Quando Vladimir Nabokov não veio ao Brasil, em 1921, foi como entomologista convidado da expedição que a Universidade de Cambridge, onde ele estudava, organizou para subir o Xingu ciceroneada por um já alquebrado Cândido Rondon, empreendimento ambicioso que reunia mais de oitenta profissionais entre cientistas, cinegrafistas, artistas plásticos, nobres entediados, adidos militares discretos e espiões da indústria farmacêutica – e que também acabou não vindo. Foi assim que Nabokov não avistou à beira de um córrego um belo e até então desconhecido espécime crepuscular da família Nymphalidae, que desse modo, num bater de asas, perdeu para sempre a chance de inaugurar uma subespécie batizada Nabokovia. Foi também naquele ano que o jovem Vlad não sentiu a tentação de trocar a vida sombria de exilado russo na Europa pela de russo maluco nos trópicos, nem decidiu se recuperar dos rigores amazônicos que não lhe subtraíram sete quilos da carcaça no embalo de uma rede recifense na praia de Boa Viagem, onde, como é natural, tampouco conheceu biblicamente uma prostituta de doze anos chamada Dolores. Entre as mais notáveis conseqüências desses não-fatos pode-se salientar a circunstância incontornável de que Nabokov também não aprendeu a escrever em português com uma excelência de estilo que mataria de inveja os escritores locais, razão pela qual se poupou de terminar a vida homenageado pela Acadêmicos do Grande Rio no enredo “Rei Nabô: o pai de Lolita num cenário divinal”, que acrescentaria involuntariamente uma suspeita de incesto à sua lista de pecados. Tudo isso nos permite concluir que foi um momento marcante de nossa história cultural – e da dele – aquele em que Vladimir Nabokov não veio ao Brasil.
24 Comentários
Prezado Sérgio,
Belo exercício de imaginação. O fato é que, com Nabokov ou sem Nabokov, a literatura brasileira não deixaria de ser o que é: uma mistura de estilos nada homogênea, indo de Guimarães Rosa a Paulo Coelho.
Que barato! Adorei o texto!
What kactus this is ?
Nabokov teria alguma relação com o mestre Dalton Trevisan? Você consegue traçar um encontro em estilo dos dois? Lolita poderia ser trancafiada e abusada por um vampiro curitibano? São por essas e outras razões e dilemas que me pergunto: “A literatura me deixa louco?” (risos)
Então certamente é por isso que Nabokov que de bocov não tinha nada não teve o privilégio de adquirir uma bela maleita e colaborar como entomologista no estudo das espécies.
Por falar em espécies, será que na Amazônia lá pelo alto chingu onde vive meu amigo Cochini existe alguma espécie vegetal similar a Brassica rapa?
Hem Sérgião?
Genial!
Muito bão.
eu acho que se o nabokov escrevesse um livro como lolita no brasil ninguém iria dar muita importância. ele seria considerado igual ao sarney, ou pior.
o lolita só cria esse estado de choque( sem tirar toda a beleza e a sua força expressiva, é claro) por que foi escrito em língua inglesa e se passa dentro daquele universo social. no brasil seria considerado um livro “menor” do nelson rodriguez, eu acho, uma cópia mal-feita.
boa!!! rs.
Que bom que o Vlad se livrou de virar enredo da Grande Rio. Fecho os olhos e posso imaginar um exuberante carro alegórico intitulado “Ada ou Ardor”, além da comissão de frente composta de oito belas ninfetas da Baixada que bailam acompanhadas de igual número de Humbert Humberts treinados por Carlinhos de Jesus (ou melhor: por seu equivalente da Grande Rio).
Belo conto, Sérgio!
no low profile, sem tentar emendar no “comentário genial”: também gostei.
Mas é possível que venha, Sergio. Talvez, quem sabe, até este ano…
Muito inspirado.
Legal, Sérgio. Muito bom, mesmo.
E já que Conrad também não veio, nossos coronéis loucos permaneceram incógnitos no meio da selva amazônica.
Para o Bruno, que expressou preocupação quanto ao meu comentário anterior: não foi a seu comentário que me referi, nem a nenhum em particular nesta caixa, mas ao desejo que a gente em geral tem, eu, pelo menos, de se mostrar genial em comentários de blog, principalmente aqui no Todoprosa, né?
Oi, Sérgio
O final do conto teria o sorriso e aprovacão do Diogo Mainardi.
Cara Noga,na maioria das vezes minha preocupação não é ser genial, e sim o menos chato possível.O problema é que,infelizmente,menos às vezes é mais,isto é,o tiro acaba saindo pela culatra.
Kylderi,
Não entendi o que você quis dizer com “aprovação de Diogo Mainardi”.
Eu também não, Leonardo. Mas acho que isso quer dizer que o Kylderi não gostou.
Oi,
Bom, esse traço de mensprezo pelo Brasil ou achar que nunca sairá algo de bom no País é marca daquele colunista da Veja; ideologias à parte, boa escrita é o que importa, daí eu admirar tudo do Nelson Rodrigues, mesmo sem concordar com suas idéias, e alguns artigos do citado polemista.
PS: O conto está ótimo.
Kylderi, me espanta muito você falar em menosprezo pelo Brasil e em “achar que nunca sairá algo de bom do país” (!!) depois de ler esse texto. Esta é a sua leitura, meu caro; definitivamente não é a minha. Prezo tanto o Brasil e sei de tanta coisa boa – ao lado de tanta merda, naturalmente – que saiu dele que não vejo nenhum problema em brincar com alguns dos nossos limites. Essa insegurança diante do “outro” eu não tenho mesmo. De qualquer maneira, obrigado por dizer que o conto é ótimo.
Muito bom o seu texto.
É, foi bom que Nabokov ficou por lá, rsrsrs. Imagina um enredo de escola de samba, aff!.
Eu AMOOO literatura, de qualquer tipo,sendo brasileira ou estrangeira. Mas cada um tem seu estilo.
A correspondência de Coetzee e Auster e outros links | Todoprosa - VEJA.com