Se tivermos sorte, e bota sorte nisso, o livro “Como funciona a ficção” (Cosac Naify, tradução de Denise Bottmann, 232 páginas, R$ 49,00), lançado em 2008 pelo crítico inglês James Wood, cairá entre nós como uma bomba de efeito moral. Claro que esta é só uma frase de efeito (moral?) e que um simples volume de crítica literária dificilmente provocará tal estrago. Isso não altera o fato de que, num mundo ideal, seria de esperar que depois dele uma série de personagens que atravancam nossa vida literária saíssem correndo em busca de abrigo, do pequeno resenhista movido por cordialidades buarquianas ao crítico acadêmico adestrado por décadas de teoria e estudos culturais para odiar tudo o que cheire a literatura. Simpatizemos ou não com suas idiossincrasias (eu simpatizo com algumas delas), Wood é tão apaixonado pela coisa que não se furta a cair no pasmo boquiaberto diante de certa tirada poética de Virginia Woolf no romance “As ondas”: “Sinto-me mortificado com essa frase; um pouco porque não consigo explicar de jeito nenhum por que ela me comove tanto”. Nessa cândida confissão de impotência reside, paradoxalmente, o maior poder de “Como funciona a ficção”. Egresso da crítica literária jornalística, que exerceu por…
O mais famoso ensaio do pensador alemão Walter Benjamin, A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, pode ter algo a nos dizer sobre este momento em que o povo do livro se divide em tribos, todas em pé de guerra, diante do avanço do livro digital. Há os que acham que o livro de papel logo estará extinto – entre estes, uns festejam, outros choram – e há os que apostam a reputação em sua eternidade, dividindo-se, por sua vez, entre moderados que acreditam numa partilha do mercado e radicais que zombam dos e-books como fogo de palha ou frescura para poucos. Penso em Benjamin enquanto folheio – e desfolho, e desdobro, entre outros verbos que não me ocorrem agora – o recém-lançado “Pelé – Minha vida em imagens” (Cosac Naify, tradução de Bernardo Ajzenberg, R$ 140,00). E se à “aura” da obra de arte original, única, sobre a qual Benjamin teorizava no ensaio de 1936, corresponder em nossa era de reprodutibilidade digital uma aura, não mais de coisa original, mas de coisa-coisa, material, tangível? Nada a ver com a turma que suspira por aí pelo “cheiro do papel”. O apelo sensorial aqui vai muito além do…