Envergonhado com a ação do procurador de Uberlândia contra o dicionário Houaiss, por suposto crime de racismo numa das acepções do verbete “cigano” (verbete que, por via das dúvidas, já foi tirado do ar na versão online do dicionário, tornando o caso ainda mais deprimente)? Console-se pensando no estado americano do Arizona, onde uma campanha de extremistas de direita do Tea Party contra os “estudos étnicos” na rede educacional acaba de botar na lista negra, entre outros autores, um tal de William Shakespeare. * O escritor Michel Laub esqueceu a reverência no banco do táxi, pegou a crônica A um jovem, de Carlos Drummond de Andrade – publicada no livro “A bolsa & a vida”, de 1962 – e editou os 31 conselhos literários que o poeta dá a um certo Alípio para transformá-los num decalogozinho mais ao gosto da era digital. O resultado contém alguns toques de atualidade perfurocortante: Se sentir propensão para o ‘gang’ literário, instale-se no seio de uma geração e ataque. Não há polícia para esse gênero de atividade. O castigo são os companheiros e depois o tédio. * Jonathan Franzen está sendo – de novo – bombardeado por acusações de misoginia, desta vez devido às…
Nesses quase cinco anos de Todoprosa, desde sua estreia na extinta revista eletrônica NoMínimo, a hoje adormecida seção “Começos Inesquecíveis” foi sem dúvida a mais marcante, a que seduziu mais leitores e se multiplicou em mais links pela blogosfera. Deve haver razões profundas para que as aberturas lapidares de livros – e, em uns poucos casos, de contos – tenham tanto apelo. Para o aspirante a escritor, acredito que isso se relacione com o mito de que basta um bom primeiro passo para que todas as outras palavras se encaixem no lugar certo e o livro saia sem esforço, o que é obviamente um delírio. Mas deixemos a metafísica dos inícios para outra ocasião. Hoje é dia de acertar contas com alguns começos inesquecíveis que nunca apareceram nos “Começos Inesquecíveis”. Não vou pedir desculpas por isso: num universo que tende ao infinito, a ideia sempre foi fazer recortes assumidamente pessoais – uma seleção dos mais inesquecíveis entre eles pode ser conferida aqui, aqui e aqui. Para tanto, descartei as buscas no Google e fiquei apenas com minha experiência de leitor e, principalmente, como forma de reavivar memórias, com minhas estantes. Experiência e estantes que, mesmo não sendo exatamente pequenas, têm…
Onde está o Grande Romance do Futebol Brasileiro? Por que nossos escritores perebas não conseguem fazer justiça a essa porção tão risonha e límpida da alma nacional? A questão vive rondando a fronteira entre a crítica literária e o departamento de vigilância da auto-estima brasileira. A cada Copa do Mundo, ressurge com ares de grande sabedoria para rechear cadernos literários, blogs e seminários. Convocados a explicar o fenômeno, os sábios de plantão costumam se dividir em dois times: o dos que consideram os escritores brasileiros elitistas demais para dar bola para o tema e o dos que consideram os escritores brasileiros competentes de menos diante da magnitude do tema. De uma forma ou de outra, culpados. Mas será que o Grande Romance do Futebol Brasileiro (daqui em diante GRFB, para facilitar) é essa grande lacuna porque, como diz o antropólogo Roberto DaMatta, os elitistas intelectuais brasileiros “detestam o futebol” – logo eles, com sua forte corrente populista encabeçada por ninguém menos que Jorge Amado? Ou seria porque, nas palavras do crítico Silviano Santiago, “o imaginário sobre futebol no Brasil é um espaço tão complexo, tão amplo e tão multifacetado” que provoca a falência dos projetos estéticos que dele se aproximam…