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Shteyngart e Kureishi: diversão e arte

08/07/2012

O histriônico Shteyngart e o irônico Kureishi


Gary Shteyngart, americano nascido na Rússia, e Hanif Kureishi, inglês de ascendência paquistanesa, protagonizaram uma das mesas mais divertidas da história da Flip – mas nem por isso destituída de seriedade. Numa divisão um talvez grosseira – mas não muito – pode-se dizer que coube ao histriônico Shteyngart fazer o auditório gargalhar, com seu humor judaico autodepreciativo à la Woody Allen (com quem tem razoáveis semelhanças físicas), enquanto o irônico Kureishi levou a conversa para campos graves como a relevância da literatura – que ele defende com ênfase – no mundo contemporâneo.

Autor de romances satíricos como “Absurdistão” e “Uma história de amor real e supertriste”, Shteyngart apresentou o último como uma história passada num “futuro em que uma América completamente iletrada está prestes a desmoronar. Ou seja, terça-feira que vem”. Como o livro satiriza a cultura digital e as redes sociais, acrescentou, teve que contratar um jovem para lhe ensinar a usar essas coisas. “Foi quando passei a ter um iPhone. É uma troca. Aprendi a usar o iPhone, mas nunca mais li um livro. Não leio há cinco anos.”

Afirmando que terceiriza para escritores indianos a tarefa de escrever seus livros e recebe direitos autorais em queijo parmesão, Shteyngart disse que escrever sobre sexo, em seu caso, foi uma forma de compensação. “Comecei a escrever sobre sexo porque não estava fazendo nenhum sexo. Foi esse o motor dos meus dois primeiros romances. Então, aos 37 anos, eu finalmente fiz sexo. Foi muito bom, melhor do que nos livros.”

Roteirista de “Minha adorável lavanderia” e romancista de “O buda do subúrbio”, Kureishi – que esteve na primeira Flip, em 2003 – disse que começou a escrever “para não enlouquecer”. “Cresci num subúrbio de Londres nos anos 1960, quando a cidade ainda não era multicultural, e sendo filho de imigrantes sofria abusos e perseguições diárias. ‘De onde você é? ‘, me perguntavam. ‘Daquela casa ali’, eu dizia. ‘Não, de onde você é de verdade, de verdade mesmo?’Eram perguntas muito filosoficas”, disse o escritor inglês, deixando claro que a palavra humor abarca efeitos cômicos muito diferentes. “Foi para responder a essas questões a que eu comecei a escrever.”

A suposta irrelevância cultural da literatura – um dos temos preferidos do espanhol Enrique Vila-Matas, outro convidado da Flip 2012 – não é algo com que Kureishi concorde. “É muito fácil ser cínico sobre literatura no Ocidente. No Paquistão, por exemplo, onde o fundamentalismo islâmico é puro fascismo, ninguém espera ouvir a verdade de ninguém, em momento algum. O único lugar em que ela ainda pode ser encontrada é um livro”.

Um comentário

  • Sherlock 16/07/2012em13:09

    Muito boa a tirada: “uma história passada num futuro em que uma América completamente iletrada está prestes a desmoronar. Ou seja, terça-feira que vem”.
    Quando vi o filme Idiocracy cheguei à conclusão, infeliz, de que este futuro é ontem.