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Busca-se grande escritor sem senso de humor: vale prêmio

20/09/2010

O último Babelia é dedicado a um tema recorrente aqui no Todoprosa, que volta e meia aponta o que julga ser uma desvalorização do ingrediente nos cozidos literários brasileiros dos últimos tempos: o humor. Recomendo a edição inteira, mas adianto um palpite entre os muitos que a equipe do suplemento literário do “El País” foi buscar. É do escritor colombiano Daniel Samper Pizano e não é muito original:

Humor e literatura… Mas por acaso haverá muita literatura sem humor? De Homero a John Irving e de Cervantes a García Márquez, passando por Aristófanes, Petrônio, Chaucer, Juan Ruiz, Boccaccio, Shakespeare, Quevedo, Rabelais, Sterne, Balzac, Gógol, Wilde, Twain e Borges – sem mencionar “As mil e uma noites” e mil e um outros autores – todos recorreram ao humor para construir sua literatura. Seria interminável a lista de escritores a quem devo sorrisos e risadas.

Pizano lista grandes autores que têm no humor um traço central ou pelo menos marcante. Mas isso não é difícil, pensei. Então fiquei imaginando o exercício contrário, este sim dureza: uma lista de grandes escritores inteiramente desprovidos do sentido de humor. De Dostoiveski a Cormac McCarthy, de Graciliano Ramos a Clarice Lispector, me ocorreram muitos nomes que nem um crítico de porre chamaria de cultores da comédia. No entanto, basta pensar uns poucos segundos para perceber que nenhum deles é destituído de humor. Seja na vivacidade da frase, seja no absurdo das situações, todos parecem ter seus momentos de ganhar sorrisos ou mesmo de ser tão subterraneamente engraçados que cortam o coração.

Conclusão provisória: só escritores medíocres podem ser inteiramente desprovidos de humor.

Mas será mesmo? Fica lançado então o desafio. O primeiro leitor que for capaz de citar – e defender a ideia com argumentação sólida, a meu critério – um único grande escritor inteiramente tapado para a graça, uma porta em termos de senso de humor, ganhará um exemplar de “Sobrescritos”.

41 Comentários

  • Mr. WRITER 20/09/2010em16:16

    Kafka tem um senso de humor bem peculir.

  • Bruno Cobbi 20/09/2010em16:45

    O Coelho me rende o exemplar?

    • sergiorodrigues 20/09/2010em16:49

      O Paulo, Bruno? Melhor tentar de novo.

  • Raquel Sallaberry Brião 20/09/2010em17:10

    Sérgio,

    abdico de concorrer e concordo com tua sentença!

  • João 20/09/2010em17:14

    Talvez Lygia Fagundes Telles seja um exemplo bem acabado do desafio proposto.

    • sergiorodrigues 20/09/2010em18:11

      João, hmm, boa tentativa. Gostaria de expandir o argumento, levando em conta que há dois requisitos que o candidato precisa preencer – o de ser um grande escritor e o de não ter nenhum senso de humor?

      Clelio, faz tempo que o meu estoque de “O homem que matou…” está em nível crítico, lamento. Se quiser mandar sua sugestão assim mesmo, será muito bem-vinda.

  • Clelio T. Jr 20/09/2010em17:25

    Sobrescritos já tenho…Quero “O homem que matou o escritor”(dos que conheço o único que eu não tenho) pra mostrar meu autor desumorado.

  • luis nascimento 20/09/2010em17:47

    Difícil cravar um dos grandes desse jeito. Me falta conhecimento de obras completas pra isso. Mas se valer um livro só, uma obra-prima de tirar o fôlego (pelo menos a partir da terceira parte), um relato com algumas das melhores descrições de batalhas da literatura universal, que nos joga para dentro do cenário da tal guerra com a competência dos mestres, e que, pelo menos que eu me lembre, não tem qualquer resquício de humor, me arrisco a apostar no Euclides da Cunha dos Sertões. Tá certo. Oficialmente, não é ficção. Mas Os Sertões não é uma obra-prima? E o Euclides não é um dos grandes? E será que existia espaço para o humor na obra de um cara tão dedicado ao ofício a ponto de não se dedicar tanto assim aos cotidianos prazeres da vida pessoal, o que acabaria gerando a tragédia que abalou duas gerações?
    Enfim, vou tentar o Euclides. Rende o livro?

  • Fernando R. 20/09/2010em18:26

    Vou arriscar um: Ernesto Sabato.
    Mas de fato é difícil. É como o Kundera fala num de seus ensaios, a tradição romanesca no Ocidente praticamente se assenta na ironia. Vai ser difícil…

  • João 20/09/2010em18:36

    Peguemos a obra-mestra de Lygia: a coletânea de contos Antes do Baile Verde; “Os Objetos”, “Eu Era Mudo e Só”, “As Pérolas” – três dos textos presentes no livro, os quais funcionam como bons parâmetros do que podemos entender como prosa inspirada. Funcionam bem sem qualquer resquício de humor – apenas angústia, em seus desdobramentos mais sutis.

  • Pedro David 20/09/2010em19:37

    Euclides da Cunha. “Os Sertões” não tem a menor graça…
    A argumentação é pífia, eu sei… Mas é que ao desclassificar o Dostoievski você tornou a tarefa praticamente impossível, Sérgio… Me veio à mente Bioy e Rulfo, que me encheram de tanta melancolia que não achei a menor graça também… Mas isso é um critério pessoal e deles não li tudo… Então fico com meu chute lá de fora da área:
    “Os Sertões”…
    Ah, e sem querer provocar, mas já provocando… de facto não lembrei de nada que tivesse alguma graça no Dostoiévski… Alguma pista ?

    ABS

    • sergiorodrigues 20/09/2010em20:18

      Belo chute, Pedro. Euclides parece um forte candidato. Sim, peguei pesado de propósito com o Dostoievski. O humor que há ali, se houver, é cruel demais para fazer rir, centrado sobretudo na caracterização implacável de figuras patéticas. Mas Os Demônios, de um certo ângulo, é uma comédia dos irmãos Coen.

      João e Fernando, seus votos também estão registrados e serão processados pela banca.

      Abraços.

  • Fernando R. 20/09/2010em20:21

    Lembrei de outros: Isaac Babel – é preciso ser meio psicopata pra achar humor em A Cavalaria Vermelha. Entre os donos de prêmio Nobel, a dupla Sartre e Camus, até onde conheço, tb não não é um sucesso do humor…

  • sergiorodrigues 20/09/2010em20:30

    Caros,

    Já que isso virou um concurso, tem que administrar direito, com transparência. O voto de luis nascimento em Euclides da Cunha – que a esta altura já adota ares de favorito – é anterior em duas horas ao do Pedro David. Tinha ido parar por engano na fila de spam, pelo que a casa pede desculpas.

  • sergiorodrigues 20/09/2010em20:43

    “Isaac Babel – é preciso ser meio psicopata pra achar humor em A Cavalaria Vermelha.” Bravo, Fernando. Isso está saindo melhor que a encomenda.

  • luis nascimento 21/09/2010em08:25

    Com relação a Dostoievski, O Eterno Marido tem cenas bem divertidas, como a noite em que o ‘marido’ e o ‘amante’ passam juntos na casa de um dos dois, não me lembro qual. E no Jogador, a cena da velha saindo carregada do cassino depois de quebrar a banca não é engraçada?

    Sim, isso é um lobby rasgado pelo Euclides. Pena que não li ainda A Cavalaria Vermelha pra tentar achar humor ali (rs)

  • Vinícius Antunes 21/09/2010em08:58

    Pô, já tenho o sobrescritos, inda bem, pois concordo com a máxima “só escritores medíocres podem ser inteiramente desprovidos de humor.”
    Abraços

  • Vinícius Antunes 21/09/2010em08:59

    Ah, discordo do Sartre. O Muro tem lá suas boas doses de humor e ironia.

  • Vinícius Antunes 21/09/2010em09:00

    Ah, discordo de quem citou Sartre. O Muro tem lá suas boas doses de humor e ironia.

  • Vinícius Antunes 21/09/2010em09:17

    Voltei, fiquei aqui pensando, vamos lá:
    Autran Dourado, embora não conheça vastamente sua obra, livros como Os Sinos da Agonia, não sei se podem ser chamados de engraçadinhos.
    Outro autor que possui textos que não são lá dos mais engraçados, embora tenha sua ironia, é o Onetti, há alguns de se cortar os pulsos de tão tristes.
    Confesso que não consigo ver graça alguma no José Alencar em nenhum de seus livros, mas talvez seja uma opinião só minha.
    O Ricardo Reis é o heterônimo do Pessoa menos bem humorado, digamos assim, embora sua existência já seja engraçada e a sua versão do Saramago mais ainda.
    Ah, tentei, esta tarefa é muito difícil.
    Abração

  • Afonso 21/09/2010em10:30

    Minha sugestão de voto vai para Cornélio Pena, A menina morta, embora faça muito tempo que tenha lido esse romance, mas pelo que me lembro parecia destituído de humor e envolto numa atmosfera angustiante. Li Fronteira também, mas confesso que pouco retive deste último… Precisaria voltar a eles. É isso. Abraços.

  • Hefestus 21/09/2010em12:33

    Eu apostaria em J.M. Coetzee e sua voz descarnada de entonação. Aí me lembrei que Homem Lento tinha lá suas tentativas no humor, principalmente nas investidas da metalinguagem. Ou que a maneira como ele dispõe as relações entre a secretária e o sr. C. em Diário de um Ano Ruim talvez pudesse ter lá suas partes patéticas, e portanto bem-humoradas. Talvez eu cite, portanto, a melancolia brutal de Juan Carlos Onetti e seu pessimismo radical. Que tal, Sergio?

  • Rodrigo Lattuada 21/09/2010em13:22

    Dostoiévski tem algum humor sim. Várias cenas com o Kolya Krasotkin têm sua graça, e tem a piada recorrente do médico n’Os irmãos Karamazov.

    Thomas Bernhard não era dos mais bem-humorados.

  • Bastardo Inglório 21/09/2010em14:35

    Estou chutando porque não sou conhecedor de sua obra – só li Eurico, o Presbítero -, mas Alexandre Herculano me parece um forte candidato. Gostei muito do livro quando li, mas o romance tem um tom épico com rasgos de dramalhão que não oferece espaços para o humor, a não ser o involuntário.

  • Daniel 21/09/2010em15:22

    Apesar de não ter sólidos argumetos, eu teria pensado em Émile Zola.
    Abraço, Sérgio.

  • Foguete de Luz 21/09/2010em15:28

    Que pena! Não vou ganhar o sobrescritos( o que é uma pena)pois sou completamente analfabeta em livros de Literatura Intelectual( não falo pejorativamente…). Se eu falar um nome aqui de um livro que li em adolescente, e que, para mim, não tinha nenhum humor( digo isso porque aquele livro me chamou a atenção no quesito: “tristeza”)foi ( Ai! Já sei que vou levar muita pedrada dos pós-doutores-literatudos daqui… espera um pouco que vou pegar uma capa grossa..kkk Pronto, agora podem vir): “Olhai os lirios do Campo”- Érico Veríssimo…” Ui! Né, não? Intendu di literatura não… mas intendu di tristeza di não olharmos mais para os lirios do campo enquanto é tempo… É isso…

  • Drex Alvarez 21/09/2010em17:09

    A angustiada Clarice Lispector tb não dava quase espaço para graças e ironias.

  • Anrafel 22/09/2010em02:51

    Em São Bernardo, Graciliano relata como Paulo Honório passou de pé-rapado a um rico latifundiário e o humor está presente ali, tipo “aprendeu matemática para não ser roubado além da conveniência”. É um exemplo. Com ‘seu Graça’ ninguém ganha o Sobrescritos. Mas é difícil, talvez impossível, não se perceber algum humor, involuntário ou não (quem há de saber), num bom livro. Agora, pedregoso mesmo é encarar teorizações sobre o humor. Acho que no Lobo da Estepe, Herman Hesse tenta algo do tipo.

  • João de Paula 22/09/2010em05:46

    Sérgio, Juan Rulfo em Pedro Páramo nem quando descamba a narrativa para o mundo sobrenatural é capaz de nos arrancar uma risadinha à socapa. E a coletânea de contos O planalto em chamas deixa qualquer gaiato de riso fácil com a boca cheia de cinzas.

  • Rodrigo Lattuada 22/09/2010em11:34

    Raduan Nassar não escrevia com humor.

  • olavo jr 22/09/2010em14:23

    Raquel d queiroz-mem d Maria Moura, o 15… .Autran dourado-opera dos mortos. James joyce-ulisses. Jose Saramago -o ano da mort d Ricardo Reis. Nem parece saramago. Herman Hesse-o lobo da estepe. Leon Tostol(i)-Ana Karenina. Boris Pasternak-dr. Jivago. Claud Simon-a estrada d flandres.

  • J.Paulo 22/09/2010em15:55

    São João – aquele que, arrebatado à ilha de Patmos, escrevera lá o Apocalipse. Cite-me, se puder, um trecho engraçado desse velho ranheta, naquele livro.

  • Anrafel 23/09/2010em01:17

    Não, não tem – dei uma repassada rápida agora. Já o livro de Jó, tem. Deus, velhacamente, se refere ironicamente em pelo menos uma passagem ao pobre Jó. Também por isso é muito melhor do que o Apocalipse.

  • Vinícius Antunes 23/09/2010em08:40

    Ei, o debate acabou aqui? Não vai rolar aquele livro pra galera que participou??? Pô, Sérgio!

  • sergiorodrigues 23/09/2010em13:31

    Claro que vai rolar o prêmio, Vinicius. Declaro as inscrições encerradas. Os nomes submetidos estão sendo analisados cuidadosamente. Não é tarefa fácil: basta um dito espirituoso no pé da página 415 para desclassificar o sujeito. Mas não pretendo demorar demais. Obrigado a todos os que participaram e abraços.

  • Vinícius Antunes 23/09/2010em14:00

    Valeu, Serjão! Tô no aguardo!!

  • Clelio T. Jr 23/09/2010em15:08

    Caro Sérgio, infelizmente perdi o prazo para participar do concurso, mas como não almejo o prêmio (felizmente já tenho o livro lido) vou dar alguns pitacos:
    Do que conheço do Lobo Antunes não consigo ver graça/humor em nada…só exercício linguístico, aridez e um pouco de melancolia, sem galhofa. Resta saber se é grande.
    Outro ponto em que gostaria de colocar a minha colher é na definição de humor. Nem tudo o que faz rir é humor. Ironia, sarcasmo, o “chiste”, muitas vezes fazem rir, mas não por graça e sim por dor, por nos colocar de frente à nossa própria miséria (ou à dos outros), de forma tão acachapante, que o riso sai nervoso, mas sai.
    Nesse caso, o rol dos escritores sem humor aumentaria muito e o concurso melaria.
    Abraço

  • Rafael 23/09/2010em15:55

    A princípio, meu voto iria também para Os Sertões. Mas, aí, resolvi pegar o velho tomo que tenho comigo e passei a folheá-lo na busca, que acreditava inútil, de uma réstia de humor. Seria o velho e severo Euclides uma pessoa incapaz de um chiste fugaz? Seiscentas e cinqüenta páginas e nenhum gracejo?
    Enquanto assim meditava, detive-me no capítulo em que ele nos introduz a nós, leitores, o personagem emblemático da história, Antônio Conselheiro:
    “É natural que estas camadas profundas da nossa estratificação étnica se sublevassem numa anticlinal extraordinária – Antônio Conselheiro…”
    Aí, veio-me a iluminação. Por que não atualizar o texto? Será que, escrito nos dias que correm, não teria lá sua graça? E aí substituí Antônio Conselheiro por Luís Inácio. E se Euclides estivesse a descrever nosso atual presidente? Vejamos:
    “(…) Isolado, ele se perde na turba dos nevróticos vulgares. Pode ser incluído numa modalidade qualquer de psicose progressiva. Mas, posto em função do meio, assombra. É uma diátese e é uma síntese. (…)
    Todas as crenças ingênuas, do fetichismo bárbaro às aberrações católicas, todas as tendências impulsivas das raças inferiores, livremente exercitadas na indisciplina da vida sertaneja, se condensaram no seu misticismo feroz e extravagante. (…)
    Considerando em torno, o falso apóstolo, que o próprio excesso de subjetivismo predispusera à revolta contra a ordem natural, como que observou a fórmula do próprio delírio. Não era um incompreendido. A multidão aclamava-o representante natural das suas aspirações mais altas. (…)
    Doente grave, só lhe pode ser aplicado o conceito da paranóia, de Tanzi e Riva.(…)
    A constituição mórbida levando-o a interpretar caprichosamente as condições objetivas, e alterando-lhe as relações com o mundo exterior, traduz-se fundamentalmente como uma regressão ao estádio mental dos tipos ancestrais da espécie.”
    Cai na risada e quase explodi! Euclides, definitivamente, tem verve.

  • Foguete de Luz 23/09/2010em23:19

    Adorei – e aqui não vai nenhum puxa-saquismo para ganhar livro, hein? rsrs – esta forma de nos fazer parar um pouquinho e pensar sobre o livro que lemos entrando num desafio onde temos que defender a nossa idéia com argumentação sólida. Muito bom. Pena que minha argumentação foi meio líquida, onde adentrei um espaço lírico, quer dizer, de lirios que não são buscados…

  • Murilo 24/04/2015em01:45

    Chego anos atrasado, mas… Lúcio Cardoso.