Duas entrevistas com o escritor britânico V.S. Naipaul publicadas por tradicionais jornalões no mesmo dia, o último sábado, são tão radicalmente opostas que o primeiro efeito do contraste não pode deixar de ser uma perplexidade cômica: qual dos dois retratos é fiel ao prêmio Nobel de Literatura de 2001? Ou seriam ambos falsos? Quando se vai além dessa primeira impressão é que começam a surgir questões interessantes sobre o jornalismo cultural. No Sabático, suplemento literário do “Estado de S.Paulo”, o enviado especial Andrei Netto encontra-se em Londres com um Naipaul “formal, mas simpático e muito gentil”. No Babelia, suplemento literário do espanhol “El País”, o correspondente Walter Oppenheimer teve sorte diferente na casa de campo do escritor, em Wiltshire: “A entrevista vai mal. Desde o primeiro instante. Não há química. O olhar de Sir Vidia destila cada vez mais impaciência, mais desprezo”. As entrevistas que eles arrancaram do autor de “A máscara da África” – relato de viagens lançado ao mesmo tempo aqui e na Espanha – são condizentes com esses inícios em chaves opostas. Com Netto, interlocutor abertamente simpático que evita até a sombra de questões espinhosas, Naipaul é paciente, loquaz, quase vulnerável (não disponível online). Com Oppenheimer, que…
“A crítica literária é a mais afetada pela situação atual da literatura. Desapareceu do mapa. Em seus melhores momentos – com Iuri Tinianov, Franco Fortini ou Edmund Wilson – foi uma referência na discussão pública sobre a construção do sentido em uma comunidade. Não resta nada dessa tradição. Os melhores – e mais influentes – leitores atuais são historiadores, como Carlo Ginzburg, Robert Darnton, François Hartog ou Roger Chartier. A leitura dos textos passou a ser assunto do passado ou do estudo do passado.” Como sempre, as anotações do escritor e crítico argentino Ricardo Piglia em seu “diário” no caderno Babelia do último sábado (em espanhol, acesso gratuito) sugerem mais do que explicitam. A que “situação atual da literatura” ele se refere? (Pode-se apostar que tem algo a ver com sua observação recente, no mesmo espaço, de que “só se torna artístico – e se politiza – o que caduca e está ‘atrasado’”.) Como sempre, também, Piglia dá o que pensar. Sua cartografia é só uma hipótese, claro, mas iluminaria alguns aspectos do “campo da literatura” – como o pessoal costuma dizer na universidade. Uma vez que ninguém aceita “desaparecer do mapa” de uma hora para outra, pelo menos não…
Há poucas semanas, perguntaram a Don DeLillo como as novas tecnologias digitais estão interferindo na literatura de ficção. Conhecido por sua paranoia e seu pessimismo, o autor de “Submundo” e “Ruído branco” se saiu com a seguinte previsão, que leva o festejado potencial de interatividade dos leitores eletrônicos para dar uma voltinha no inferno: Os romances serão gerados pelo usuário. A pessoa não só apertará um botão que lhe dará um romance adequado a seus gostos, necessidades e estados de espírito particulares, como também poderá projetar seu próprio romance, muito possivelmente tendo a si mesma como personagem principal. O mundo está ficando cada vez mais customizado, modificado segundo especificações individuais. Esse contexto de encolhimento mudará necessariamente a linguagem que as pessoas falam, escrevem e leem. A frase de DeLillo, que tinha me parecido apocalíptica demais e até meio tola quando a li, voltou-me à cabeça agora como contraponto a uma opinião de Alberto Manguel citada no artigo “A utilidade da ficção”, assinado por Carlos García Gual no caderno Babelia do último sábado: Alberto Manguel destaca a importância dos relatos de ficção para uma compreensão autêntica e panorâmica do mundo e de nossa existência acidental. Uma vez que vivemos em um…