Num artigo recente para o “Boston Globe” (em inglês, acesso gratuito), Jan Freeman comenta a queda em desgraça do ponto-e-vírgula, que não vem de hoje. Segundo um estudo restrito à língua inglesa, sua incidência teria despencado de 68,1 para 17,7 (por mil palavras) entre os séculos 18 e 19. O século 20 não é mencionado, mas suponho que um levantamento semelhante encontraria esse sinal de pontuação – “que indica pausa mais forte que a da vírgula e menos que a do ponto”, segundo o Houaiss – chegando perto de encostar no zero à medida que nos aproximássemos do 21.
Kurt Vonnegut, que chamava o ponto-e-vírgula de “travesti hermafrodita”, foi apenas um dos escritores que ajudaram a difamá-lo como figurinha pedante, esnobe, cricri, desprovida de sentido e até, na formulação machista de um de seus detratores, mariquinhas.
Acho um exagero. Embora procure usar o ponto-e-vírgula com a maior parcimônia possível – basicamente em enumerações em que um ou mais elementos contenham vírgulas internas, caso em que ele é indispensável à clareza – e não o recomende efusivamente a quem está em busca de um estilo, prefiro pensar nele como mais um recurso no arsenal da língua.
Se até a insuportável mesóclise deve ter – coisa rara, mas tese é tese – o seu lugar, não convém fazer como aquele crítico diante da rima e condenar o ponto-e-vírgula de forma inapelável. Recursos desgastados existem para que escritores de talento os reabilitem.
29 Comentários
Li um ensaio de Theodor Adorno recentemente sobre pontuação (in: Ensaios Literarios I – Editora 34). Não me pareceu que o crítico foi um dos que axautaram o “ponto-e-virgula”, não recordo as palavras exatas. Se alguem estiver com o livro por perto pode citar. Se não cito mais tarde.
Não existe texto que contenha mais ponto-e-vírgula que Moby Dick. Chega a ser irritante!
Não me espanta que o ponto-e-vírgula esteja rareando com o passar do tempo. Nas escolas e nos livros de redação, ensina-se que a concisão e objetividade são virtudes e que o bom texto é aquele em que as frases são curtas, precisas e construídas preferencialmente na ordem direta. Tal lição tem sido muito disseminada nos manuais de redação adotados pelos jornais de grande circulação; dou como exemplo a seguinte lição exposta no Manual de Redação da revista Veja: “Frase curta é bom e gosto. Com uma palavra só. Assim. Tente.”
Por outro lado, textos prolixos, em que o autor usa e abusa da ordem indireta, emprega tudo quanto é tipo de figuras de linguagem, faz maneirismos e malabarismos verbais, tais textos são apreciados de forma negativa, são vistos como arcaísmos e são citados como exemplos daquilo que deve ser evitado, custe o que custar. Pegue, por exemplo, este passo de A Arte de Furtar, obra anônima do Século XVIII:
“E se é famosa a arte que, do centro da terra, desentranha o ouro, que se defende com montes de dificuldade, não é menos admirável a do ladrão que das entranhas de um escritório – que, fechado a sete chaves, se resguarda com mil artifícios – desencova com outros maiores o tesouro com que se melhora de fortuna.”
O aluno que hoje se aventurasse a escrever assim, tenho certeza de que ele levaria uma bronca do professor, por ter cometido o pecado capital de esticar demasiadamente o período sem, ó escândalo, um único ponto final que desse ao leitor pausa para respirar!
Quando o professor passa a viciar o estudante em tal estilística, o resultado incontornável é a morte do ponto-e-vírgula. Com o desmatamento do habitat natural, a espécie que precisa de amplos espaços é a primeira a se extingüir.
Santo Deus! Se o ponto e vírgula morrer, como irei piscar para os amigos 😉
Acabei de ler o artigo citado pelo Sérgio. Estou embasbacado com a grande tese levantada por alguns autores: o ponto-e-vírgula é um sinal de pontuação de maricas: “the most pusillanimous, sissified, utterly useless mark of punctuation ever invented.”
Que gênio sou eu! Esse era precisamente o tipo de argumentação que costumava a utilizar… quando estava na quinta-série. O famoso “coisa de veado” (pronunciado com som de i, é claro).
Em Belo horizonte, lá pelas décadas de 1940 e 1950, floresceu um poeta inventor um novo sistema ortográfico. Chamava-se Fânor Albuquerque e “Panpulia di meus amoris” seu mais famoso livro. Fânor defendia a extinção do ponto-e-vírgula que ele considerava uma aberração pelo seu espírito contraditório: a vírgula manda seguir e o ponto manda parar.
As pessoas comuns têm para com as pontuações e sinais gráficos uma relação mecânica, utilitária. É útil? Usa. Não? Então, pra quê? Mas daí ficam esses malucos, os poetas, conversando sobre o ponto-e-vírgula como se ele fosse um ente querido, tendo afeto pelo ponto-e-vírgula. Ponto-e-vírgula serve pra dar uma piscadinha, 😉
saco, substituiu automáticamente por uma figura… : – P
Eu tenho uma queda enorme pelo ponto-e-vírgula, até em frases curtas. E prefiro vê-lo pouco do que muito e mal usado. O que me incomoda, porém, é ver que ele anda rareando mais por ignorância de quem escreve do que por algum suposto pedantismo. Já ouvi gente de 20 e poucos anos – jornalistas – perguntarem pra que ele serve…
Que moça culta, a Maria Eduarda: usa
ponto e vírgula!
(Mário Quintana )
Tinha razão o poeta gaúcho . O ponto-e-vírgula traz em si algumas sutilezas que poucos captam.
http://www.kplus.com.br/materia.asp?co=270&rv=Gramatica
Curiosamente, o texto não tem ponto-e-vírgula.
o ponto-e-vírgula cita Luis Melodia: “eu sou o morto que viveu”.
Não posso deixar de dizer, além disso, que meu pensamento só pensa com ponto-e-vírgula; só penso do jeito que penso os pensamentos que penso da forma como penso usando ponto-e-vírgula. Não é questão sentimental, muito menos de escolha; é porque é. Não conseguiria me expressar, mesmo para mim mesmo, sem usá-lo. É-me natural utilizá-lo, seja assim, seja assado, por isso não vejo sentido nesta discussão toda; não foi o ponto-e-vírgula que morreu, foi, sim, o próprio pensamento das pessoas que não mais o utilizam que se atrofiou. E aí entra toda a t(T)eoría c(C)rítica de Adorno e Horkheimer e tantos outros…
Uso, sempre que julgo necessário o ponto e vírgula mas, realmente vejo que ele está rareando nos textos por aí…
Rafael, a pausa não seria para respirar mas para um neurônio perguntar para o outro: “Cuma?”.
Alguém citou Quintana, acrescento: “Quando completei quinze anos, meu compenetrado padrinho me escreveu uma carta muito, muito séria: tinha até ponto-e-vírgula! Nunca fiquei tão impressionado na minha vida…”
O Rafael tem razão sobre a necessidade de combater a prolixidade dos textos. Mas não se pode chegar ao oposto, frases curtíssimas, excesso de pontos, como na “escola” Falha de S. Paulo (que sacrifica o estilo em prol da objetividade).
Uso com certa freqüência o ponto-e-vírgula; tem vezes em que ele é indispensável.
Por Júpiter! Sou um incompreendido…
Que discussao mais inutil! Comparar a pontuacao no portugues e no ingles; eh isso? Eh logico que o ponto e virgula eh algo prescindivel na lingua inglesa; A propria estrutura de um paragrafo estilisticamente razoavel; em ingles; indica pra isso; Nem o Beckett ou o Faulkner – que ate tinham maleabilidade formalistica para usa-lo; o usavam!
Acho ateh que o dono do espaco levanta essas discussoes com uma certa malemolencia; do tipo; vou botar um tema bem inutil pra ver o que os proselitos tem a opinar – se eh barata ou se eh besouro; se a virgula eh commodity mais valiosa que o ponto e virgula; ou quantas punhetas o Kafka tocava; Ai vem o cara falando ‘exautar’ impunemente; o outro falando na falencia da razao; outro falando do Luis Melodia…
Pelo menos tem sempre um a citar um Arte de Furtar; ou um Sermao do Bom Ladrao; Pelo menos; Mesmo que eu nao concorde totalmente com os argumentos contra o ;
Sergio, faca o favor; trate o pessoal com mais dignidade;
Cordial abraco; Chico
Chico, seu comentário seria apenas desprovido de humor, coisa de quem acordou com o pé esquerdo, se não passasse tão perto do insulto. Mais dignidade? Era só o que faltava.
Tem razão, a discussão da barata é inútil, a do ponto-e-vírgula também. É evidente que são. Útil é a cotação da Bolsa, útil é o livro de auto-ajuda. A literatura é de uma inutilidade pungente. A inutilidade está inscrita no pórtico deste blog. Você não viu? “Abandonai todo o utilitarismo, vós que entrais!”
Dessa vez, em todo caso, você passou longe de entender o tema discutido. Comparar pontuação de inglês e português??? Deixe-me ver: o ponto-e-vírgula está em desuso na língua deles, mas floresce de forma exuberante ao sul do Equador, é isso? Você tem lido os autores brasileiros dos últimos, digamos, oitenta anos?
Na boa, considero bem menos grave escrever “exautar” do que dar um chutão pro mato como esse de que o ponto-e-vírgula tem uma incompatibilidade estrutural com a língua inglesa (esqueceram de avisar a Melville, como alguém lembrou bem aqui).
Em suma, meu caro, rogo-lhe que, em dias tão azedos, procure outro para amolar. Tenho muitas inutilidades para fazer.
Um abraço.
Sem comentarios, Sergio. So nao me leve a mal, pois detesto discussao barata. Eu realmente nao entendi o tema. Nao entendi nada! Nem tua resposta.
So traga temas mais intressantes, por favor. Tem gente, como eu, que frequenta esse espaco quase todos os dias. E convenhamos, discutir ponto e virgula!
Abraco.
Se me permitem, sugiro um tema interessante: será que o Borges plagiu Monteiro Lobato no conto Aleph? Estou a reler (gostaram a sintaxe lusa?) o curiosíssimo “O Presidente Negro”, único romance escrito pelo escritor paulista. Há uma passagem, em que ele descreve uma máquina que consegue condensar todo o instante do Universo, comprimindo-o numa espécie de funil. Veja a descrição do Monteiro Lobato:
“(…) uma corrente contínua, que é o presente. Tudo se acha impresso em tal corrente. Os cardumes de peixe que neste momento agonizam no seio do oceano ao serem apanhados pela água tépida do Golfo, o juiz bolchevista que neste momento assina a condenação de um mujik relapso num tribunal de Arkangel; a palavra que, em Zorn, neste momento, o kronprinz dirige ao ex-imperador da Alemanha, a flor do pessego que no sopé do Fushiama recebe a visita de uma abelha; o leucócito a envolver um micróbio malévolo que penetrou no sangue dum fakir da Índia; a gota d’água que espirra do Niágara e cai num líquen de certa pedra marginal; a matriz de linotipo que em certa tipografia de Calcutá acaba de cair no molde; a formiguinha que no pampa argentino foi esmagada pelo casco do potro que passou a galope; o beijo que num estudio de Los Angeles Gloria Swanson começa a receber de Valentino…”
Não lembra muito o trecho mais famoso do conto O Aleph?
Antes que me imputem a odiosa prática de introduzir assuntos estranhos ao tópico, assinalo que o trecho do Monteiro Lobato está recheado de ponto-e-vírgulas.
rafael,
Primeiro quero ressaltar que entendi bem a ironia de seu comentário de ontem. É muito difícil ser ironico e ser entendido, ainda mais em caixas de comentários de blogs. Mas, o que impulsionou o meu comentário foi sua sugestão de tema. Eu adoro O Aleph, que li já na idade adulta, e não me recordo do conto do Monteiro Lobato – li a coleção dele para adultos quando ainda era criança kkkk. De qualquer forma, fiquei intrigada e acho que vc tem uma certa razão. Não diria plágio, mas pode ter sido inspiração. Vou ler os dois de novo e prometo retornar, se o dono do blog não ficar chateado da gente tomar conta assim da caixa de comentários dele kkkk.
Ao mesmo tempo, lembrei-me de outro conto de Borges – O Imortal – o qual sempre comparo com o romance Todos os Homens são Mortais, da Simone de Beauvoir. Já havia lido o romance quando li o livro e fiquei espantada. Não pensei em plágio, meu pensamento foi: “caramba, Borges conseguiu expressar nesse conto, tudo o que Simone me passou no romance”. Na verdade, não é que eu achasse o conto uma síntese do romance. O conto é ainda mais profundo. O que vc acha?
viva o ponto-e-vírgula.
Rrrafael, tuas sacadas sao sempre boas. Nao li o Presidente Negro ainda – esta na fila dos inumeros – mas realmente eh impressionante a semelhanca com o final do conto do Aleph. Se Borges leu Lobato…nao da pra dizer, mas que eh divertida eh essa coincidencia pra um autor que desprezava por esporte autores brasileiros, eh.
Chico,
Mais um detalhe: Monteiro Lobato viveu um tempo em Buenos Aires, se não me engano, na década de quarenta. E muitos dos seus livros foram traduzidos para o espanhol para serem publicados na Argentina, onde sua produção infantial parece ter sido um considerável sucesso editorial. Detalhes podem ser vistos aqui: http://www.alb.com.br/anais16/sem08pdf/sm08ss05_03.pdf
É claro que tudo pode ser mera coincidência, tão vasta é a literatura, como diria Borges.
Ahh, esse detalhe de Buenos Aires eu nao sabia! Sei, Rafael, que ele vivera alguns anos em Nova Iorque como adido ou algo parecido representando interesses do cafe, mas isso fora nos anos 20. Bom, o Aleph, se nao me engano eh dos comecinhos dos anos 50…. Eh pra botar as barbas de molho mesmo…
Eu gosto de ponto e vírgula; e ponto final.
Estou elaborando um material didático em forma de vídeo-aulas para uma grande instituição educativa. O primeiro tema é pontuação. Gostei muito do tópico. Obrigada por escrever sobre esses temas para ajudar gente como eu. Um abraço.
Pra quem acha que ponto e vírgula não tem utilidade: tente transcrever uma palestra ou diálogo; num texto informal, o ponto e vírgula vem bem a calhar. (Veja logo alí atrás o meu uso do ponto e virgula)