Li o esboço de um debate interessante, embora incipiente, nas entrelinhas do “Rascunho” de junho. De um lado, o carioca Nelson Motta, de cuja literatura não sou propriamente um fã, diz numa longa entrevista coisas sensatas como esta:
Faço uma literatura de entretenimento, uma literatura pop. Minha grande ambição é alegrar, divertir as pessoas, emocioná-las um pouco, esclarecer uma coisa ou outra. É para isso que eu rezo literalmente, todo dia, antes de escrever: para que meu trabalho possa alegrar, divertir e esclarecer. (…) Já é muito difícil você conseguir essas coisas. Muita gente que quer fazer arte não consegue sequer fazer um bom entretenimento. E, às vezes, naquilo que tem o espírito de entreter com leveza, você também encontra arte e profundidade.
Do outro lado – num artigo que, a meu ver, acaba atirando em alvos demais – o pernambucano Raimundo Carrero, escritor de vôo estético mais longo e ambicioso, passa em certo momento por um caminho que corta o de Nelson Motta num ângulo inesperado. Carrero parte de um lugar-comum: fala de uma ficção “que se dilacera entre a obra de arte e a obra voltada apenas para o leitor, transformada em mercadoria”. Chega a criticar de passagem o “medíocre romance norte-americano de hoje”, como se tal juízo polêmico dispensasse defesa. No entanto, em vez de optar pelo previsível autismo dos escritores que dizem não dever satisfação alguma ao mundo exterior, Carrero apresenta o germe de uma proposta curiosa de conciliação entre os anseios de autoria do autor e os imperativos de leitura do leitor:
Na simplicidade, o romance deve chegar aos olhos do leitor com tal leveza que não exija nenhum tipo de quebra-cabeça, tornando-se cada vez mais leve. Aí está o segredo. No entanto, isto não quer dizer que o escritor abdicará das técnicas interiores, que se revelarão na sofisticação.
A proposta é incipiente, como eu disse, pelo menos da forma como foi apresentada no jornal. Carrero promete um desenvolvimento em seu livro “As estratégias do narrador”, ainda inédito. Mas gostei dessa mistura de sofisticação com leveza: me fez pensar nas “Seis propostas para o próximo milênio”, de Italo Calvino.
Convém lembrar que receita para escrever ficção nunca houve nem haverá, claro. O que não quer dizer que a literatura brasileira possa dispensar um bom – e já tardio – debate sobre o que a levou a se estranhar com seus leitores de tal forma que de repente, em nossa geopolítica maluca, Cabul lhes parece uma terra mais próxima, mais familiar, mais carregada de sentido que Nova Iguaçu.
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Sérgio, pra botar lenha na fogueira, vai abaixo um trecho de “Borges”, o diário de Adolfo Bioy Casares:
Borges: “Comecei a ler Guerra e paz e de repente me dei conta de que os personagens não podiam me interessar. De Tolstoi também li alguns contos, mas via a mim mesmo fazendo um esforço. E não gosto disso quando leio. Quer dizer, se leio um livro de matemática, ou psicologia, ou ciência, então deve ser assim, mas com um romance ou um conto não desejo me esforçar. Quero me divertir. Não vejo a razão para que um escritor de contos ou de romances deva causar algum problema. Lembro que George Moore disse que Tolstoi fez a descrição de doze homens de um júri tão minuciosamente que, ao chegar ao quarto, já tinha esquecido tudo sobre o primeiro”.
Mais lenha. Luis Fernando Verissimo: “Os personagens de Hitchcock vivem seus momentos decisivos na superfície de sólidos e indiferentes símbolos americanos, um pouco como ele, um intelectual europeu, fazendo a sua grande arte disfarçada de entretenimento popular, na cara dos americanos.”
Literatura de ficção precisa ser sempre entretenimento. Quando deixar de sê-lo, não é mais ficção. E também detesto ter que fazer força para ler. Ou ter que ler com extremado cuidado, com medo de perder alguma palavra ou sentido, dentro de um contexto carregado de interpretações. Gosto de leitura fácil. Mas concordo que isso não descarta a técnica. Textos bem escritos são obrigatórios e entretenimento bem escrito tá difícil de achar…
“Como, então, devem se comportar os escritores? Em primeiro lugar não se preocupando com a questão das vendas, o que deve interessar somente aos editores.”
Discordo completamente. O que puder fazer para alavancar as vendas do meu livro, eu faço. Sem nenhum constrangimento. Não vivo de eflúvios.
Posso estar enganado, mas o fato de os leitores brasileiros –
Posso estar enganado, mas o fato de os leitores brasileiros – que são poucos – se interessarem por enredos ambientados em Cabul, por códigos disso e daquilo, ou mesmo por fantasias levadas às telas de cinema por Hollywood (Nárnia, Senhor dos Anéis etc.) tem muito a ver com o marketing que se faz em cima desses livros. Tudo, a meu ver, não passa de modismo. Claro que os autores e editores brasileiros têm sua culpa. A oferta de produtos nacionais desse gênero é bem menor que a estrangeira. Mas a impressão que eu tenho é que basta um título que tenha ocupado o topo das listas de mais vendido nos EUA, ou que tenha servido de base para a trama de um blockbuster, ser vertido para o português, para que pessoas que nunca leram sequer um conto inteiro na vida correrem pra livraria.
Por ser pertinente, Sérgio, permita-me antecipar aos seus leitores e comentaristas, uma das respostas do José Castello, do “Rascunho” e “O Globo”, em entrevista ao Pontolit (será publicada no próximo sábado):
Pontolit: O leitor de ficções existe ou é apenas mais um personagem de ficção?
Castello: “O Eu é uma ficção. Quem pode dizer realmente quem é? Temos nossas ilusões, nossas magras certezas, que sempre mudam, as coisas e imagens e nomes a que nos apegamos. Crescer, eu acredito, é construir-se – é inventar-se! Por isso não acredito nas teorias desenvolvimentistas, que apontam caminhos corretos e fixos de crescimento que devem ser trilhados por todos. Cada um cresce como pode, como deseja, como é capaz de se inventar. Crescer é inventar-se, insisto, então há muito de ficção, há sobretudo invenção e ficção, na vida de qualquer um de nós. O que ocorre quando lemos uma ficção? Há o encontro de nossa ficção pessoal (nosso Eu) com a ficção escrita por alguém. Ler é entrecruzar ficções, que se alimentam, que se desafiam, se perturbam, que entram em luta entre si.”
Apenas por ênfase eu acrescentaria que literatura deveria ser sempre inclusiva, jamais exclusiva. Que todo leitor se encontre nos livros que desejar e que “continue a crescer” (como quiser e puder). Mas que jamais deixem de existir os livros, os leitores e (ora, porque não?) os escritores.
Minha impressão é que esse tal de Raimundo Carrero, antes de abalançar-se a escrever um livro sobre técnicas de narrativa, deveria ele mesmo inscrever-se num curso de redação de artigos. É impressionantemente fértil de contradições o seu texto.
No parágrafo inicial, por exemplo, explica ele que “a morte do romance tem sido anunciada ao longo dos tempos”, sinalizando o início desse, como direi?, movimento no “começo do século 20”. Se há mais de cem anos a narrativa está em crise, parece-me um tanto óbvio que a crise hamletiana do romance, a do ser ou não “obra de arte”, não é coisa que acontece “neste momento”. Neste momento, há apenas a repetição de debates antiquíssimos, tediosamente repetidos ad nauseam, como se fossem uma grande descoberta, digna do “eureka” de Arquimedes.
Arte e mercado? De novo essa ladainha? O que há são os bons e os maus livros, os primeiros podendo ser de fácil leitura, como as Minas do Rei Salomão, e de difícil compreensão, exigindo do leitor erudição e o domínio de amplas referências culturais (v.g., Divina Comédia). Os maus livros, há os de fácil leitura, como o Alquimista, e os de difícil leitura, como Finnegans Wake.
O problema da literatura brasileira (e até o da literatura contemporânea em geral) é a profissionalização do escritor. Os grandes autores, em geral, foram homens vividos, desgraçados pelo destino, cultos e irreverentes. Cervantes, por exemplo, comeu o pão que o Diabo amassou: foi soldado, foi escravo, foi preso, perdeu uma mão na famosa batalha de Lepanto; e concebeu parte do D. Quixote na prisão.
Hoje, a atribulada vida do autor resume-se a ser escritor. O escritor vive o percalço de ser escritor, sofre por ser escritor, passa fome por ser escritor, é admirado ou odiado por ser escritor; daí que ele escreve livros povoados por escritores, cujo grande drama existencial é a técnica da escrita. Livros sobre livros, que se remetem a outros livros, numa cadeia infinita de referências: isso é a tal da “obra de arte”. Os que cometem a apostasia de se voltarem ao “mercado” escrevem livros cujos principais personagens não são escritores e nos quais não se debate a técnica da narrativa; mas mesmo esses livros, aparentemente imunizados dessa moléstia pós-moderna da metalinguagem, não passam senão de repetição de outros livros.
Ernani, obrigado pelas contribuições. Muito boas as duas.
Claudio, se entendi bem a idéia no meio das palavras grandiosas, “cruzar ficções” é algo que se pode fazer também diante da TV, no cinema, no teatro, na mesa do bar. O que existe de específico na leitura continuou na sombra.
Rafael: falar em lugar-comum e ladainha velha, essa do pós-modernismo também já deu, não? Tem metalinguagem no Quixote. O melhor livro dos últimos anos é metalingüístico até a medula. Acho que por aí a discussão não vai muito longe.
Abraços.
“em nossa geopolítica maluca, Cabul lhes parece uma terra mais próxima, mais familiar, mais carregada de sentido que Nova Iguaçu.” Perfeito, Sérgio. A melhor definição para esse ‘fenômeno’ contra o qual me debato há tempos. Mas isso se passa em muito pelo divórcio de nossos leitores com seu próprio país. Cabul interessa a um público que busca um verniz de preocupação social, mas mantém os vidros do carro fechadinhos. Cabul é mais perto do que Madureira, ainda que leitor tenha vindo de Madureira. E nossos autores, na maioria dos casos, se querem mais próximos de Paris. Ou se enroscam em torno da própria literatura, afundando numa metalinguagem que só interessa a eles mesmos. Isso quando não, em postura diametralmente contrária, ‘imitam’ a favela pra consumo externo. Criam seus “Cabuls” ideais. Nessa parada, meu caro, leitores e autores parecem de mãos dadas. Com raras e boas exceções – caso, aliás, do Carrero.
O que impressiona leitores é enredo, texto e personagem.
Do pouco que li muito me impressionaram: enredo e personagem, Orwell e Kafka; texto, Machado e Proust.
Mas eu ainda li pouco e certamente encontrarei outras combinações.
O conflito arte x mercado é muitas vezes uma aporia. Thomas Mann, por exemplo. Quem vai acusá-lo de comercial? Todavia, seus romances sempre foram best sellers.
“Convém lembrar que receita para escrever ficção nunca houve nem haverá, claro.”
E eu acabei de encomendar “How fiction works” do James Wood!
Como faço pra cancelar na Amazon?
Acontece que o brasileiro tem um pensamento provinciano e pequeno em relação a artistas nacionais: o que é daqui, não presta. Muita gente pensa assim. Até lêem as crônicas do Verissimo, do Ubaldo, do Cony, mas se você tentar indicar um romance deles pra alguém – e olha que estou falando deles, que dirá se for de um autor pouco ou menos conhecido -, a pessoa não vai querer ler. Vai dizer que não gosta de literatura brasileira ou que está procurando algo tipo “O código Da Vinci”. É algo arraigado, está impregnado na maioria dos brasileiros. E isso não vale somente para as artes. O brasileiro, no mais das vezes, não dá valor a nada que seja daqui. Nem a si mesmo, vide as constantes de auto-desprezo e baixa auto-estima. Meu discurso é generalizador, mas nem de longe acho que todo brasileiro é assim. Só a maioria.
Que divertido, os macaquinhos todos batendo palmas e enfiando o dedo nariz! “Teu ranho é amarelo-ouro ou verdão?” Vamos lá, continuem, divirtam-me! Tão engraçado, analfabetos debatendo literatura… E o sujeitinho que acha que o leitor optar por Cabul em vez de por Nova Iguaçu diz algo sobre o escritor brasileiro – quando, obviamente, só diz sobre o leitor. Mais irracionalidade, por favor. Eia, eia! Mais figos, se não fígados!
Mas essa literatura pop, de entretenimento (na acepção do Nelson Motta) também funciona com autores brasileiros, não? O próprio Nelson Motta, com aqueles romances que têm um pé no policial, o Ruy Castro quando publica suas ficções históricas e o campeão de todos, Jô Soares, todos vão para as listas dos mais vendidos. E havia aquelas coleções, se não me engano da Objetiva, com livros temáticos (os sete pecados, um escritor escrevendo sobre outro, etc), que foram muito bem. Só que, como bem observou o Nelson Motta, é raro encontrar arte e profundidade nessas obras – não li nada da onda Cabul, mas será que há arte e profundidade nela?
Sicofanta: da próxima vez que quiser dar a sua “opinião” (não, claro que o escritor brasileiro não tem nada a ver com o leitor brasileiro, imagine que absurdo…) tenha a dignidade de assinar seu nome, com os mesmos caracteres que aparecem na capa de seus livros. Não é tão difícil, repare: é assim que eu faço. Aí, pode pegar pesado. Mas estou pensando seriamente em filtrar o hate mail de valentões covardes como você. Não seria censura, talvez, mas higiene. E nada pessoal: dedetização, só. Claro que é complicado, veja o ardil: sua reiterada falta de vergonha na cara me leva a flertar com uma postura autoritária que sempre evitei. Não sei o que acham disso os comentadores honrados, de qualquer credo ou igrejinha – este também não seria um mau debate.
Ségio, dê início a ele! Vejamos o que diz a vox populi.
Iniciado está, Rafael.
Comecei a ler o texto dele muito interessado, mas perdi o interesse, e nem terminei a ler, quando a proposta dele dava sinais de que ia acabar, como vai, virando um manual literário.
Soltava pipa bem. Cruzava com cerol fino e aparava, portanto minha erudicao engloba – sem vergonha da minima modestia – todo o vocabulario de palavras correlatas (avuar, aparar, rabiola…). So que nunca li Mona Lisas, nem Veronicas frigidas, tampouco nada relacionado ao primitivismo de Cabul.
Bom, mas esses livros vendem. Se sao arte? Nao sei. Sei que as questoes que o Carrero levanta, sao validas. Apesar de nao saber bem como compor essa complexidade narrativa com gosto popular. Se entendi bem a proposta, seria como tirar a Lispector do seu apartamento indevassavel de fundos e coloca-la na segunda-feira, na esquina da Rio Branco com Carioca, com uma latinha de Brahma, rebolando ateh o chao, atras do Bola Preta… Seria isso?
“O melhor livro dos últimos anos é metalingüístico até a medula.”
Desculpem minha ignorância, mas esse seria o “Atonement”? Fiquei curioso.
Acertou na mosca, Raul.
Também estava curiosa a respeito do livro. E também acho “Reparação” um dos melhores dos últimos anos. Senão o melhor.
Sérgio, acho que seria mesmo inevitável citar o Calvino. Logo no início do post, quando li o trecho do Nelson Motta, me veio imediatamente à cabeça o prefácio do italiano/cubano para “O visconde partido ao meio”, em que ele diz que entretenimento (ou diversão) é coisa séria. De fato costumamos desprezar esse prazer fundamental em nome da nobreza artística, mas ambos são importantes — e se confundem. Dependendo do leitor, diversão pode não estar ligada a facilidade de leitura. Thomas Mann não é fácil e vendeu, como disseram aí em cima. Ele simplesmente oferece outros atrativos, como Proust ou Joyce. Quer dizer, há quem se deleite com “The Waste Land” exatamente por não ser fácil.
O Calvino, aliás, me parece um caso a parte. Para mim, talvez seja a maior prova de que juntar diversão (nesse ideal de simplicidade e facilidade) e qualidade literária é possível.
Não esqueçamos que ler por obrigação é uma das coisas mais enfadonhas que existe (e nós aprendemos isso na escola). E, se alguém lê obras “difíceis” até o fim voluntariamente, é porque gosta (com exceção de possíveis masoquistas literários).
Sincofanta, calma, camarada. Até concordo em parte com a sua intervenção, mas essa agressividade/anonimidade cibernética claramente advoga contra você. Talvez este não seja o melhor lugar para extravasar possíveis frustrações ou fazer justiça literária. Seria uma pena perder a opinião de uma figura cheia de energia, irreverência, malemolência, etc como a sua.
Acho que não se deva mesmo desprezar o romance americano, já que há vários autores lá que conseguem conciliar ambição artística com um nível bem interessante de popularidade: Roth, DeLillo, Chabon… .Claro, não são vendagens a la The Secret, mas já dão bastante jogo.
Sempre achei curioso o caso do Saramago no Brasil. Uma prosa que não é direta, mas que passa com folga a famosa barreira dos 3 mil exemplares. O Hatoum também conseguir deixar para trás o número é também um alento. Alguns outros certamente conseguem, mas é difícil avaliar também com a falta de dados. Mas o problema está aí. Sou bem favorável e interessado em experimentações em prosa, mas é preciso ter mais gente fazendo o meio de campo, e isso não quer dizer que seja um esforço trivial.
Concordo contigo Rodolfo, o bom livro depende dos olhos e da generosidade – e do sempre discutivel bom gosto – do leitor. Esse tal gozo estetico do leitor, que tanto as editoras perseguem, envolve uma montanha de subjetividades que passa pelo marketing ateh chegar ao gosto pessoal leitor. Os mestres da literatura conseguem a facanha de conjugar no mesmo verbo entretenimento, trama e profundidade. Lembro de uma entrevista curiosa do Billy Wilder ha anos atras onde ele diz que nunca chamaria de pustula – ou, mostraria suas fragilidades para que todos vissem – ao cidadao que leva sua a patroa sabado a noite para um cineminha. Diria-o de forma que ele, sua patroa e seus amigos rissem….
So uma observacao, Marco, acho que nao da pra colocar o Chabon no mesmo barco do Roth e do Bellow, nao. Nao sei, nao vejo muita semelhanca.
Bom, ora veja voce, seu eu tenho cara de otario ou feicao de boboca pra dizer que cor tem minha mucosidade…
Sérgio: sombras como as que Bentinho cita de Goethe: “Aí vindes outra vez, inquietas sombras?” Creio que cada um lê (ou relê) como pode e de forma única. Existiria uma leitura absoluta? Método, é claro, existe, mas também dependerá da bagagem “histórica” do leitor. Lembro Nabokov e Borges que diziam que leituras não existem, apenas releituras. Bem, pelo menos para o leitor criativo — o que já pressuporia diferentes leituras e interpretações do mesmo texto.
Outro assunto: puxa, como esse sicofanta é revolucionário, não?
Como já debatido em posts anteriores, o povo compra o que lhes é dito para comprar. E o mercado se retroalimenta, na base do “se todo o mundo estpa comprando, então deve ser bom, então compro eu também”. E aí o dito sucesso se transforma mesmo em sucesso.
Não me parece que haja dissociação entre o leitor brasileiro e a “literatura brasileira”. Os brasileiros compram porcaria estrangeiras (“O Segrado” e os qualquer-coisa-de-Cabul) e nacionais (Gasparettos, Coelhos etc.). Notem que o raciocínios vale para ficção e não ficção.
O bom livro é sim difícil digestão, ainda que de fácil leitura (ou seja, a linguagem é clara, mas os temas são complexos). Poucos, entre a população, lerão Dostoiévski e mesmo o Quixote e o Moby Dick que crêem conhecer.
Quanto à questão da arte, da metalinguagem, da função da literatura, da simplicidade, do entretenimento, etc., penso que a melhor síntese foi a do Poe na “Filosofia da Composição”. O que o artista deve buscar (em qualquer modalidade artística) é antes de mais nada o efeito que produzirá no destinatário da obra. A obra será bem sucedida se esse objetivo for alcançado (e “O Corvo”, que está no cerne desse texto, bem demonstra o acerto dessa concpção e desse método).
Nesse contexto, o Nelson Motta que foca o prazer ligeiro, alncança com maestria seu objetivo. O mesmo se dá com grandes como Machado de Assis, cujos objetivos, é claro, estão noutro patamar: o do entretenimento, sim, mas que passa pelo árduo caminho da reflexão e nem sempre dos bons sentimentos.
Mas, afinal, quem é o Siconfanta de Cabul?
paulo polzonoff jr » Blog Archive » A nova pólvora da literatura brasileira
Siconfanta de Cabul? Para este e outros comentários mal criadinhos, voto em Joca Terron.
Se o Nelson Motta (argh!) tivesse o bom senso de calar a boca, isso poderia incentivar outros a calarem também.
Prezado Sérgio: Estou lendo, com atenção, todos os comentários, e acho ótimo o debate. Na verdade, como você mesmo assegura, não existe receita para o romance. Concordo. Mas cabe ao estudioso do romance uma reflexão, cada vez mais longa, sobre os processos criativos. Quando falo sobre simplicidade e sofisticação, estou me referindo a um tema que me parece importante, mesmo caindo no lugar-comum: arte e mercado.
Um caso muito direto de simplicidade com sofisticação: “Dom Casmurro”, de Machado de Assis, tão discutido agora e sempre. Graças a Deus. E me lembro também de “Doutor Fausto”, de Thomas Mann. São livros ou romances que podem ser lidos por leitores os mais diversos. Mas em primeira mão, e em primeira leitura, paracem contar apenas boas histórias. É claro que muita gente vai discordar de mim, inclusive com grosserias. Mas é isso mesmo. Paciência.
Em primeiro lugar, “Dom Casmurro” é o mais sofisticado romance da literatura brasileira. E chega aos olhos do leitor com imensa simplicidade. Uma das grandes sofisticações de Machao está no título, porque “Dom Casmurro” não é um personagem – não há história de Casmurro, no romance, mas de Bento Santiago e Capitulina. Portanto, com essa simplicidade de água parada, consegue levar o leitor a considerar Casmurro uma vítima de Capitu e de Escobar. No entanto, Casmurro está ali como narrador onisciente – veja, narrador, e não personagem. O que levou Fernando Sabino a escrever uma versão do romance, na terceira pessoa e tirando o narrador onisciente, Dom Casmurro, cuja missão é confundir o leitor com digressão e comentários. O outro narrador é Bento Santiago, ou seja, com a técnica do narrador oculto. Em tempo: são dois narradores e não dois personagens. Aí reside o desafio da simplicidade com sofisticação.
Além do mais, “Dom Casmurro” não é bem um romance convencional – aceito as críticas e os gritos – mas uma versão de “Otelo”, de Shakespeare, conforme o ponto de vista de Iago, o intrigante do drama inglês. Mesmo assim, Machado insere no romance a figura de José Dias, que faz o papel de intrigante, de forma a iludir o leitor.
Portanto, um romance notável, com grande sofisticação. Pode ser um campeão de vendas, sem cair no lugar-comum da história que vende porque é uma história para todos. E é, também, um romance sofisticado, com a criação de técnicas maravilhosas.
Não sei se este comentário será lido, porque estou chegando muito tarde, mas gostaria muito de participar deste debate sobre o romance no Brasil. Abs de Raimundo Carrer
Somente agora leio o comentário de Chato e vejo que ele cita Machado de Assis. Que bom, não /e? A questão é que começo a ler outros comentários e me surpreendo com a grosseria de alguns. Por isso passo adiante. Devo estudar o romance, mas não sou obrigado a ler grosserias. Por isso estou querendo apenas participar do debate. Abs de Raimundo Carrero
Caro Carrero, você menciona as grosserias. Lamento, mas parece impossível levar qualquer discussão na internet sem que elas surjam, é o preço que se paga. Quanto mais você faz e se expõe, mais leva mamona de quem não faz nada e, em geral, se esconde. Infelizmente, a única saída me parece a estóica. A alternativa seria pior: banir os comentários. Obrigado por participar da conversa mesmo assim, apareça sempre. Um abraço.
Enquanto Carrero está agora (sábado às 17:02h) na Oficina de Criação Literária, onde de forma brilhante expoe sua sensibilidade de escritor a nós, afortunados participantes, estou eu aqui no trabalho perdendo valiosas informações. Ossos do ofício…
Carrero, ao ler o que vc escreve sobre D Casmurro, mais uma vez me delicio com as suas observações e mais, percepçoes que mesmo aqueles leitores mais atentos não conseguem captar. Mas não conseguem MESMO, assim como você!! Sem dúvida, o grande trunfo de Machado foi a integração da simplicidade com sofisticação. Ao mesmo tempo que desnorteia o leitor, ele o deixa eternamente preso ao romance até pela sua incapacidade de percebê-lo em sua essência. Valeu, Carrero. Ainda bem que a discussão não tem fim. beijos