Peço licença para, correndo o risco de parecer obsessivo, citar mais um trecho do brilhante “O livro do riso e do esquecimento”, de Milan Kundera, que andou por aqui há pouco tempo. A atualidade destas palavras escritas em 1978 – muito antes, portanto, de haver sombra de internet no horizonte – tem algo de dolorosamente profético:
Aquele que escreve livros é tudo (um universo único para si mesmo e para todos os outros) ou nada. E porque nunca será dado a ninguém ser tudo, nós todos que escrevemos livros não somos nada. Somos desconhecidos, ciumentos, azedos, e desejamos a morte do outro. (…)
A irresistível proliferação da grafomania entre os políticos, os motoristas de táxi, as parturientes, os amantes, os assassinos, os ladrões, as prostitutas, os prefeitos, os médicos e os doentes me demonstra que todo homem sem exceção traz em si sua potencialidade de escritor, de modo que toda a espécie humana poderia com todo direito sair na rua e gritar: Somos todos escritores!
Pois cada um de nós sofre com a idéia de desaparecer, sem ser ouvido e notado, num universo indiferente, e por isso quer, enquanto é tempo, transformar a si mesmo em seu próprio universo de palavras.
Quando um dia (isso acontecerá logo) todo homem acordar escritor, terá chegado o tempo da surdez e da incompreensão universais.
17 Comentários
profético a ponto de merecer umas trombetas.
a respeito de mim devo concluir: não sou escritor, sou grafomaníaco.
…o blog aqui é bom como sempre.
Sérgio,
sensacional. Mas, agora que todos acordaram escritores, quando é que um escritor mesmo vai se reconhecer?
Dito em 1978, seria questionável [pelos estudos anteriores de Blanchot, Barthes, Mallarmé etc]. Dito hoje, é inaceitável. Deveríamos desconfiar das reais intenções daqueles que consideram que só se deva “dar a voz” a uns poucos. Escrever, sabemos, não é uma caracteristica inata. Escreve-se, claro, a partir da intenção de se comunicar ideias. O mais interessante é que ao mesmo tempo em que se demoniza a escritura dos “Menocchios” de hoje, exige-se mais leitores. Não se vê que escrever é também estimular a leitura? [Lembrando que nem todo mundo tem a pretensão de escrever o próximo clássico da literatura mundial]
Mas, o que é um escritor? Digo, um escritor de nosso tempo, quem ele é? O texto “A morte do autor”, de Barthes [de 1967] é atual e elucidativo. Não creio que seja amanhã que será anunciada a morte do autor, mas o acesso à informação e a novos meios de publicação, sem dúvida, darão voz a muitos e diversos “Menocchios” que terão uma chance de perpetuar suas ideias, memórias e imaginações. Se isso fará alguma diferença, não sabemos. Entretanto, penso, a única chance que a literatura terá de sobreviver é justamente enfrentando a si mesma.
Ler o texto de Barthes é fundamental: “In precisely this way literature (it would bebetter from now on to say writing), by refusing to assign a ‘secret’, an ultimate meaning, to the text (and to the world as text), liberates what may be called an anti-theological activity, an activity that is truly revolutionary since to refuse to fix meaning is, in the end, to refuse God and his hypostases—reason, science, law.”
A citação é maravilhosa e atualíssima. Vivemos em um mundo em que todos querem ter boca, mas poucos querem ter ouvido ou olho. Suspeito que o outro esteja entrando em extinção …
Sérgio,
Sua obsessão não é com o Kundera, mas sim com este tema, que como quase toda obsessão, guarda muita pertinência. É realmente assustadora a lucidez dele, sobretudo no parêntese: (“e isso acontecerá logo”). Estamos realmente falando com as paredes, cada um em sua língua, mas a passagem do tempo vai corrigir isso de alguma forma com sua eterna espiral. Afinal de contas, voltamos ou não voltamos para 1929 ? Novas-velhas idéias vão surgir…
Não sei… Sérgio.. primeiro, gostaria de avisar que seu blog será FUTRICADO, e posto em falação no meu…
DEPOIS… acho que todo mundo é um escritor em potencial… mas que todos estão ocupados demais com suas vidas para “dedicar a vida à literatura” e se… tal pessoa escreveu um livrinho aqui e eoutro ali.. sei não se pode ser chamado de escritor e posto ao lado dos grandes da literatura (como vc)… acho que só seria uma pesoa que escreveu livros… escreveu… e nãoescreve.
Do mais… tenho a dizer que se todos escrevessem, seria até mais interessante do que fazer tantas outras coisas que fazem.. quem sabe eles não lêem também o que os outros colegas escreveram?
Seria legal.. a tratar-se daquela história de Sociedade de Escritores.. se lembra? em que cada um compra o livro do outro.. rsrs
um abraço.. tô aqui para o próximo post….
TÁ AQUI A FALAÇÃO da MINHA FUTRICAÇÃO no blog:
Sérgio Rodrigues, em seu blog, citou: Milan Kundera, que dizia uma mensagem sobre ser todo mundo: “escritores em potencial”. Eu, primariamente concordo, mas num segundo grau… imagino a sua vida ocupadíssima… seus problemas em correr atrás dos teus sonhos e ainda ter de sobreviver… rsrs acho complicado você ser escritor(a)… sabe, não digo de escrever um livrinho aqui, outro ali… no fim de semana… um conto a cada crise de solidão… um poema a cada depressão… mas digo de criar uma identidade, onde “o que você é” se resume em literatura.
Acho que a diferença entre o escritor e a pessoa que escreve livros é essa: a dedicação de uma vida à literatura… o resto, como: talento, dinheiro, argumento… é só secundário… terciário… ao motivo de se correr atrás e conquistar tudo em que seu empenho trabalhou… veja, eu disse: empenho.
Te aconselho: quando encontrar um escritor, pergunte-lhe três coisas: o que ele fez pela literatura, o que ele faz… e o que ele irá fazer… somente. Não queira saber dos livros, da carreira nem nada de fama… isso, você pergunta depois, se “descobrir que o cara é mesmo um escritor que leva a literatura a sério… ou… se é alguém que só faz poesia, contos, etc… para passar tempo, ganhar dinheiro… fama… ou seja lá o que for… que não é a de acrescentar mais um significado pra literatura”…
enfim… pergunte-lhe, com um olhar franco, sem sorriso: “quando morrer, irá ver a literatura a qual deixou… você poderá dizer que ela mudou por conta do que você escreveu, ou não?” essa pergunta derruba qualquer escritor farsante… acredite. Pois, se ele dizer que sim.. terá de explicar como pretende modificar a literaura.. e, dizer isso não é possivel ao improviso… acredite.
Eu mesmo, me debati com um escritor fantástico ano passado, chamado James Andrade… que, na então reunião deles que fui, chamada: Fontes da Ficção, citei em voz alta que a literatura fantástica atraia jovens que eram traumatizados com a literatura clássica sim,,, mas, que esta também mostra ser uma literatura alienada da vida… nousssa! o cara quase me engoliu… e, depois, que nos acalmamos, ele enfim me perguntou o que era a literatura… eu, por ironia, disse-lhe que não sabia…. disse, mas olhando a todos, não vendo-os dentro da literatura… disse-me como não sabendo mais o que era, ao vê-los. O cara me odeia até hoje!… mas, tenho de reconhecer,,, e reconheço, que mesmo falando de mosntros, os valores e os sentimentos humanos estão ali presentes, mascarados por fantasia… mas estão. Logo: eu estava errado… mas não totalmente… pois ainda acho que mascarar a literatura contradiz até seu aspecto LITERAL, que é o de dizer ao pé da letra… TIM-TIM por TIM-TIM!.. e não: deixar a entender…
Vejamos hoje… com o besta seller: O CREPÚSCULO… onde a humanidade é implícita, mas mascarada no vampirismo… eu achei o livro bom… e digo que se há escritor que não gostou, é porque este sentiu inveja… somente. Acontece que a literatura não é só isso… e os novos leitores só conhecessem esta… infelizmente.
veja que uma amiga minha só leu completamente este livro de literatura em toda sua vida… e pode rir… pois a moça tem 22 anos!.. agora, veio ela me perguntar se eu era mesmo escritor, onde poderia comprar meus livros… e até me pediu um autógrafo, isso, depois de 5 anos de amizade… e sim… eu autografei, mas sabe onde? na contra-capa do segundo número vampiresco a ser besta seller: ECLIPSE!
…ao fim, deixo a pensar:
Que literatura estamos fazendo, amigos escritores?
Que literatura estão mostrando, senhores editores?
e… que literatura vocês querem ler… caros leitores?
Talvez isso seja um rompante de vaidade do autor. Fico mais com a análise de Axel Honneth (Luta por Reconhecimento – A gramática moral dos conflitos sociais). Todos necessitamos de uma forma de reconhecimento (do outro e da sociedade.
Paz e bem.
Putz,,,esse Hiago dá um show de platitudes….
Crepúsculo, bom? Inveja? Cara, tô rindo até agora…
Um dia tive a pretensão de achar que eu poderia ser um escritor. Até que um professor, numa roda de discussão sobre literatura, disse que escritor não é aquele que escreve, e publica o que escreve. Escritor é aquele que morre se não escrever!
Recolhi-me ao meu canto, sentei-me sobre a minha ignorância, e passei a ler aqueles que sobrevivem escrevendo. Isso, pelo menos, tenho a certeza que posso fazer…
Sérgio, escrevendo muito bem, como sempre, Por isso passo sempre por aqui. Grande abraço!
Há uma banalização da expressão artística com esse papo esquerda culpada de “inclusão pela arte”. Escrever não é inato, mas nem por isso qualquer “Mennochio” – que, por sinal, em termos de ciências naturais era um lunático – é um escritor. Expressar-se e fazer arte são coisas diferentes. Por isso nem todo mundo que desenha é um ilustrador ou qualquer tocador de pandeiro ou violão é músico. Por que, então, todo mundo tem de se “tornar escritor”?
Sérgio,
a surdez, a insensibilidade, tudo isso sempre existiu… e pior, pois antes, quantas foram as pessoas sem voz que sofreram, que foram injustiçadas, pessoas cuja voz só atingia o círculo mínimo de parentes, ou nem isso – e hoje elas podem ter mais repercussão.
Quando é que saberíamos das meninas mutiladas da África, quando saberíamos dos dramas das mulheres que vivem embaixo de suas burqas e xadores?
Veja que Kundera só previu a parte ruim da democratização da escrita, mas há um lado muito bom, sim, especialmente para aqueles que conseguem ser ouvidos e lidos.
um beijo,
Paula
Tenho quase certeza de que ele disse o mesmo, com outras palavras, em A insuportável leveza do ser. Vou dar uma olhada.
O Kundera é um cara que me impressiona muito. Ele joga na sua cara a realidade, sem agressão, sem violência – parece até que ele não é afetado por ela….
Caro escritor.
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