No auditório da Biblioteca Nacional, no centro do Rio, quarta-feira à noite, predominavam escritores, editores, tradutores e jornalistas culturais. Compondo a mesa estavam a inglesa Amy Webster, representante da Feira do Livro de Londres, e o escritor João Paulo Cuenca, além de mim. A propósito do lançamento carioca da revista literária londrina “Litro”, que em seu número 114, com edição da inglesa Sophie Lewis, reuniu autores brasileiros – Cuenca e eu entre eles – a ideia da noite era discutir as possibilidades de exportação de nossa literatura para o fechado mercado britânico num momento em que o cenário econômico mundial deixou o Brasil, por assim dizer, na moda. Por via das dúvidas, Amy começou tratando de jogar muitas pints de água gelada em qualquer fogueirinha que pudesse – tudo é possível – ter começado a arder no peito dos ufanistas. Com apenas 3% de seu mercado ocupado por traduções, uma fatia mínima que é abocanhada quase inteiramente por vendedores de peso como o sueco Stieg Larrson, o fato é que as brechas para a entrada de literatura brasileira no Reino Unido são virtualmente inexistentes. Membro de uma delegação de editores britânicos que está no Brasil neste momento para conhecer melhor…
Os leitores habituais deste blog sabem que raramente conto aqui histórias pessoais. Sei que desse modo contrario o que, a julgar pela evasão de privacidade cultivada por grande parte dos colegas, é uma vocação do meio. Prefiro ser fiel a uma vocação minha e dosar a primeira pessoa. Todo esse nariz de cera é para abrir uma baita exceção e contar que um dia tive uma namorada inglesa que odiou – ou talvez eu devesse carregar no verbo e escrever abominou, execrou – nossa grande Clarice Lispector. Foi um episódio marcante. Eu tinha vinte e cinco anos e morava em Londres, como correspondente de um jornalão brasileiro. Ela tinha no trato afetivo um pragmatismo anglo-saxônico que eu, acostumado ao ronronar dos namoros brasileiros, via como distância emocional. Incomodado com a dissociação entre corpo quente e alma fria, julguei necessário corrigi-la. Como? Ah, mas é claro. Quem disse que a literatura não serve para nada? Minha namorada inglesa (mas talvez ficante, palavra que eu não conhecia na época, caiba melhor) era uma ardorosa leitora. Tínhamos papos animados, eu mais ouvindo que falando, sobre escritoras que a faziam vibrar: Isak Dinesen, Jean Rhys, Angela Carter. Hmm, pensei, julgando-me perspicaz: todas mulheres. Achei…
Folião cerebral, do tipo que sempre valorizou mais uma virada de enredo que uma virada de bateria, fiz um garimpo na grande rede instigado pela aposta de que seria possível montar uma boa antologia de contos de carnaval só com textos disponíveis online, de preferência na íntegra. Deu certo. A meia dúzia de contos abaixo – todos acessíveis a quem clicar sobre os títulos, sem necessidade de baixar arquivos – deixa claro que as relações entre a folia momesca e a literatura brasileira, com perdão do clichê, sempre deram samba. Destaque absoluto para o aterrorizante O bebê de tarlatana rosa, obra-prima de João do Rio, imbatível na captação do lado negro de uma festa solar. De resto, tons sombrios se fazem presentes – o que, pensando bem, não chega a ser surpresa – em praticamente todas as histórias. Pena que o conto Caprichosos da Tijuca, de Marques Rebelo, e a crônica A batalha do Largo do Machado, de Rubem Braga, não estejam online. Presenças obrigatórias em qualquer antologia analógica sobre o tema, espero que esta menção compense de alguma forma sua ausência. O conto de Rubem Fonseca tem apenas um trechinho disponível, mas sua qualidade me levou a incluí-lo na…
Nesses quase cinco anos de Todoprosa, desde sua estreia na extinta revista eletrônica NoMínimo, a hoje adormecida seção “Começos Inesquecíveis” foi sem dúvida a mais marcante, a que seduziu mais leitores e se multiplicou em mais links pela blogosfera. Deve haver razões profundas para que as aberturas lapidares de livros – e, em uns poucos casos, de contos – tenham tanto apelo. Para o aspirante a escritor, acredito que isso se relacione com o mito de que basta um bom primeiro passo para que todas as outras palavras se encaixem no lugar certo e o livro saia sem esforço, o que é obviamente um delírio. Mas deixemos a metafísica dos inícios para outra ocasião. Hoje é dia de acertar contas com alguns começos inesquecíveis que nunca apareceram nos “Começos Inesquecíveis”. Não vou pedir desculpas por isso: num universo que tende ao infinito, a ideia sempre foi fazer recortes assumidamente pessoais – uma seleção dos mais inesquecíveis entre eles pode ser conferida aqui, aqui e aqui. Para tanto, descartei as buscas no Google e fiquei apenas com minha experiência de leitor e, principalmente, como forma de reavivar memórias, com minhas estantes. Experiência e estantes que, mesmo não sendo exatamente pequenas, têm…
Hora de dar o resultado do pequeno concurso que lancei aqui na semana passada, valendo um exemplar de “Sobrescritos” para o primeiro leitor que citasse um grande escritor “inteiramente tapado para a graça, uma porta em termos de senso de humor”. A ideia era submeter ao teste da interatividade internética uma conclusão provisória com a qual eu andava brincando: a de que só escritores medíocres podem ser inteiramente desprovidos de humor. A participação dos leitores foi brilhante e, no meu entendimento, provou acima de qualquer dúvida que eu estava errado. Sim, é possível fazer grande literatura e ao mesmo tempo ser a menos espirituosa das criaturas. Raro, sem dúvida, mas possível. Uma das provas disso é Euclides da Cunha, nome com o qual Luis Nascimento, o primeiro a sugeri-lo, assegurou o prêmio. Não vou dizer que reli “Os sertões” de ponta a ponta para chegar a tal conclusão, mas acredito ter folheado páginas suficientes para confirmar o que a memória já sugeria: não existe a mais pálida sombra de sorriso ali. (O curioso exercício de desclassificação do autor ensaiado por Rafael Souza, substituindo a figura de Antônio Conselheiro pela de Lula, tem sua graça, mas ela provém de Rafael e…
Num bom momento da Flip, Salman Rushdie disse que Jorge Luis Borges foi uma “má influência” em sua juventude. Apaixonado por “Ficções”, passou a tentar escrever daquele jeito, embora sua “inclinação natural como escritor não fosse borgiana”. Deu trabalho, segundo ele, aprender a não escrever como Borges. O Todoprosa aproveitou a deixa para perguntar por e-mail a dez escritores brasileiros quais foram suas “más influências”: MILTON HATOUM, autor de “A cidade ilhada”: “Acho que a obra de J.L. Borges influenciou várias gerações de escritores. Lembro que na década de 70 eu também imitava Borges. Mas joguei fora esse péssimo plágio deliberado. No começo de sua carreira, todo escritor imita seus antecessores. A imitação faz parte do processo de aprendizagem de qualquer atividade humana. Borges dizia que imitava Macedonio Fernandez ‘até plagiá-lo’. Os contos de ‘História universal da infâmia’ devem muito às narrativas do francês Marcel Schwob (‘Vidas imaginárias’ e ‘A cruzada das crianças’). Acho que Salman Rushdie é um escritor marqueziano. Certa vez ele me disse que adora a obra de García Márquez. Este, por sua vez, já afirmou que lia Borges para aprender a escrever. Na infinita biblioteca do universo, todos podem ser influenciados por todos, mas um bom…
O alemão Berthold Zilly, tradutor de Euclides da Cunha e Machado de Assis, e o americano Benjamin Moser, de recente sucesso com sua biografia de Clarice Lispector, chamada “Clarice,”, discutiram por que a literatura brasileira tem presença relativamente discreta no cenário internacional. O penúltimo encontro da Flip, numa Tenda dos Autores esvaziada pela debandada de domingo, foi simpático, com os dois falando um português mais que decente. E levou a uma conclusão de ululante obviedade: o Brasil investe muito pouco, em termos institucionais, na divulgação de sua literatura no exterior. Até chegar a esse lugar comum, entretanto, a conversa trilhou caminhos interessantes, que incluíram uma “defesa” de Paulo Coelho feita por Moser (o que lhe valeu um incompreensível princípio de vaia) e a informação, dada por Zilly, de que foi convidado – mas ainda não aceitou – a fazer uma nova tradução de “Grande sertão: veredas”. Abaixo, alguns trechos do debate: BERTHOLD ZILLY “Uma importante editora de Munique me pediu para fazer uma nova tradução do ‘Grande sertão: veredas’, mas ainda estou pensando se quero me enfurnar por dois ou três anos. É um tempo em que eu não poderia aceitar um convite como este da Flip, por exemplo.” “A…