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Precisa-se de editor

16/08/2007

No admirável mundo novo da autopublicação, os editores são uma espécie ameaçada. Isso não é de todo ruim. É bom que qualquer pessoa que queira publicar e tenha acesso a um computador não encontre hoje barreira alguma. E certos blogueiros não precisam mesmo de editores: sua prosa é fluente, coloquial, e os leitores não esperam que o trabalho seja elegante ou finamente cinzelado. Sua função principal é comunicar com clareza. Não tem o objetivo de durar.

Mesmo assim, os editores e a edição se tornarão cada vez mais importantes à medida que a era da Internet avançar, em sua velocidade de foguete. O mundo online não tem apenas milhões de escritores recém-nascidos exultando com seus poderes. Tem também milhões de leitores que precisam se orientar nesse universo infinito e decidir que escritores vale a pena ler. Quem vai selecionar os excepcionais? Editores de alguma espécie. Algum grupo esperto de pessoas terá que separar o joio do trigo. E quanto mais refinado for o processo de separação, mais talento – e talvez mais experiência – ele exigirá.

Nós já usamos outros leitores para classificar as coisas por nós: meus bookmarks são, em sua maioria, de escritores em quem aprendi a confiar. Alguns utópicos podem sonhar com a vitória de um modelo anarco-Wikipedia, em que uma vasta democracia de amadores, autocorrigindo-se, terminará por encaminhar os leitores para as obras mais meritórias. Mas isso é apenas “edição” em sua forma mais tosca e genérica – isso é selecionar. No novo e caótico universo online, o sistema antiquado, elitista e não-democrático de classificar informação vai se tornar cada vez mais importante, na pior das hipóteses porque garantirá uma redução saudável do maciço número de opções disponíveis, em que a mente se afoga. O verdadeiro problema é a superabundância, e isso só vai piorar.

Devo ter andado distraído. Está no ar desde o dia 24 de julho na revista eletrônica Salon um ótimo artigo de Gary Kamiya. Com o título provocativo de Agora vamos enaltecer os editores (acesso livre, em inglês), o texto expõe com clareza algumas idéias “reacionárias” que costumam me ocorrer diante dos entusiastas mais acríticos do grande Big Bang literário da internet. Note-se que Kamiya está falando de editores de texto, em qualquer suporte – não necessariamente de livros. O artigo faz avançar alguns passos a discussão levantada pela nota “Publicar, verbo reflexivo?”, aqui embaixo.

33 Comentários

  • Magnificat 16/08/2007em15:50

    “Faz avançar alguns passos a discussão levantada pela nota ‘Publicar, verbo reflexivo?'” em que sentido?

  • Sérgio Rodrigues 16/08/2007em15:56

    Magnificat: “faz avançar” porque o artigo não perde tempo discutindo se é legal ou não a autopublicação. Dá a coisa como consumada e tenta imaginar aonde ela levará e o que se pode fazer para defender a inteligência dos ataques da superoferta de informação.

  • Lucas Murtinho 16/08/2007em15:57

    Sérgio, ótimo artigo mesmo. O que achei estranho é que o autor passa três quartos do artigo falando de uma das tarefas do editor – trabalhar o texto antes da publicação – para concluir, no trecho citado, que ainda precisamos de editores para outra tarefa – “separar o joio do trigo”.

    Há um cenário alternativo: editores continuam trabalhando nos bastidores, revisando, corrigindo e modificando textos, mas depois é o público que decide o que é joio e o que é trigo. É possível que a “sabedoria das multidões” seja um selecionador de talento melhor do que se imagina. Sistemas de recomendação de sites como Amazon ou LibraryThing podem ser aprimorados e, quem sabe, substituir os editores no papel de filtro. Editores, por sua vez, continuariam trabalhando com autores, como agentes fazem hoje – ou seja, em troca de uma porcentagem do lucro do livro, ou de uma taxa fixa. Não sei se isso jamais acontecerá, mas a possibilidade é interessante.

    Abraços,

    Lucas

  • Sérgio Rodrigues 16/08/2007em16:32

    Lucas: é verdade, talvez tenha faltado um editor para deixar o artigo menos confuso no trânsito entre essas duas funções dos editores, peneirar qualidade e trabalhar o texto. Quanto à “sabedoria das multidões”, pode ser, não sei. Talvez eu veja nessa expressão um oxímoro. Mas gostei muito da idéia do editor avulso, trabalhando para o escritor como se fosse um agente. Só me ocorreu uma dúvida: conhecendo a relação tumultuada (embora necessária) entre as duas partes, não consegui imaginar muitos escritores se sujeitando espontaneamente – mais do que isso, pagando! – a um desbastador de ego desse porte. Mas a idéia é instigante. Um abraço.

  • Mindingo 16/08/2007em16:58

    A beleza da internet é justamente tornar cada qual o seu próprio editor de conteúdo. Leio o que quero, não o que o “selecionador” do jornal, da TV ou do rádio escolhem.

    É lógico que o vulgo nunca foi acostumado a decidir, de modo que doravante apenas “seguirá rebanhos”, que decidirão por ele. Não é por outro motivo que quando se lança uma moda na internet (de blog, de site, de propaganda viral ou quejandos), toda a boiada segue atrás elogiando – ou criando comunidades no orkut para antagonizar.

    A seleção de conteúdo na internet, pois, se dará individualmente para os indivíduos formados e coletivamente pelos gregários ao estilo “aonde a vaca vai, o boi vai atrás”.

    Mas a edição de texto, dada a pluralidade de imbecis que agora se acham autorizados a publicar qualquer coisa em seu blog pessoal, que pensa ser o centro do universo, há mesmo de acontecer, mediante remuneração. Ou seja: haverá mais e mais “ghost writers”.

    Editor de livros, daqueles que escolhem o que o povo vai ler, que contratam tradutor e prefácio – isso simplesmente não faz sentido na internet.

  • Lucas Murtinho 16/08/2007em17:08

    Sérgio, por isso o que me pareceu mais interessante no artigo foi a história de que há autores que, decepcionados com a má qualidade dos editores à sua disposição, contratam profissionais de qualidade por fora para trabalhar o texto. Talvez os mais espertos – ou humildes -, que reconhecem o valor de um bom editor, consigam se dar muito bem nessa era cada vez mais amadora. Abraços.

  • Claudio Soares 16/08/2007em17:18

    Abrindo parenteses:

    É possível que Elvis tenha morrido há 30 anos. Não acredito – afinal, as evidências apontam justamente o contrário! – mas é possível. Certa vez, em uma minibio de Jules Verne, escrevi que para certos homens não existe sepultura que os caiba. Elvis Aaron Presley é dessa estirpe. Seus fãs jamais o deixarão “morrer” em paz. A viagem inacabada que Elvis fez a um dos cômodos de Graceland, em 16 de agosto de 1977, hoje faz 30 anos. Em pontoLit publiquei há 2 dias minhas 30 canções favoritas gravadas pelo maior ícone da cultura pop e todos os tempos (http://pontolit.blogspot.com/2007/08/elvis-week.html). Já havia falado, há algumas semanas, sobre o documentário The Truth about Elvis e sobre o dueto tecnológico de Celine Dion e Elvis no American Idol (http://pontolit.blogspot.com/2007/06/verdade-sobre-elvis-presley.html), Até o fim de semana publico, também em pontoLit, o conto O Quarup de Elvis. Definitivamente, Elvis hasn’t left the building.

    Fechando parênteses.

  • O Inquisidor 16/08/2007em17:42

    Lá vai o Cláudio Soares… no colo de Michael Jackson em Neverland…

  • Claudio Soares 16/08/2007em17:57

    ha ha ha, bigmouth strikes again!

  • O Inquisidor 16/08/2007em17:59

    ha ha ha, big tongue suck’s again!

  • O Inquisidor 16/08/2007em18:00

    sucks, sorry.

  • James Dean 16/08/2007em18:20

    Inquisitor, você não sabe dos fatos. Portanto, não meta pitaco na conversa.

    Eu, o meu amigo Elvis, a doce Marilyn Monroe e o chapado do John Lennon estamos todos vivos, vivinhos da silva. Cansados da estafante vida de celebridade, verdadeiro inferno na Terra, gastamos parte da nossa gorda fortuna simulando uma morte trágica, fazendo cirurgia plástica, adquirindo passaportes falsos e subornando alguns para que não dessem a língua com os dentes. Todos nos inspiramos no exemplo (literário, porém convincente) do Mattia Pascal, o personagem do Pirandello que, cansado das máscaras sociais, assume outra identidade.

    Como ninguém acreditará no meu relato, razão pela qual sei que nenhum xereta aparecerá para investigar o caso, vou contar alguns detalhes aos caros leitores deste site (gosto muito do Sérgio).

    Fui o pioneiro, todos devem saber. Sou perito na direção, jamais morreria num acidente automobilístico. Simulei-o com a ajuda de alguns conhecidos que trabalhavam com efeitos especiais. Alguns jornalistas mais espertos, farejando a mentira, foram adequadamente suportados – e se calaram.

    Não poderia ficar nos Estados Unidos, onde correria risco maior de ser identificado. Despachei-me para o Brasil (agora vocês entenderam por que sei escrever em português). Mantive, obviamente, contato com os íntimos de Hollywood, ninguém abandona completamente suas raízes. Não direi em que cidade me instalei e formei raízes. Digo-lhes apenas que é um pequeno município interiorano, onde o cinema custou a chegar.

    Fui, digamos assim, o mentor intelectual das escapadas subseqüentes do Elvis, da Marilyn e do John. Todos nós, aliás, moramos na mesma cidadizinha, onde aprendi a apreciar o cigarro de palha e o jogo do truco (Elvis virou truqueiro profissional). Disse há pouco “todos nós moramos” – e menti. O John, Deus o tenha, faleceu há sete anos, numa pescaria, em que acabou mordido por uma cobra coral. A tragédia abalou profundamente a Marilyn, tão bela e tão envelhecida.

    Vejo que me alongo demais. Vou me calar. Não aguentaria um segundo sequer os flashes dos fotógrafos e os burburinos das revistas de fofocas. Quero continuar minha vida reclusa de pequeno comerciante, vendendo fiado.

    Abraço fraternal para vocês,

    J.D.

  • Microempresário 16/08/2007em19:00

    Gostei muito do artigo. A última frase “O verdadeiro problema é a superabundância, e isso só vai piorar.” resume com perfeição a situação atual. Diante de milhares de nomes, ou o leitor navega às cegas, seguindo links aleatoriamente, ou confia nos nomes que já conhece, e esses serão os editores.

    O NoMínimo, e seus sobreviventes, são para mim uma editora, ou seja uma referência de qualidade no mundo da Internet. Já que eu não posso conhecer sequer uma pequena fração do que existe, confio na indicação do Sérgio, do Kupfer, do Pedro Dória.

    Em outras palavras, a matéria-prima do editor, hoje em dia, é sua credibilidade. (E não foi sempre assim ?)

  • shirlei horta 16/08/2007em22:23

    Humm… humm…. A blogosfera é muito, muito mais que blogs jornalísticos, literários ou de diários íntimos. Na minha opinião são editados, sim, não necessariamente pelo que se entende jornalisticamente por edição. E o que nós fazemos é escolher, como escolhemos revistas, jornais, programas de tv, filmes, peças de teatro etc.

  • Noga Lubicz Sklar 17/08/2007em09:29

    Sérgio, o assunto é interessante. Em primeiro lugar, quero comentar a citação no alto da página sobre os velhacos modernos e concordar 100% com ela. Depois, quero dizer que já existem editores free-lancers, e eu bem que gostaria de ter contado com um, mas os preços são proibitivos: chama-se hoje em dia “leitura crítica”. Reconheço sim, e dou a maior importância ao trabalho do editor, principalmente o independente de posições políticas ou mercadológicas. No meu caso, usei por conta própria as sugestões contidas na resenha do Globo sobre a primeira versão do Hierosgamos e foi tudo aproveitado: a versão publicada reflete isso.
    Quanto a separar o joio do trigo, concordo com quem disse que a própria audiência online já faz isso. Seria legal ampliar as chances de uma chancela crítica, através de portais específicos onde os blogs pudessem ser recomendados.
    Ainda não li o artigo, mas junto ao da Anna vai desenhando novas possibilidades para quem escreve bem. Espero fazer parte desta turma, e de minha parte, tenho buscado insistentemente a crítica abalizada para o meu romance. Dou mais importância a isto, no momento, do que à venda, afinal de contas, o que interessa é a qualidade literária.

  • O Inquisidor 17/08/2007em10:27

    O que significa que o livro da Noga não tá vendendo nadinha de nada…

  • fat james 17/08/2007em11:21

    O.T.: excelente a frase em epígrafe.

  • Bemveja 17/08/2007em11:35

    Concordo inteiramente com o argumento central do artigo. O mundo precisa muito mais de editores para ler criticamente e separar o joio do trigo do que de escritores.

    Aliás, há aspirantes a escritor demais no planeta, a taxa signal to noise (ou seja, o número dos escritores que escrevem bem à luz da quantidade dos que escrevem mal) é muito baixa, há cada vez mais escritores e cada vez menos bons livros. Portanto, é necessário o editor, que nada mais é do que um leitor especializado.

    Grandes escritores (Raymond Carver, T.S. Eliot) tiveram suas trajetórias literárias aperfeiçoadas por conta da interação com seus editores, portanto sugiro aos candidatos a escritor que não se acanhem, submetam seus textos ao crivo profissional (e se preparem p/ ouvir críticas severas).

    Também não acredito na teoria da mente-colméia que trataria de escolher coletivamente as novas obras-primas literárias. A apreciação literária depende tanto de referências quanto de um nível de atenção que se dispersa quando há vários níveis de superficialidade e descompromisso no ato da leitura. Acho que o público é competente apenas para triar boas fontes de informação– sites feito o digg ou o overmundo até que funcionam razoavelmente para uma avaliação coletiva do que é novidade etc, mas julgar o mérito literário nunca foi nem nunca será facultado às massas.

  • Noga Lubicz Sklar 17/08/2007em11:38

    Inquisidor, não está mesmo, ainda nem chegou nas livrarias, mas se vc quiser comprar: Livraria Cultura online.

  • Mr. WRITER 17/08/2007em11:55

    Realmente, precisa-se urgentemente separar o joio do trigo… tem joio demais por aí e trigo de menos…
    Mas vejam pelo lado positivo da coisa (nossa, usei a palavra positivo!!!), é preciso haver joio para que o trigo seja ainda mais valorizado… Tudo bem, há joio demias como disse, mas nem tudo são flores, ou melhor, nem tudo é trigo…
    Volta a falar que o problema de muitos novos autores internéticos literários (o que quer que iusso seja) é o fato de se acharem a salvação da literatura brasileira e o mais novo talento universal…
    Pessoal, menos, menos… bem menos…

  • Lucas Murtinho 17/08/2007em12:03

    Bemveja, na verdade a mente-colméia funciona desde sempre para determinar o que são obras-primas. A decisão de que livros merecem ser chamados assim pertence a um grupo razoavelmente grande de pessoas interessadas em “ficção de qualidade” – editores, escritores, criticos, leitores comuns. Essa é a idéia da tal “sabedoria das multidões”: não uma democracia em que a opinião de cada um tem o mesmo valor, mas um sistema em que o que vale é a média das opiniões de um grupo de pessoas que conhecem relativamente bem um determinado assunto.

    O que poderia acontecer, se os sistemas de agregação de informação pela Internet melhorarem bastante, é a eliminação do editor enquanto filtro. O autor lançaria seu livro ao mundo, na Amazon ou no Lulu.com ou num site similar; contrataria ou seria escolhido por editores de texto, especialistas em marketing e outros profissionais que trabalhariam para melhorar o livro e fazê-lo chegar aos leitores; e seriam os leitores que definiriam quais livros merecem a sua atenção. Mas caberia aos leitores de literatura policial decidir quais são os melhores livros policiais, aos leitores de auto-ajuda quais são os melhores livros de auto-ajuda e assim por diante.

    Abraços,

    Lucas

  • Lucas Murtinho 17/08/2007em12:05

    Ah, sim: eu não estou certo de que isso vai acontecer não. Mas acho a possibilidade interessante. Abraços.

  • Bemveja 17/08/2007em14:26

    Lucas, a tal hive-mind se refere a uma construção da consciência coletiva, com suas limitações formativas e sua atenção errática ao tema sobre o qual opinam. Esse grupo de especialistas interessados que você menciona tem outro nome–é, pura e simplesmente, a elite intelectual, e não a massa genérica de interessados ou diletantes.

    Um agregador– digamos o metacritic– não é representativo da mente coletiva, e sim de especialistas.

    Ainda assim, mesmo esse conceito de elite formadora de opinião ou de um colegiado de especialistas, embora seja a melhor alternativa, mostrou-se falho em diversos momentos da história– vide, p. ex., o caráter secundário a que a obra do Shakespeare esteve submetida até o fim do séc. XVIII.

    Ou seja, muitas vezes o autor não pode nem sequer usufruir de uma visão equânime da crítica/editores, que em diversos momentos perdem o norte por conta da opressão coletivista de determinados padrões estéticos e ideológicos, que restringem a apreciação de uma forma obscurantista. Considere esses três exemplos:
    -uma vez, conversando com uma estudante de antropologia, falei a ela que na seção de livros raros de uma certa biblioteca havia uma edição integral com todos os volumes do Golden Bough, e eu disse a ela que havia lido o primeiro e tencionava ler os demais; ela me olhou e disse “nãaaaao, não precisa, um só basta” etc etc;
    -eu estava numa Bienal com uma sala dedicada ao pintor Gerhard Richter, e tinha um fotógrafo de uma revista de arte lá; ele perguntou se eu gostava dos quadros e eu falei que sim, muito bons; ele me disse “pô, mas você ainda acha possível gostar de obras de arte feitas numa tela?”;
    -os grandes autores da Renascença (Bocaccio, Petrarca et al) eram considerados menores e popularescos pela crítica da época, que preferia os modelos dramáticos clássicos escritos em Latim etc etc.

    O público especializado tb é presa de certos preconceitos e provincianismos períodicos. Qual a solução para isso, então? 1- a apreciação histórica; só um rol de avaliação distribuído através do tempo é que permite filtrar o joio do trigo; e 2-a perspicácia de alguns indivíduos que saibam identificar, naquela obra, uma originalidade e um valor que a crítica em geral não consegue observar. São casos raros, mas existem, e sorte do artista verdadeiro que tem o privilégio de contar com pelo menos um leitor atento.

  • Lucas Murtinho 17/08/2007em15:30

    Bemveja, não conheço o termo mente-colméia, mas a “wisdom of crowds”, ou sabedoria das multidões, surge de grupos de pessoas interessadas num determinado assunto. Não é uma “massa genérica”, porque os membros do grupo têm conhecimento especializado, ainda que na condição de amadores; e não é uma “elite intelectual” porque o assunto pode ser qualquer coisa, ficção literária, ficção científica, pagode paulista ou livros sobre Jack o Estripador.

    Não sei se creio nas suas possíveis soluções para os preconceitos periódicos. A primeira equivale a acreditar que os preconceitos são necessariamente abandonados ao longo do tempo, o que não é garantido; a segunda implica que um indivíduo sozinho seria capaz de convencer toda uma cultura do seu erro de julgamento, o que me parece improvável. Isso, claro, presumindo a existência de erros objetivos de julgamento na apreciação artística, que para mim não existem.

    Abraços,

    Lucas

    PS: Um interessante artigo sobre como e por que Shakespeare se tornou “a divindade suprema da alta cultura”:

    http://books.guardian.co.uk/departments/classics/story/0,,2056701,00.html

  • Marco Polli 17/08/2007em15:55

    Lembrei-me dessa declaração do Jim Dodge em entrevista ao Prosa & Verso (19/05):

    “Na minha carreira curta de navegador [de internet], já encontrei muitos textos medíocres e informações erradas. Para mim, é tanto uma questão de tempo quanto de gosto. O valor dos bons editores e críticos é que eles poupam o seu tempo na hora de encontrar informação de qualidade. (….). Eu sou a favor da liberdade e do igualitarismo da blogosfera, mas, na medida em que envelheço, meu tempo se tornou mais precioso do que nunca”.

  • Bemveja 17/08/2007em16:09

    Veja só Lucas, se alguém tem conhecimento especializado em qualquer coisa, numismática da Oceania, John Fante, Ivete Sangalo ou seja lá o que for, já pertence a uma elite, por incrível que pareça, intelectual, porque a especialização sugere, literalmente, um ato de intelecção, de reflexão e acumulação de conhecimento. A rigor, elite intelectual é quase uma redundância, trata-se apenas de um contraponto a essa visão de que elites seriam todas sociais ou de classe.

    Quanto às soluções p/ combater os preconceitos e barreiras episódicas, não se trata de acreditar, basta verificar o registro histórico:
    -no caso da avaliação no decorrer de diversas gerações, além do próprio Shakespeare (não li ainda o link do Guardian), há figuras de qualidade diversa (Sade, Orides Fontela et al) que foram retomadas criticamente após estágios diversos de ostracismo, banimento etc;
    -quanto à figura do crítico-desbravador, descobridor ou redescobridor de talentos, temos o exemplo valoroso no Brasil dos irmãos Campos (Sousândrade), além de Higginson/Howells na edição e divulgação de Emily Dickinson, Joyce defendendo Italo Svevo e por aí vai.

  • Kleber 17/08/2007em16:11

    Lendo tudo dito aqui e fora daqui sobre esse assunto (no Cronópios também é tema isso) fico mais convencido que vou sempre escrever para mim mesmo e olhe lá. Não sou pró-ativo, não tenho dom pra comerciante, não sei puxar saco de ninguém, não tenho conhecidos influentes, muito menos grana para me financiar… Negócio é desencanar e rabiscar meus garranchos solitariamente sem maiores esperanças.

  • Rafael 17/08/2007em16:41

    A contenda que opõe Lucas a Bemveja, um com a tese da “sabedoria das multidões”, o outro com a da “elite intelectual”, não é senão a reedição, em termos diversos, da polêmica sobre o elmo de Mambrino. Vocês acreditam mesmo que irão chegar a algum lugar?

    Os gostos mudam com os tempos; autores outrora canônicos são relegados ao esquecimento; autores até então desprezados tornam-se objeto da mais viva admiração.

    Por ora, Shakespeare, Dante, Camões, Cervantes, Goethe, Homero integram o rol da fama, os grandes criadores da literatura ocidental. Shakespeare já foi visto como um autor secundário; D. Quixote era encarado pelos contemporâneos de Cervantes como literatura de entretenimento; durante muito tempo, Torquato Tasso foi tido o maior poeta italiano; Homero era um autor rude, grosseiro e não sublime como Virgílio. Goethe, dentre todos, foi o único cuja estatura foi reconhecida enquanto estava vivo.

    Há cinqüenta anos, ninguém colocaria em dúvida a supremacia desses autores. Hoje, com o multiculturalismo, há quem veja neles a mera expressão da mentalidade ocidental branca e cristã (Homero inclusive!); visto da perspectiva das culturas oprimidas, sua importância é muito menor. (Pausa, não consigo reprimir o riso…).

    Quem garantirá que um dia tais idéias não vençam e se imponham. Talvez daqui a dois séculos, em plena Era de Aquário, Paulo Coelho seja aclamado o gênio absoluto, incompreendido pelos contemporâneos. Talvez num futuro não muito distante, quando o medíocre finalmente estender o domínio sobre a Terra, Sidnei Sheldon seja considerado o grande investigador da alma humana, o tecedor dos grandes enredos. Talvez, no futuro sombrio que se avizinha, histórias contadas com palavras, sem recursos audiovisuais, sejam apreciadas da mesma forma que hoje apreciamos as pinturas ruprestes: a expressão artística de uma civilização arcaica e obscura.

    O fato é que, com ou sem editores, os gostos e os julgamentos se alterarão profundamente.

  • Lucas Murtinho 17/08/2007em16:56

    Bemveja, então estamos falando exatamente da mesma coisa. O que você chama de “elite intelectual” eu chamo de “sabedoria das multidões”. Quanto ao registro histórico, no primeiro caso trata-se simplesmente de considerar que os preconceitos de hoje são melhores que os de ontem – que estamos certos em considerar Sade ou Shakespeare grandes autores enquanto quem pensava o contrário estava errado – sem nenhuma razão objetiva para tanto. No segundo caso, você tem mesmo bons argumentos históricos. Mas acho que o máximo que um crítico “iluminado” pode fazer é propôr uma revisão ou revisita, não determinar se a elite – ou multidão – vai aceitar seu ponto de vista. Joyce apresenta Svevo ao mundo, mas depois Svevo precisa confiar nas suas qualidades para ser aceito.

    Rafael, não sei o que é elmo de Mambrino, mas, como disse no parágrafo acima, concordo com você sobre a variação dos gostos. Mas, de novo, não sei por quais critérios se define que um futuro hipotético em que Paulo Coelho seja considerado um gênio ou a literatura tenha o status de pinturas rupestres será mais ou menos sombrio do que os tempos de hoje.

    Abraços,

    Lucas

  • Roger 19/08/2007em17:32

    Bemveja, acho que um dos problemas é que os velhos grandes editores que ajudaram (ou até “escreveram junto com”) a escritores como Fitzgerald ou Capote (não sei se foi assim com T.S. Eliot e Carver; dizem que a mulher de Carver era quem melhorava os contos dele) a criar suas obras primas há muitos anos deixaram de existir. Há muitos anos que as editoras deixaram de estar interessadas no fomento desse tipo de colaboração.

  • Bemveja 20/08/2007em06:35

    Roger, é verdade, há uma escassez de editores respeitáveis. No caso do Carver, além da mulher, há principalmente a figura do Gordon Lish, a quem alguns até atribuem o estilo final, minimalista do RC.

    Lucas, o relativismo na base do que “que sais-je?” me desagrada porque ele desqualifica o emissor. Não ter convicção dos valores que se adota (tipo “quem sou eu p/ dizer se Shakespeare é melhor que Plinio Marcos?”) automaticamente implica a retirada do emissor da discussão, já que é uma admissão de ignorância no sentido estrito da palavra. Arte é uma visão de mundo, é preciso que o indivíduo cultive seus próprios critérios.

  • Cezar Santos 20/08/2007em10:21

    A questão é que há escritores e escritores…
    Para alguns é necessário mesmo a figura de um editor rigoroso, que determine uma mudança de rumo na escrita do autor. Outros não precisam disso, mesmo porque preferem assumir sua obra com as virtudes e falhas que contenham. Acho que prefiro estes…

  • Rafael 20/08/2007em10:45

    O elmo de Mambrino, para quem não sabe, é objeto de uma famosa disputa no livro D. Quixote.

    Um barbeiro, para se proteger da chuva, coloca na cabeça uma bacia de metal. O D. Quixote, ao ver a bacia enfiada na cabeça do barbeiro, pensa que se tratar do famoso elmo de Mambrino, que ele, sendo um cavaleiro, deve utilizar. O Cavaleiro da Triste Figura aproxima-se do barbeiro, desafiando-o a tomar parte num duelo cujo vencedor terá direito ao elmo. O barbeiro foge, deixando atrás de si a bacia, que o D. Quixote arrebata e coloca na cabeça, para espanto do Sancho Pança.

    Posteriormente, numa venda, o barbeiro reencontra o D. Quixote, que portava a bacia na cabeça. Diz aos presentes que aquela bacia lhe fora surrupiada por aquele estranho homem e pede justiça. Os presentes, para fazer burla, dão curso a uma espécie de julgamento, em que cada parte deverá provar se a bacia é bacia ou elmo. Aí se trava um dos debates mais emblemáticos (e divertidos) do livro de Cervantes, em que as fronteiras da realidade e da aparença são desafiadas. D. Quixote sustenta que a bacia é o Elmo de Mambrino, cuja aparência fora modificada por um bruxo, que lhe dera a forma de uma bacia. O barbeiro replicava que aquele objeto era uma bacia e ponto. O debate se estende longamente até que o Sancho Pança profere o veridicto final: aquilo não é bacia nem elmo, é um “bacielmo”.

    O episódio pode ser lido aqui:

    http://quijote.rincondelvago.com/1_44/

    http://quijote.rincondelvago.com/1_45/