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Se Tezza fosse afegão

04/12/2008

Os leitores deste blog sabem que sou um fã de primeira hora de “O filho eterno”, de Cristovão Tezza. Nessa condição, é claro que me alegra o balaio de prêmios que ele angariou num desempenho que, em minha memória, não tem paralelo – o único que ameaçou chegar perto foi Milton Hatoum. Verdade que os prêmios, mesmo tendo acertado este ano, não são uma medida lá muito rigorosa de qualidade: erram à beça, freqüentemente traem motivações mais políticas que estéticas, isso todo mundo sabe. Mas não é menos verdade que dão aos livros uma exposição que eles não costumam ter.

Aí vem a má notícia, que tem me deixado pensativo: nem com esse massacre, digamos, esportivo – e o resultado da Copa de Literatura, o menos importante mas talvez o mais divertido dos prêmios, ainda nem saiu –, nem assim “O filho eterno” aparece nas principais listas de mais vendidos da imprensa brasileira. Nem ganhando tudo que um livro pode ganhar. E o que me parece ainda mais espantoso – nem mesmo tendo, na relação do autor/protagonista com seu filho Down, um tema de fortíssimo apelo, do tipo que costuma arrastar às livrarias uma massa de leitores mais interessados em “experiências de vida” do que em literatura. Nem assim.

A editora Record confirma: lançado em meados do ano passado, “O filho eterno”, em quinta edição, vendeu até agora cerca de 10 mil exemplares. Outros 4 mil estão neste momento nas prateleiras. É pouco? De jeito nenhum: se considerarmos a média do mercado de ficção nacional, é muito. Mas é irrisório, é nada diante da qualidade do livro, de sua alta voltagem emocional, do espaço que ele já ocupou na imprensa e das sucessivas chancelas críticas que os galardões nacionais lhe conferiram.

É verdade que o desempenho tende a melhorar. Em novembro, o romance de Tezza vendeu cinco vezes mais que a média dos meses anteriores. Só que o número quintuplicado, proporcionalmente gordo, chega em termos absolutos a pouco mais de 2 mil exemplares. O teto é baixo, muito baixo, claustrofóbico mesmo. Há quem, levando em conta nossa educação de mentirinha, se conforme com isso. Não acho que devêssemos.

Na França, a lista de best-sellers do momento é puxada por Atiq Rahimi, que faturou o Goncourt, com J-M.G Le Clézio, ganhador do Nobel, em segundo lugar (e andam dizendo que as vendas estão em queda livre por lá). Na Inglaterra, o até então desconhecido Aravind Adiga, autor de “O tigre branco”, aproveitou o impulso exclusivo de seu prêmio Booker para emplacar de cara a lista dos mais vendidos, na qual aparece hoje, já na curva descendente, em sétimo lugar.

O que isso prova? Coisas demais para que este post possa abarcar. Algumas delas, entre as que me parecem mais claras: que os prêmios literários não têm entre nós o peso que têm em outras culturas; que nosso exíguo ambiente letrado, com todo o seu nariz em pé, é um péssimo condutor de calor; que a ficção brasileira ocupa na percepção da maioria do público um lugar semelhante àquele que foi ocupado durante décadas pelo cinema nacional – um lugar de má fama dominado pela incompetência crônica; e que Tezza estaria mais rico que a Madonna se ao menos, em vez de ser um barriga-verde adotado por Curitiba, tivesse a enorme felicidade de ter nascido afegão.

27 Comentários

  • Noga Lubicz Sklar 04/12/2008em17:43

    Acho que falta uma coisa do tipo “Clube do Livro da Oprah” + publicidade pesada, além, é claro, dos superdivulgados adiantamentos milionários. Afinal de contas, só se dá importância mesmo ao que rende (ou já rendeu) muito dinheiro. No mais, é claro, Sérgio: não são somente os prêmios literários que não têm peso no imaginário popular, mas a própria literatura. Nada disso, porém tem tanta importância aparentemente para Cristóvão Tezza, que já declarou estar se “aposentando” para viver de literatura. Bom pra ele.

  • Thiago Maia 04/12/2008em17:44

    SR, acho que faltou um ‘z’ em ‘traem’, na quinta linha.

  • Mr. WRITER 04/12/2008em17:59

    Mas se “o filho eterno” fosse um livro de mágico, de elfos ou alguma coisa “inovadora” aí sim venderia bem…

    Mas “o filho eterno” venderia muito mesmo se fosse um abadá ou algo bem, bem pior…

  • Sérgio Rodrigues 04/12/2008em18:02

    Obrigado, Thiago, mas é “traem” mesmo, do verbo trair, “dar a perceber involuntariamente”.

    Noga, eu acho que ele faz muito bem. Os prêmios mais as vendas atuais e projetadas lhe permitem sonhar com isso. Mas eu não diria que esse teto baixo da ficção brasileira não tem importância para ele.

    Abraços.

  • Thiago Maia 04/12/2008em18:26

    Sou eu quem agradece. Não entendi esse sentido do verbo (que muito mal sabia), mas agora sim.

  • Fernando Torres 04/12/2008em18:52

    Sérgio,

    Sempre concordei com sua posicão acerca de “Filho Eterno”. Mas discordo sobre o que disse sobre o Hatoum. O autor amazonense ganhou 3 jabutis nos 3 livros que publicou (“Órfãos do Eldorado” não concorreu este ano) e um Portugal Telecom.

    Para mim, Hatoum Hatoum ainda é sem prescedentes.

  • Sérgio Rodrigues 04/12/2008em18:59

    Fernando, gosto muito de Milton Hatoum, mas não me parece que ele tenha feito essa limpa de cem por cento dos prêmios disponíveis no mercado com nenhum de seus livros. Nem teria como chegar a uma conta tão gorda, visto que esse de São Paulo não existia. Evidentemente, isso não é demérito algum – mesmo porque prêmios são coisa secundaríssima em termos de mérito -, apenas um fato.

  • Tibor Moricz 05/12/2008em09:59

    Prêmios literários não são termômetro de qualidade, mas não negamos um aqui ou outro ali se vierem para o nosso lado…rs. Quanto a ser afegão premiado, virou moda. Estou até pensando em assinar diferente: Tibor Khaled Rahimi Moricz. Uma numeróloga disse que ia fazer sucesso.

  • Eric Novello 05/12/2008em10:04

    Mr.WRITER,

    A literatura fantástica nacional também passa por perrengues.
    Contamos nos dedos quem vende para valer.
    Sem entrar outra vez no mérito da qualidade de mainstream x fantástico, eu diria que se fosse um livro de elfos, mágicos ou alguma coisa ‘inovadora’ estrangeira… aí venderia muito bem!
    Mas de fato, deixando os rótulos de lado, acho que esses livros vendem mais porque miram no público mais jovem. O tal Crepúsculo tem até fã-clube. É. Fã-clube de livro, se reúnem, fazem lançamentos (sem o autor, que não é daqui) sorteiam camisas, livros. É o livro evento social.

    Toda vez que penso nessas vendas mancas do Brasil, resisto bravamente a culpar Machado de Assis, Bernardo Guimarães, etc., que são obrigatórios no colégio. A fase anterior, do livro chamado ‘extraclasse’, infanto-juvenil (Mistério do cinco estrelas e sei lá mais quantos) tem um apelo gigante. Todo mundo gosta. Depois, quando entramos nos ‘clássicos’ a coisa muda de figura. Fora o óbvio interesse no sexo oposto (ou no mesmo sexo) que entorta os olhos para outras coisas… há um algo mais que faz o interesse pela leitura se perder.

    E aí me vem a entrevista do Cuenca na cabeça. Enfiem os escritores nas revistas de fofoca… É uma situação complexa mesmo. Comentar que o livro ganhou prêmios nos jornais (esquecendo o virtual e apelando para o fetiche do papel) faz diferença? Sérgio, você tem algum tipo de informação sobre o impacto de uma boa resenha em veículo impresso? São inúmeras variáveis para entender a razão dessa estagnação literária. Está faltando escritor showman no mercado, que saque sua espada e se comunique por telepatia… talvez seja isso. Eu tenho olhado muito para o virtual, estudado o assunto, cruzado estatísticas de site para ver se entendo um pouco mais como tirar o coelho de dentro da cartola.

  • Marcio 05/12/2008em11:47

    Achei muito pertinente o comentário do Eric sobre a passagem dos livros infanto-juvenis para os clássicos, nas escolas. Faz bastante sentido, é um corte muito brusco, que a maioria não se adapta e acaba criando uma certa aversão por Literatura. Conheço pessoas que lêem muito e têm verdadeira aversão por Machado de Assis.

    Com certeza não é o único motivo dos problemas de nossa literatura, mas explica muita coisa.

  • El Torero 05/12/2008em12:08

    Muito bom Sérgio, a última frase é um soco no estômago.
    Em um barzinho fui bombardeado, por umas meninas, com “O Caçador de Pipas”, “O Livreiro de Cabul” que não li e não gostei. Tentei começar pelo básico mas ninguém conhecia nem o Pedro Bala, cria do Jorge Amado. Assim fica complicado.

  • josé rubens 05/12/2008em13:24

    Prezado Sérgio,

    Não existe nada de assombroso em sua constatação acerca do lugar da literatura na sociedade brasileira contemporânea. O livro do Tezza, apesar da qualidade, não terá uma vendagem expressiva, digna de outros livros, principalmente estrangeiros. É todo um conjunto de fatores, a começar pelo desterro a que foi relegada a (boa) literatura na sociedade contemporânea. Quem lê literatura no Brasil? Talvez nem 1% da população. É triste, é preocupante, desalentador, mas é uma realidade que escritores e nós, amantes da literatura, temos que conviver.

    Não se espante se daqui a dois anos as tiragens dos premiados não superar os dois mil volumes. E olhe lá.

  • Drex 05/12/2008em14:16

    Aiaiai… Não sei se entendi bem o Eric, e depois o Márcio, mas me parece o fim da picada culpar Machado de Assis e demais clássicos pela aversão brasileira pela literatura. Ora, essa é boa mesmo.

    Nosso pequeno público leitor tem origens muito mais objetivas: um sistema educacional restrito e de baixa qualidade.

  • Tomás 05/12/2008em14:42

    Não sei se concordo com o José Rubens. Acho que tem muita gente que lê literatura de qualidade no Brasil, mas muita mesmo. Basta ver a naturalidade com que Saramago, Gabo e Cia. passeiam por nossas listas de mais vendidos.
    O que me pergunto é: onde estão os marketeiros das editoras?
    A Record disputa cabeça a cabeça o posto de grupo editorial mais lucrativo do Brasil, e eu não vi uma única propaganda do livro de Tezza.
    Não vi aquela pilha de livros na entrada da livraria Cultura, com banners e fotos do autor em tamanho natural, como teve o Khaled Hosseini, nosso querido Paulão e tantos outros.
    Enfim, acho que ajudaria muito se os peso-pesados do mercado livreiro investissem dinheiro (dinheiro mesmo) nos nossos conterrâneos promissores, ao invéz de ter, como maior preocupação, as listas gringas de best-seller.

  • Tomás 05/12/2008em14:44

    Aliás, já me desculpo pelo “promissores”, porque o Tezza não tem nada de promessa. Tá mais do que concretizado.

  • Sérgio Rodrigues 05/12/2008em17:30

    Obrigado, Diupa. Só agora vi seu comentário porque estava ocupado batendo um post justamente sobre isso.

  • Mr. WRITER 05/12/2008em17:23

    Marcio e Eric,
    muito bons seus comentários…
    Sabe, acho que às vezes nossa literatura carece é dos modismos pra vender bem…
    Sabe, essas coisas tipo grandes conspirações escritas como roteiros de filmes de “Rolliudi”, ou dos tais elfos ou bruxos ou dragões, ou esse pessoal afegão que si por aí correndo atrás de pipas ou cartas ou sei lá o que…

    Quando o brasileiro se depara com um drama pessoal em livro ele, o brasileiro, o detesta, mas imagina quando esse drama passa na tv como o do menino João Hélio, como da menina Isabella Nardoni ou como o da adolescente Eloá…

    Brasileiro gosta é de novala da globo e do dramalhão sensacionalisata do jornal nacional… isso é fato.

    Abraços pra todos e obrigado pelo prazer da conversa.

  • Roverno Vals 05/12/2008em19:51

    Se deixarmos o dinheiro de lado, o que o Tezza ganharia tendo mais leitores do que já tem? Que interesse ele teria em ser lido por débeis mentais que lêem essas bostas “de Cabul”? Esses leitores acéfalos, que mal conseguem entender o que lêem, acrescentariam algo ao seu livro?

  • Mariana Sanchez 06/12/2008em03:03

    Semanas atrás estive em um bate-papo com o Tezza e ele me pareceu muito tranquilo com toda a repercussão e a avalanche de prêmios que O Filho Eterno gerou. Acho que todo escritor brasileiro é, de certo modo, um realista. Sabe que não vai vender como um Paulo Coelho e nem será lido por uma multidão tão expressiva, mas essa nunca me pareceu uma questão primordial da boa literatura. Assim como toda arte, ela é restrita por natureza. Lamentável, mas pura verdade. Ao menos os prêmios estão aí, bom que agora o Tezza pode se dedicar exclusivamente à literatura.

  • Tibor Moricz 07/12/2008em11:59

    Roverno, esse seu comentário me faz pensar qual é, de fato, a quantidade de encéfalo que a noz da sua cabeça contém. Dois neurônios deve ser um escândalo de abundância.

  • Marcos 07/12/2008em23:10

    Bom, parece que os prêmios deram uma sombra de resultado. A lista estendida da Veja desta semana já indica O Filho Eterno, 16º lugar: http://veja.abril.com.br/livros_mais_vendidos/

  • josé rubens 08/12/2008em09:22

    Caro Tomás,

    O percentual citado (1%) de leitores de literatura no Brasil parte de uma constatação empírica, mas não tenho nenhum receio em submetê-la uma avaliação científica. Basta atentar para um fato já comprovado “cientificamente”: são 1,7 livros habitante/ano, o que já demonstra o grau de prioridade da literatura na vida nacional. Ah, sim, neste número estão inclusos os livros acadêmicos. Então, não sei o que quer dizer “muita gente” pra voce. Não me contento com “muita gente”, é muito pouco.

  • Daniel Estill 11/12/2008em17:18

    Sérgio, de tanto você falar, fui ler o “O filho eterno”. Realmente, não sei se é isso tudo que a crítica vem dizendo dele, inclusive você. Achei um livro realmente muito bom, mas ando meio cansado dessa coisa de escritor fascinado por seu umbigo, eternamente escrevendo seus mesmos romances de formação, falando de como a literatura é isso e aquilo. Tema presente tanto no livro do Tezza quanto no do Cuenca. Acho que os escritores deviam se deixar impressionar menos pelo fato de serem escritores.

    Isto posto, o mérito do Tezza, ou de seu personagem pai-narrador, é o esforço de sair de si mesmo e enxergar o filho, para conseguir se enxergar no final. A grande constatação é que o autista principal era ele. Filhos tem esse efeito na gente. Achei isso a melhor coisa do livro.

    Quanto ao fato de não vender, por que venderia? O livro fala de um assunto desagradável e muito íntimo, nada tem a ver com as aventuras trágicas e juvenis do Caçador de pipas, sequer tem o apelo noticioso de uma história sobre Talibãs malvados. Pouca gente quer realmente saber sobre a realidade da síndrome de Down, eu inclusive. Talvez a história do escritor porra louca que vira um pai de família por ter um filho excepcional desperte mais interesse em si do que a história do próprio filho. Mas o livro de Tezza não é divertido.

    Também desconfio que o livro chamou a atenção justamente por fugir da mesmice meta-literária (não de todo) e trazer um tema inusitado para o debate.

    A mim, o livro incomodou, me fez pensar sobre meus filhos saudáveis, meu pai com Alzheimer e eu no meio disso tudo. Essa é, para mim, a principal função da literatura. Por isso o livro é bom, muito bom. E por isso talvez não seja um sucesso de vendas. Que sei eu?

    Você bem resumiu esses meus sentimentos numa frase de sua primeira resenha sobre o livro:
    “Difícil saber se a façanha maior, aqui, se situa no plano da literatura ou da vida.”

    Livros bons costumam fazer uma boa mistura das duas coisas.

    Abraços.

  • Ramile Muriaé 11/12/2008em23:12

    Parece que MULHER aqui não tem vez…e nem respostas.
    Valeu, Clube do Bolinha!!!

  • Sérgio Rodrigues 12/12/2008em11:41

    Ramile, lamento ter deixado você sem resposta. Acontece com freqüência por aqui. Pelo menos agora sei que, além de muriaense, você é UMA muriaense. Um abraço e obrigado pela leitura e pelo comentário.