Na linguagem comum, as palavras “referendo” e “plebiscito” são sinônimos, mas há uma diferença nem tão sutil entre essses dois instrumentos da chamada democracia direta. Segundo a legislação brasileira, no plebiscito submete-se ao voto popular uma questão antes que ela ganhe forma de lei, ou seja, “com anterioridade a ato legislativo ou administrativo”. Exemplo: a votação sobre o sistema de governo brasileiro prevista pela Constituição de 1988, realizada em 1993 e vencida pela república presidencialista, foi um plebiscito.
No referendo, ao contrário, a consulta se dá após a tramitação de uma matéria, como última instância. Dessa forma, uma decisão prévia pode ser ratificada ou rejeitada na íntegra ou em parte. Como ocorreu na consulta popular de 2005, em que a população repeliu o artigo do Estatuto do Desarmamento, aprovado pelo Congresso, que proibia a comercialização de armas de fogo.
Essa distinção não é suficiente para eliminar o fato de que nunca foi pacífico o que diferencia um plebiscito de um referendo, mas ajuda a entender por que vem sendo chamada preferencialmente de referendo a consulta à população venezuelana sobre as mudanças constitucionais talhadas para dar superpoderes ao presidente Hugo Chávez. Ainda assim, o parentesco profundo entre as duas palavras fica claro quando se chama o sistema venezuelano de “democracia plebiscitária”.
A palavra “referendo” exibe um bonito traço do latim que o português não herdou – não diretamente, embora tenhamos várias palavras formadas a partir dele: o gerundivo, um tipo de gerúndio que funciona como particípio passivo futuro. Assim, referendum é “aquilo que deve ser referendado, submetido a alguém”; formando, “aquele que vai se formar em breve”; memorando, “o que deve ser lembrado”. Já a palavra plebiscitum tem origem literalmente menos nobre: surgiu com o sentido de “lei aprovada pela plebe”.
Texto publicado na “Revista da Semana”.
2 Comentários
Sergio, nao sou advogado nem literato mas gosto dessas sutilezas que vc joga no teu blog. Nesse post ‘nao hay o famoso me gusta no me gusta,’ ainda que a diferenca entre os termos pareca pequena.
A Venezuela depois de Chaves pode ate ter virado um pais ad hoc, mas no Brasil o Artigo 14 da Constituicao – como vc citou e omitiu sutilmente – regula a forma de plebiscito, referendo e iniciativa popular. De forma que um referendo eh convocado apos o ato legislativo. Ou seja, o ato legislativo ja existe, e para se tornar lei ( e entrar na hierarquia das leis ) deve ser votado. Cabe a sucia, entao, a ratificacao ou rejeicao. Ponto.
Eu desconfio que eh por essas e por outras que, para desapontamento de muitos, o que separa o Brasil da Venezuela eh hoje muito menos a quantidade de petroleo que ambos possuem. Existe uma infinidade de diferencas semanticas entre os dois lados da Pacaraima
Sérgio, legal o texto. Se não me engano, há um texto de Artur Azevedo (irmão do mais famoso Aluísio Azevedo, dO Cortiço) chamado “plebiscito”, de muito bom humor, cujo mote é essa palavra “de origem menos nobre”. Fica a dica.