Embora fosse coisa assente, a grandeza de Machado não se entroncava na vida e na literatura nacionais (nas primeiras décadas do século XX). A sutileza intelectual e artística, muito superior à dos compatriotas, mais o afastava do que o aproximava do país. O gosto refinado, a cultura judiciosa, a ironia discreta, sem ranço de província, a perícia literária, tudo isso era objeto de admiração, mas parecia formar um corpo estranho no contexto de precariedades e urgências da jovem nação, marcada pelo passado colonial recente. Eram vitórias sobre o ambiente ingrato, e não expressões dele, a que não davam seqüência. Dependendo do ponto de vista, as perfeições podiam ser empecilhos. Um documento curioso dessa dificuldade são as ambivalências de Mario de Andrade a respeito. Este antecipava com orgulho que Machado ainda ocuparia um lugar de destaque na literatura universal, mas nem por isso colocava os seus romances entre os primeiros da literatura brasileira.
O artigo “Leituras em competição”, do crítico Roberto Schwarz, é um dos destaques da última edição da revista “Novos Estudos”, do Cebrap. Schwarz – que fez minhas leituras preferidas da obra de Machado de Assis nos livros “Ao vencedor as batatas” e “Um mestre na periferia do capitalismo” (Duas Cidades) – volta a seu tema habitual para traçar de forma sucinta a história de como o entendimento da obra do gênio carioca oscilou ao longo do século passado no Brasil e no exterior. A leitura é recomendada não só por conta da prosa elegante de Schwarz, mas também pelas idéias – cada uma em seu devido lugar.
10 Comentários
Que ótimo esse texto! Em geral não fica claro para nós (nem mesmo dentro da Academia) como foi a recepção da obra machadiana em seus primeiros momentos – e nem tão primeiros assim. É sempre bom perceber que ela teve, de alguma forma, de forçar caminho até conquistar, mais do que merecidamente, o espaço do qual desfruta atualmente. Machado de Assis é para todo o sempre um MESTRE. Lembro-me do que disse certa vez à Veja Susan Sontag: “Se Machado tivesse escrito em inglês, seria tão importante quanto Shakespeare”. Não foi exagero da grande ensaísta e escritora americana: concordo com ela. Infelizmente, Machado escreveu numa língua que é Periferia. Não que eu esteja reclamando: posso facilmente lê-lo em português. Eu só reclamo por causa “deles”: os estrangeiros que não têm a sorte e o privilégio de poder fazer o mesmo. Ao que me consta, a maioria das traduções das obras machadianas são medianas, ou mesmo muito ruins. Machado não teve a sorte de um tradutor à altura do seu gênio, como Guimarães Rosa teve. E como Clarice Lispector está tendo. Lamentável.
Sinceramente Saint-Clair Stockler, lamento muito mais os próprios brasileiros que não lêem Machado, do que estrangeiros.
Oi, Sergio
você poderia me dar mais informações sobre a revista em que foi publicado o texto sobre Machado? Onde comprar etc.
O livro Quincas Borba é uma das obras cobradas no vestibular da UFMG e, como professora de pré-vestibulando, é sempre bom aproveitar essa obrigatoriedade de leitura para expandir um pouco a visão de mundo dos alunos. Creio que este texto do Schwarz poderia fornecer um ótimo material de discussão em sala. Agradeço, portanto, se houver mais informações sobre a revista.
Obrigada
Renata Silva – belo Horizonte
IMPERDÍVEL:
No próximo dia 21 será o lançamento do livro “Entre o sonho e o poder”, baseado nas memórias de José Genoino sobre a trajetória da esquerda brasileira. O livro escrito por Denise Paraná, autora de “Lula, o Filho do Brasil”, terá lançamento na Livraria Cultura (Avenida Paulista 2073, loja 151, fone: 11-3170-4033), em São Paulo, às 18h30.
Anésio, vou deixar passar, mas da próxima vez tente ficar no tema da nota, ok?
Renata, você pode entrar em contato direto com a revista no email novosestudos@cebrap.org.br Um abraço.
Sérgio, minha dúvida é em relação ao uso do “por conta de” que você faz em seu comentário sobre o texto do Roberto Schwarz. Ouço muito atualmente as pessoas usarem “por conta de” em lugar de “por causa de”. Seria uma tradução errônea do inglês “on account of”, que significa, na verdade, “por causa de”? É verdade que o Houaiss já consigna essa acepção, mas não seria algo recente com influência do inglês? Acho que se trata de uso novo, de gente ligada aos jornais, principalmente, e do seu público. É preciso uma certa leitura para usar esta expressão. Nunca ouvi uma pessoa comum usar a expressão em um contexto do tipo: “Cheguei atrasado ao serviço por conta da chuva.” O que você acha?
Me parece uso bem disseminado e antiguinho, Antivan. É coloquial e, pro meu gosto, simpaticíssimo. Não acredito em influência do inglês, mas numa espécie de desdobramento do velho – e mais formal – “devido a”.
Lembrei de uma entrevista do Caetano (muitos dira argh – não reparem na onomatopéia, nunca as decorei direito lendo HQ…rs. – só ao ouvir o nome, mas, às vezes ele diz coisas inteligentes) ao ler seu texto. Ele disse que o Brasil ainda não fez por merecer a Bossa Nova… Lógico que a única semelhança entre a Bossa e Machado é o primor técnico na realização das obras, Machado é muito mais ácido, nunca cantaria um barquinho no mar ou algo do tipo… mas a posição meio “fora de lugar” é parecida (mesmo que aparente, nem Machado, nem os músicos da Bossa surgiram do nada ou de outro planeta).
É verdade, Machado de Assis não parece fruto de um ambiente literário, mas uma bomba nele, uma subersão do status quo. Muito diferente de José de Alencar, por exemplo. Um defunto-autor, ou autor-defunto, narrando suas memórias, o diálogo constante com o texto, as referências meta-linguísticas. Um manancial.Um mundo. Impossível parar de lê-lo.
O pior é que algumas restrições à grandeza de Machado de Assis foram feitas por parte da intelectualidade brasileira baseadas em conclusões sobre a sua suposta apatia política, o seu filo-monarquismo. Estreiteza, enfim.
Poder ler Machado é um preito de gratidão aos sumérios por terem inventado a palavra escrita.
Essa foi de lascar!
Lendo o comentário de Antivan aí em cima, sobre expressão inglesa, lembrei-me de uma frase que está em “altíssima”, principalmente no meio futebolístico brasileiro: “Farei o meu melhor…” (I’ll do my best…). Acho um terrível abuso de linguagem, de um mau gosto extremo.