Quando Brahms compôs sua primeira sinfonia, foi acusado de usar um grande tema da Nona de Beethoven. Sua resposta foi que qualquer idiota podia ver isso.
A frase do romancista inglês Julian Barnes não se aplica ao caso de Ian McEwan, que passou longe de usar um “grande tema” de outro autor em “Reparação” (veja nota abaixo). Barnes escreveu isso em defesa de outro compatriota, Graham Swift, acusado em 1997 de plagiar ninguém menos que William Faulkner. Quem quiser se aprofundar um pouco mais no assunto pode se interessar por este artigo de Jan Dalley no “Financial Times” (acesso livre, em inglês), que recupera a tirada de Barnes/Brahms. O caso de Yann Martel e sua mão grande no bolso do brasileiro Moacyr Scliar também é lembrado lá, mas sem que o escritor gaúcho mereça uma citação nominal. Feio. Até por não ter o nomão de Beethoven ou Faulkner, o que Scliar sofreu foi mais grave.
22 Comentários
Com o Saint-Clair e o Ronaldo puxando a fila (nos comentários da nota anterior), está aberta a temporada de inscrições para o sorteio de um exemplar – autografado, claro – do meu livro “As sementes de Flowerville” entre os leitores do Todoprosa. Quem estiver interessado deve deixar aqui nome e email. O sorteio será realizado dentro de alguns dias.
Mais grave, Sérgio, foi que o Scliar preferiu a publicidade a brigar com o Martel na história do plágio. Tsc, tsc, tsc.
Mas pára, o livro do Swift era uma releitura assumida.
meu nome e e-mail.
sobre o livro do Martel, foi isuportável pra mim, mesmo que estivesse apenas lendo um capítulo na Fnac.
o do Moacyr não há de ser muito melhor.
Me lembro que o Alasdair Gray, autor do “Lanark” (que alguns consideram o “Ulisses” escocês), certa vez disse numa entrevista que quando começou a escrever esse romance e tinha dificuldades em escrever algumas cenas, por inexperiência mesmo, copiava de Proust e Faulkner até não-sei-quem-mais. Tinha uma cena de festa e ele não sabia descrevê-la? Tome a procurar nos livros uma cena de festa pra usar como modelo. Precisa de uma cena de bar? Era só procurar em algum de seus romances na estante e copiá-la. E ninguém, em momento algum, acusou-o de plágio. Acho que isso acontece o tempo todo, faz parte da construção literária: não temos de inventar a roda a cada livro, se podemos usar outra obra (ou parte dela) como modelo, por que não? Outro dia mesmo estava lendo um interessante ensaio em que o autor falava da forte influência que os livros de Machado e Eça exerceram na construção de certas cenas do magnífico “Angústia”, do Graciliano Ramos. Eu, nos meus contos, nunca cheguei a sentir necessidade de usar nenhuma cena como modelo, mas o dia que sentir ser necessário vou usar sem pensar duas vezes (não estou falando de plágio, copiar tim-tim por tim-tim; estou falando de algo mais sutil, de aprender com a cena e torná-la sua, em certo sentido – ou, pra usar uma metáfora: pegar o esqueleto alheio e preenchê-lo com sua própria carne).
ai que vontade de ganhar
;]
Sérgio, taí meu email, também estou na rifa virtual.
Mas me permita discordar do aparente consenso no caso Scliar/Martel. Para mim, plágio de história não conta: o que vale é como a história é contada, seja ela nova ou emprestada de algo ou alguém. Martel usou como ponto de partida do seu romance uma idéia que roubou de Scliar, mas a forma como a idéia foi desenvolvida é certamente diferente. Há menos que haja trechos idênticos nos dois livros, para mim não há plágio.
Saint-Clair, o Alasdair Gray roubou mesmo um monte de coisas para o “Lanark”, mas ele reconhece todos (ou muitos dos) seus plágios num capítulo especial, e um bocado metalinguístico, do romance. Que vale muito a pena, by the way.
Quero participar do sorteio também…Senti falta de alguém citar a técnica de Burroughs o Cut-Up acho que ela é umas das saídas criativas por mixar varias obras criando outra que é muito diferente das “mães”.
Sérgio, o seu elogio ao “Reparação” foi tão enfático que eu vou comprar esse livro e furar a fila da minha cabeceira para lê-lo imediatamente. Se não for bom eu nunca mais tomarei seus posts como recomendação.
É só deixar um comentário para participar do sorteio?
Flávio Rios — flaviorios@gmail.com
Paulo, “Reparação” é um dos melhores romances que li em TODA a minha vida. O Sérgio não tá errado. Qualquer coisa que se diga dele menor que “brilhante” não faz jus a sua grandiosidade.
Quero o livro… é só deixar o post e ta valendo?
Pode ir sem susto no Reparação, Paulo. Se você odiar o livro, eu também não vou levar mais a sério seus comentários. Assim é a vida.
Para participar do sorteio é preciso deixar uma mensagem aqui manifestando esse desejo. E com um endereço de email válido, de preferência aberto na mensagem (os que não fizeram isso, deixando o email oculto no formulário, estão participando também, mas vão me dar mais trabalho).
Mas até o Luther King? Vai ver que esta foi a razão do assassinato, não tinha nada com racismo.
Como sou tolinha! Nunca tinha reparado nesta coisa de “empréstimo” literário entre os grandes. Faltei esta aula.
Até o Saint-Clair? Trama a gente combinou no Blog dele que não tem problema. Mas tem que deixar e-mail no aberto? Peraí que eu vou fazer um clarice456@pagonada.com.br e já volto.
Sérgio, li “Reparação” 4 vezes e está na cabeceira para ler mais uma vez. É livro para ler para o resto da vida. (isso é que é puxar saco. O resto é arremedo)
Nunca li. Vou esperar ter dinheiro… não estou insinuando nada.
Sobre o caso do Scliar, Lucas, concordo que nenhum escritor é dono de seus temas. Se amanhã eu escrever sobre um sujeito que acorda transformado em inseto, estarei desobrigado de explicitar a fonte. Mas quando se pega um ponto de partida forte como esse do barquinho com um felino de grande porte dentro, de um autor obscuro internacionalmente, e não se faz nem um agradecimento, a coisa fica com jeito de má-fé. É isso. A discussão técnica do plágio não vem ao caso, estou falando de uma certa ética literária (um oximoro?). E falando em tese, sem ter lido nem o Scliar nem o Martel, apenas as reportagens sobre a história.
Ah, sim: quem não quiser que seu email fique público pode se inscrever enviando uma mensagem para mim.
Sérgio,
Abdico do sorteio. Ponha no meu lugar o Saint-Clair. Ele concorre por mim, com duas chances. Nãoque eu não queira ler o seu livro. Mas acho que o Saint-Clair merece por vários motivos.
Acho que o “Pierre Menard” do Borges dá conta, entre outras coisas, do problema de plágio.
Eu me sentiria muito mal pondo no meus escrevinhos coisa alheia sem fonte. Mas isto sou eu uma diletante que jamais publicará.
Hummmm…
Talvez eu não devesse desistir de participar do sorteio… quem sabe tem alguma coisa para compiar…
“No meio do caminho tinha um pedregulho.
Tinha um pedregulho no meio do caminho.”
“Eu sou 500, sou 550.”
“Luz na porta do boteco”
Versinhos de minha autoria.
Sérgio, achei um artigo interessante sobre o caso Scliar/Martel: http://www.mobylives.com/Yann_Martel.html. O autor acaba concluindo que copiar um ponto de partida tão particular não é muito nobre, mas no começo do artigo diz que Martel citou Scliar numa nota anexa ao livro e em diversas entrevistas dadas antes da acusação de plágio – exatamente como McEwan fez com Lucilla Andrews. Ou seja, ele não teria tentado esconder sua fonte de inspiração. Abraços.
Bom, Lucas, se ele deu crédito ao Scliar antes de estourar a polêmica – o que para mim é novidade – a coisa muda de figura, claro. Um abraço.
Sérgio, também quero participar do sorteio.
Talvez o caso do “Life of Pi” tenha sido distorcido por causa da história curiosa do livro, que foi recusado pela editora original de Martel e só foi indicado ao Booker Prize por ser de uma editora pequena, a Canongate, que não tinha mais ninguém para indicar. O livro só se tornou notório ao ganhar o prêmio, e aí a semelhança entre seu ponto de partida e o de “Max e os felinos” se tornou notícia.
O que leva a uma pergunta: plágio, ou desrespeitos à ética literária que você citou, são mais graves quando o autor incriminado é famoso? Pelo barulho que fizeram com essa história do Ian McEwan, parece que sim, mas por quê? Abraços.
Não diria que seja mais grave, Lucas. Quanto a fazer mais barulho, acho compreensível. Os atos de gente que já é famosa são sempre mais noticiados, para o bem e para o mal – inclusive, como parece ser o caso nessa história do Ian McEwan, por oportunismo. Abração.