda é: como publicar, como ser distribuído e todos os seus etcs?
Li o artigo citado numa versão em português, “O futuro dos livros na rede”, cujo link, queiram perdoar, perdi… Não sei como será, mas para responder a estas últimas perguntas (e para não ficar apenas no fragmento), tomei uma atitude: inventei o livri, o “livro livre na internet”, se me perdoam a pretensão…
O conceito está colocado em http://www.livri.blogspot.com, onde tem até Editorial. A partir dali, pode-se ler dois deles, Pão de Açúcar Tempo Todo e o recém-lançado A Paixão Dança.
O fato é que há novos meios e, necessariamente, novos resultados…
Abraços,
Aguinaldo Araújo Ramos
Acho que é um caminho sem volta. Eu mesmo já me desfiz de uns 60 livros que tinha por aqui, quando vi que podia encontrá-los na internete e ecoloca-los em um CD-ROM. E ainda havia espaço para uns 500 livros…
No futuro, acho que as coisas vão funcionar assim: o cara escreve um livro, e faz a propaganda no site dele. Os fãs do cara, em sites do tipo Orkut, se propõem a comprar a obra. Então, o autor, como em um leilão, mantem um preço reserva. Depois que o preço reserva é atingido, ele libera o livro para o grupo, que faz dele o que bem entender. Fim das editoras e intermediarios.
Sei lá…
Quem, como eu,| vive de sonhos, não pode prescindir de folhear livros e mais livros.
Engraçado: sempre que o assunto aparece, a discussão acaba ficando em torno do falso dilema entre a tela e o papel como suporte para leitura. Mas o que está em discussão é a dinâmica da produção cultural escrita na era dos computadores – ou na era da hiperinformação, se preferirem. Dois fatos, aparentemente desconexos, me chamam a atenção.
– A vida curta dos livros. Hoje, as editoras não possuem mais backlists, as livrarias os expõem – quando os expõem – apenas durante uma semana. A vida útil de prateleira de um lançamento medianamente bem sucedido (venda de 5 mil exemplares em um ano) não chega a oito meses.Não há mais espaço físico nas livrarias para tantos livros. Só os best sellers encontram seu lugar – e mesmo assim só enquanto vendem muito. Por outro lado, iniciativas como a Biblioteca Virtual, centros de documentação de universidades, etc. mantém textos clássicos na internet há mais de dez anos.
– A venda da imagem do autor já é uma realidade. No Brasil, onde os melhores livros não chegam a vender 3 mil exemplares, autores de prestígio já passam mais tempo dando palestras do que escrevendo.
Não estamos falando do futuro, mas do presente.
Acho que a visão de “livro” que está se adotando por estes radicais (e pela maioria aqui) é muito estreita.
Pensemos em livro em uma forma LINEAR de contar e ler uma história ou alguma coisa…
O livro só acaba quando começarmos a escrever e a interagir de forma NÃO LINEAR o que, convenhamos, quando foi feito, não passou de experimento sem compromisso de passar uma mensagem livre de ruídos.
Vamos com calma…
Penso que o livro nao esta a beira da morte, mas esta passando por uma mutacao. Se ele sera melhor, ainda é cedo. Tem um grupo de pessoas que lancam e-books. [A Academia de Letras Luso-Brasileira] Estes e-books sao belos e sao “impressos” em CD´s. Os produtores preparam e incrementam o livro de tal modo que o “suporte” (CD) ampliou as possibilidades de insercao de adicionais (como ocorre com os DVD´s) A biografia do autor (nao o perfil); fotos, gravuras, ilustrações, musicas, desenhos. Penso que isso é uma evolucao significativa eo nosso amigo Gutenberg ficaria mui satisfeito.
Li q uma vez o Mindlin participou de um evento da MIcrosoft para apresentar um novo modelo de e-book. Só que na hora, o aparelho não funcionou. Com o bom e velho livro impresso nunca passaríamos por isso. Enfim, quem gosta de ler vai sempre fazer questão de um livro nas mãos. Quem não gosta que se contente com fragmentos, links, e-books e outros genéricos. Fazer o q?
Já fiz meu comentário…, o livro vai acabar…, com certeza, como a vida um dia acaba…, viva o livro!
José A. Fiori
Essa é a polêmica do momento há muitos anos. Acho que há muito exagero nessa questão, pois remonta ao velho tema homem vs. tecnologia, como se travassem um combate desigual, à moda de Dom Quixote. O livro de papel vai perdurar por muitos anos, pois ainda é o modo mais eficiente e barato de se alcançar o conhecimento e de dialogar com culturas de várias épocas de lugares diferentes. Lembremos que a tecnologia, apesar do notável avanço, ainda é restrita a uma parcela relativamente baixa da população. Lembremos também que os escritores estão preocupados muito mais com a questão dos direitos autorais do que com o livro em si; evidentemente, os escritores ganharão menos, mas lembremos que os escritores de ofício – que vivem exclusivamente da literatura – é um fenomeno basicamente do século XX. Grandes gênios da literatura passaram a vida comendo o pão que o diabo amassou e isso nunca pos a existencia da literatura ou do livro em risco… Provavelmente, deixarão de existir os escritores milionários; milionários serão somente os fashions, os escritores que fazem desse oficio algum tipo de pantomina ou outra qualquer coisa que chamam de marketing… mas escritores de verdade continuarão a existir, mesmo que em nichos de guerrilha.
tenho a impressão que este debate começou com o surgimento da tv ou do rádio.