Por Raissa Pascoal Como já é tradição, a mesa de encerramento da 10ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) reuniu alguns dos autores convidados do evento para a leitura de seus livros favoritos. “Essa mesa celebra a razão de ser da festa: a literatura”, disse Miguel Conde, que apresentou a sessão Livro de Cabeceira, mediada pela criadora do evento, Liz Calder. Entre os escritores lidos, estavam o austríaco Stefan Zweig, o argentino Jorge Luís Borges, a brasileira Lygia Fagundes Telles e o português Fernando Pessoa. Ao todo, nove convidados emprestaram a voz ao encerramento. Os primeiros a ler foram os francófonos Amin Maalouf, libanês, e Dany Laferrière, haitiano. Maalouf selecionou um texto de Zweig, autor de Brasil, País do Futuro, e Laferrière optou pelo pedaço de um conto do argentino Jorge Luís Borges, Funes, O Memorioso, sobre um rapaz com uma grande memória. “Há 30 anos, quando era um operário, entrei numa livraria e escolhi o livro mais elegante e livre da prateleira”, disse o escritor, lembrando seu encontro com o conto de Borges. Depois de Laferrière, a portuguesa Dulce Maria Cardoso leu um excerto do livro Os Passos em Volta, de seu conterrâneo Herberto Hélder. Nos contos…
Por Maria Carolina Maia A literatura social do carioca Rubens Figueiredo (do premiado Passageiro do Fim do Dia) e do sergipano Francisco J. C. Dantas (de Os Desvalidos) pautou a mesa A Imaginação Engajada, neste domingo, na Flip. Mas não só ela. Os escritores falaram da sua forma de retratar a realidade e fizeram o público rir contando causos e piadas. O falso tímido Dantas, 71, que debutou na literatura aos 50 com Coivara da Memória (Estação Liberdade), subiu ao palco com um calhamaço de anotações. Sua primeira fala foi tão prolixa e distante do tema proposto – ele agradeceu o convite da Flip e a boa hospedagem que vem recebendo em Paraty, para então relembrar episódios de viagens que fez – que o mediador pediu autorização para passar a palavra a Figueiredo. “Vamos ouvir agora Figueiredo, se o senhor deixar, é claro”, disse , o professor de literatura João Cezar de Castro Rocha, dando uma indireta a Dantas. “Uma vez, participei da Jornada Literária de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, e achei lindo como todo dia, debaixo do travesseiro, a camareira da pousada onde me hospedei deixava um chocolatinho”, contava Dantas antes de ser interrompido por Castro…
Por Raissa Pascoal A poesia abriu o domingo frio e chuvoso em Paraty, onde termina hoje a 10ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). Mediada pelo jornalista João Paulo Cuenca, um dos 20 jovens autores do país selecionados entre os melhores da revista Granta, a mesa Vidas em Versos reuniu a escocesa Jackie Kay e o brasileiro Fabrício Carpinejar. Apesar de divertir o – agora já reduzido – público da tenda dos autores, a conversa não teve frescor literário. Entre leituras de textos seus, os autores falaram dos ecos entre sua vida e obra, contando histórias e piadas. Para explicar sua relação com o uso da voz, por exemplo, Carpinejar fingiu orgasmo para defender o recurso, que seria utilizado pelas mulheres para sinalizar prazer. “É uma pedagogia da sensibilidade.” O poeta gaúcho caiu no tema orgástico depois de Jackie Kay contar como presta atenção à voz e ao jeito de falar das pessoas. “Gosto de saber como as pessoas falam, sua sintaxe, a ordem das palavras. Uma vez que eu ouço a voz de um personagem, consigo criá-lo”, afirmou a escocesa. Carpinejar então disse que é filho do ouvido, porque cresceu com muito ruído em uma casa só de…
Por Maria Carolina Maia Coube aos brasileiros Angeli e Laerte a inserção de quadrinhos na programação da Flip, que nos anos anteriores recebeu os icônicos Robert Crumb e Gilbert Shelton (2010), de América e Freak Brothers, e Joe Sacco, do jornalístico Palestina (2011). Mas, ou por serem figuras bem conhecidas do público ou porque a mediação do jornalista Claudiney Ferreira deixou a desejar, o encontro de Laerte e Angeli não foi nenhuma surpresa para a plateia que encheu a tenda dos autores, junto ao centro histórico de Paraty. Exceto pela crítica de Angeli à comédia de tipo stand-up, que ele taxou de apelativa, para quem está habituado a ver entrevistas com os dois cartunistas a mesa-bônus na programação da festa, realizada a partir das 21h30 deste sábado, teve sabor de reprise. Os cartunistas falaram de seus velhos personagens, da necessidade que sentem de renovação do trabalho e de si mesmos – os mesmos personagens de sempre. Com um belo vestido colorido, Laerte contou mais uma vez como se percebeu transgênero. Foi a partir da publicação de uma tirinha com o personagem Hugo, que aparece travestido e dizendo, “Às vezes, um cara tem de se montar, ué”. “Eu me descobri transgênero. Eu tenho…
Por Raissa Pascoal Exilados de suas terras natais por ditadores, o haitiano Dany Laferrière e a cubana Zoé Valdés foram buscar na literatura o veículo para dizer que a liberdade – negada em seus países e adquirida no exterior – é impagável. Liberdade não só na escrita – agora sem censura –, mas também nos temas utilizados, que chegam a politizar até o sexo, tratado como provocação histórica, no caso de Laferrière, e de força identitária, para Zoé. “Escrevi para dizer aos ditadores: ‘Pode ficar no seu palácio em Porto Príncipe, mas você nunca vai ter a liberdade de um jovem numa cidade aberta”, disse. O encontro dos dois aconteceu na mesa O Avesso da Pátria, mediada pela jornalista portuguesa Alexandra Lucas Coelho. Há 30 anos, Laferrière escreveu o livro Como Fazer Amor com um Negro sem se Cansar, publicado agora no Brasil pela Editora 34. No romance, o escritor utiliza cenas de atos sexuais para denunciar o racismo – ele mostra que uma branca se permite entregar-se a um negro dentro de quatro paredes, mas em público jamais tomaria um café com ele. “Não existe cena de sexo no romance sem que haja um duelo de identidades cara a…
Por Maria Carolina Maia A política voltou ao palco principal da Flip na noite desta sexta-feira, na mesa Literatura e liberdade, que reuniu os poetas árabes Amin Maalouf (do livro O Mundo em Desajuste, publicado pela Difel) e Adonis (que acaba de ter um primeiro livro, a seleta Poemas, lançado no Brasil pela Companhia das Letras). De gerações diferentes, Adonis, 82, e Maalouf, 63, falaram da situação dos países que passam pela chamada Primavera Árabe e da relação entre árabes e americanos. Para os dois poetas, embora em menor grau para o otimista Maalouf, o governo de Barack Obama foi uma decepção. “Obama é uma máscara negra sobre um rosto branco”, disse Adonis, pseudônimo de Ali Ahmad Said Esber. Sobre a chamada Primavera Árabe, o poeta sírio hoje radicado em Paris foi taxativo. “É apenas a troca de um fascismo militar por um fascismo religioso”, disse, sem esperanças de renovação. Segundo Adonis, para haver uma revolução de fato nos países árabes é preciso laicizar a sociedade e libertar as mulheres do jugo do Islã. “Não podemos defender nenhum regime árabe”, afirmou Adonis. “Precisamos nos perguntar o que vamos fazer depois que esse movimento acabar. Se a mulher não tiver liberdade,…
Por Maria Carolina Maia Numa mesa rara na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), um finado autor brasileiro deu lugar a um finado estrangeiro. Shakespeare, que como bem lembrou o mediador Cassiano Elek Machado é um dos maiores, se não o maior escritor de todos os tempos, foi teve sua genialidade reconstruída pelos especialistas Stephen Greenblatt (de Como Shakespeare se tornou Shakespeare e do novo A Virada, ambos publicados no país pela Companhia das Letras) e James Shapiro (1599: Um Ano na Vida de William Shakespeare, lançado pela Planeta, e Quem Escreveu Shakespeare?, da Nossa Cultura). Para ambos, a força de Shakespeare se deve às lacunas que ele criou em suas obras. Homem da virada do século XVI para o XVII, Shakespeare (1564-1616) atuou num período em que o teatro era quase tão artesanal quanto o oficio de seu pai, um homem que fazia luvas no interior da Inglaterra. Trabalhou sobre o palco, como ator, e por trás dele, escrevendo peças quase sempre baseadas em enredos já existentes. O seu segredo, o que o tornava tão especial e popular, era, como chamou Greenblatt, o tipo de “reciclagem”que fazia dos textos dos outros. Ou, mais exatamente, o que ele sacava desses…
Por Raissa Pascoal Era de se esperar que uma mesa intitulada Autoritarismo, Presente e Passado, com mediação do jornalista Zuenir Ventura e a participação do ex-deputado federal Fernando Gabeira e do ex-secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro Luiz Eduardo Soares, fosse mais política que literária. E assim foi. Sem decepcionar expectativas, a mesa de Soares e Gabeira passeou pela história política do Brasil, tratando da tradição autoritária brasileira, que, para o político do PV, chega até o governo atual de Dilma Rousseff. VEJA Meus Livros: Jonathan Franzen é uma gracinha “A relação da presidente Dilma com o Congresso Nacional é um pouco de distância. Não porque o despreze, mas porque os marqueteiros disseram que era importante afastar a sua imagem da imagem dos congressistas. Hoje, você não vê projetos do governo ou a presidente chamando congressistas para convencê-los de uma ideia. O Congresso passou a ser carimbador e, nesse sentido, a relação é autoritária. Ela não fala com o Congresso nem com os partidos, mas direto com a população a partir de uma técnica marqueteira”, disse Gabeira. Ainda falando de autoritarismo, Soares e Gabeira apresentaram seus comentários sobre a Comissão da Verdade, instalada pela presidente no início do…
No auditório da Biblioteca Nacional, no centro do Rio, quarta-feira à noite, predominavam escritores, editores, tradutores e jornalistas culturais. Compondo a mesa estavam a inglesa Amy Webster, representante da Feira do Livro de Londres, e o escritor João Paulo Cuenca, além de mim. A propósito do lançamento carioca da revista literária londrina “Litro”, que em seu número 114, com edição da inglesa Sophie Lewis, reuniu autores brasileiros – Cuenca e eu entre eles – a ideia da noite era discutir as possibilidades de exportação de nossa literatura para o fechado mercado britânico num momento em que o cenário econômico mundial deixou o Brasil, por assim dizer, na moda. Por via das dúvidas, Amy começou tratando de jogar muitas pints de água gelada em qualquer fogueirinha que pudesse – tudo é possível – ter começado a arder no peito dos ufanistas. Com apenas 3% de seu mercado ocupado por traduções, uma fatia mínima que é abocanhada quase inteiramente por vendedores de peso como o sueco Stieg Larrson, o fato é que as brechas para a entrada de literatura brasileira no Reino Unido são virtualmente inexistentes. Membro de uma delegação de editores britânicos que está no Brasil neste momento para conhecer melhor…
Estou ciente de que há escritores que evitam com sucesso jamais ter que escrever uma linha. Qualquer energia criativa que eles possam ter foi completamente absorvida por atividades substitutas. Tais atividades costumam incluir vestir-se, soar e posar (quando não beber – na verdade, normalmente beber) como um autor, de modo que esses indivíduos conseguem ser muito mais convincentes como artistas da frase bem torneada do que muita gente que de fato já publicou. Quando eu estava começando a escrever, esses tipos me deixavam bastante confusa. Em casa, eu (…) não sabia o que queria dizer, ou se realmente gostaria de dizê-lo, ou se alguém queria que o dissesse. No mundo lá fora, havia todas essas fantásticas desculpas para nunca mais me preocupar com tais coisas. Eram tentações. Mas consegui compreender que eram também um horrível beco sem saída. Terminada a Flip, vistoso buquê de “becos sem saída”, é hora de sentar e escrever. Mas talvez valha a pena ler primeiro esse artigo (em inglês, acesso gratuito) da escritora escocesa AL Kennedy no blog do “Guardian” sobre a eterna tentação do adiamento, disfarce da covardia, que me lembrou aquele toque lapidar do americano E.L. Doctorow: Planejar escrever não é escrever. Traçar…
Em sua nona edição, que começa hoje à noite com uma palestra do crítico Antonio Candido e sob o signo da “antropofagia” de Oswald de Andrade, o homenageado do ano, a Festa Literária Internacional de Paraty dá sinais de amadurecimento como grande evento do mercado literário brasileiro, inspirador de uma série de festas espalhadas pelo país – como mostrou a boa reportagem de Beatriz Souza aqui em VEJA.COM. Essa posição central a Flip ocupa há anos, é verdade, mas vejo indícios de amadurecimento em pelo menos uma das atrações que ocorrerão no entorno da Tenda dos Autores: as duas conferências do projeto Brazilian Publishers, na noite de quinta-feira, em que editores e agentes literários nativos e estrangeiros discutirão diante da plateia da Casa da Cultura modos de divulgar a quase secreta literatura brasileira no exterior – questão crítica num momento em que o Brasil ensaia para ser o país homenageado em 2013 na Feira de Frankfurt, principal vitrine do mercado editorial no mundo. A esperança de que o encontro possa ir além do bate-papo para influir na definição de uma política cultural baseia-se na presença, entre os debatedores, de Galeno Amorim, presidente da Biblioteca Nacional e encarregado de preparativos, que,…
Além de ser o crítico musical mais importante de sua geração e autor de livros de ficção, entre eles “Black music” (Objetiva), o jornalista carioca Arthur Dapieve tem um papel curioso na Flip: é um veterano mediador de debates que acabou por se especializar em entrevistados considerados difíceis. Em 2007, o mais-que-irônico escritor inglês Will Self propôs no palco que os dois abandonassem suas mulheres e fossem juntos desmatar a Amazônia. Ano passado, a desistência do popstar Lou Reed, famoso por maltratar entrevistadores, poupou-o na última hora de uma missão espinhosa. Na edição 2011, que começa nesta quarta-feira, Dapieve vai encarar na última mesa de sábado o escritor americano James Ellroy, que se notabilizou tanto pela qualidade de sua literatura quanto por uma certa egolatria. Will Self, Lou Reed e, agora, James Ellroy. Por que todos os fios desencapados da Flip acabam na sua mão? – Acho que é porque eu já trabalhei com o Marcelo Madureira [no extinto programa de TV “Sem Controle”, do GNT]. A partir daí, qualquer fio desencapado me parece normal… O que espera da conversa com Ellroy? Se ele repetir em Paraty sua famosa declaração de que é o maior escritor policial de todos os…
Mais uma notícia para arquivar na editoria “Fim do romance”? Salman Rushdie vai escrever uma série televisiva americana de ficção científica chamada The next people. “É o melhor de dois mundos. Você pode trabalhar com produções semelhantes às do cinema, mas tendo o devido controle (criativo)”, disse, elogiando o papel fundamental dos autores no formato: “The Sopranos era David Chase, West wing era Aaron Sorkin.” * Para quem não vai a Parati: terminada a festa, algumas das maiores estrelas da Flip darão mole em São Paulo e no Rio de Janeiro. O blog “A biblioteca de Raquel” preparou um roteiro. * Você sabia que, pelo método tradicional de arquivamento de sobrenomes ingleses, os Mcs, como McEwan, vêm antes dos Mas, como Mamet? Mas será que isso ainda faz algum sentido? Mark Sarvas, do referencial blog “The Elegant Variation”, sobre as agruras de quem tem uma biblioteca caseira para organizar. * O mais engraçado daquela última polêmica literária nacional é que, embora ela não tenha ido a lugar nenhum, com defesas dispersas espelhando a inconsistência intelectual do ataque, começam a pipocar as vozes que tentam surfar a marola, como se algo muito importante tivesse ocorrido no panorama da crítica. Meu Deus….
Nada de debates de ideias. Nada de perguntas difíceis de responder. Tradicionalmente leve, a mesa final da Flip reuniu alguns dos escritores do evento para a leitura de trechos de seus autores preferidos. Confira abaixo uma relação com alguns dos convidados da mesa, hegemonicamente estrangeira, seus livros favoritos e as justificativas de suas escolhas. Beatriz Bracher . Leitura: trecho do romance Angústia, de Graciliano Ramos . Justificativa: “Foi o primeiro autor que me deu a noção clara de que escrever não tinha a ver apenas com aprender ou sentir, mas também com viver”. Reinaldo Moraes . Leitura: trecho de Memórias de um Sargento de Milícias . Justificativa: uma dos principais obras da literatura brasileira, foi escrita por Manuel Antônio de Almeida quando tinha menos de 21 anos. “Um certo prodígio”, disse Moraes. “E é um romance sobre um malandro do século XIX, que se apaixona por uma garota pobre, se liga a cinganos, vai a festas de negros, ele é da pá virada.” Lionel Shriver . Leitura: trecho de A Era da Inocência, de Edith Wharton . “Eu sei que parece inexplicável, mas eu sou admiradora de Edith, porque ela gosta de estilo e entende como convenções sociais podem levar…
Teve um público modesto a mesa “Cartas, Diários e outras Subversões”, que reuniu as escritoras Carola Saavedra, chilena naturalizada brasileira, e Wendy Guerra, cubana nunca editada em seu país. Com mediação do também escritor João Paulo Cuenca, elas conversaram sobre como a figura paterna – ou a figura masculina forte – está presente em seus livros (Nunca Fui Primeira-Dama, de Wendy, e Flores Azuis e Paisagem com Dromedário, de Carola) e sobre a exposição do escritor em sua obra. Wendy, que foi apresentadora de TV em eu país – “Uma espécie de Xuxa cubana” – disse que tem preferência pela narração em primeira pessoa. “Tenho um trabalho performático em primeira pessoa”, reconheceu a escritora, que já posou e realizou performances nua em galerias de arte. Tudo pela arte, aliás. Wendy faz questão de dizer que não consegue separar a arte da vida, por ser filha e amigas de artistas – e possivelmente, vale a interpretação, por essa ser uma forma de transcender as regras restritivas do regime sob o qual vive. Sobre a presença firme de Fidel Castro em Cuba, Wendy revelou sentir tanto objeção quanto fascínio. “Eu sou dupla. Uma vez, estive em dúvida sobre a minha paternidade e disse…
Teve tom biográfico a mesa “Gullar, 80”, protagonizada pelo maranhense Ferreira Gullar no fim da tarde deste sábado, em Paraty. Numa conversa com o especialista em teoria literária Samuel Titan Jr., Gullar relembrou o início da carreira, com o livro Um Pouco Acima do Chão, que não reedita por considerar muito parnasiano, sua contribuição para o surgimento do movimento de poesia concreta, com que romperia depois, seu engajamento no neoconcretismo e o nascimento do Poema Sujo, o exílio, em Buenos Aires, quando as ditaduras grassavam na América Latina e ele se achava “sem saída, vendo as pessoas desaparecerem”. O Poema Sujo foi uma forma de “escrever o que restava dizer.” Segundo Gullar, o Poema Sujo foi escrito num jorro, mas ficou incompleto, porque a inspiração acabou. Até que um dia ele conseguiu talhar os versos finais do poema – a poesia, como ele mesmo diz, não se pode controlar, ela surge quando quer, ela vem do imprevisível. Numa visita à Argentina, Vinicius de Moraes ouviu do dramaturgo Augusto Boal, em um jantar, que Gullar havia feito um texto longo e que não o mostrava a ninguém. Vinicius insistiu em conhecer o poema e fez com que o maranhense o recitasse….
O processo criativo da escrita foi o tema proeminente da mesa “Albany, Nova York e outras Aldeias”, que pôs cara a cara o americano William Kennedy e o irlandês Colum McCann, neste sábado, na Flip. Jornalistas de formação, ambos fazem da investigação – da reportagem – o caminho para criar personagens e histórias. “Uma das minhas personagens era uma prostituta do Bronx, e minha mãe ficou curiosa para saber de onde eu a conhecia”, contou McCann. “Mas eu não a conhecia, claro, eu a criei a partir de meses de conversa com prostitutas reais, com policiais, com pessoas nas ruas. Eu pesquisei até ouvir a voz dela, até sentir que ela existia, que ganhava vida.” O irlandês disse que recomenda às pessoas que escrevam sobre o que não conhecem – o que as forçaria a investigar e encontrar surpresas. “Para escrever sobre Albany, eu comecei a entrevistar o meu pai, a minha mãe. Comecei a perceber como a minha cidade era grande, maravilhosa”, disse Kennedy, famoso pelo chamado ciclo Albany, uma série de sete romances ambientados na cidade natal do escritor. Kennedy destacou, porém, diferenças entre o processo de feitura do jornalismo e da literatura. “Ainda sou repórter, e sempre…